Partygate ou por que a opinião pública importa mais no parlamentarismo?
Boris Johnson acaba de sobreviver a uma moção de desconfiança. Só que não se trata aqui do instrumento utilizado pela oposição para derrubar governantes impopulares, como ocorreu com Callaghan, em 1979, e que levou à ascensão de Thatcher; mas sim de uma moção apresentada pelos correligionários do partido que está no poder. Sim, como aconteceu com a própria Thatcher, que levou um cartão vermelho do partido, em 1990, após duas moções, e foi substituída por John Major.
O paradoxo é por que cargas d’água correligionários do partido do primeiro-ministro voltam-se contra ele? A moção tem custos partidários, porque nela se aponta seus malfeitos. O cálculo envolve o custo esperado da substituição do primeiro- ministro e aquele decorrente de sua permanência no cargo. O que deflagrou o processo, para Johnson, foi o partygate; para Thatcher, o famigerado poll tax.
A popularidade e a opinião pública importam muito mais sob o parlamentarismo do que sob o presidencialismo, como mostrou Joaquim Nabuco: “Comparado os dois governos, o norte-americano ficou-me parecendo um relógio que marca horas da opinião pública, o inglês um relógio que marca até os segundos”.
Os mandatos não são fixos no parlamentarismo, as eleições ou destituição do gabinete podem ocorrer a qualquer momento (em muitos países, pode-se derrubar também ministros individuais; Reino Unido, Alemanha e França são exceções). Assim, é o pulso da opinião pública que rege as moções de desconfiança quanto ao líder, aos membros do gabinete ou a este como um todo. E com elas o calendário eleitoral.
Sob o presidencialismo, a opinião pública importa apenas nos anos eleitorais. E isso se reflete no Poder Legislativo, que se converte em “teatro para os debates, mas esses debates são como prólogos não seguidos de peças; não trazem nenhum desfecho, porque não se pode mudar a administração”. (Bagehot citado por Nabuco).
O mesmo se dá com a ação da imprensa: “o Times tem feito muitos ministérios; nada de semelhante se podia dar na América. Ninguém se preocupa dos debates do Congresso, eles não dão resultado algum”. Prima facie, o Executivo no parlamentarismo é impotente, e o regime, marcado por instabilidade crônica.
Nada mais longe da verdade. O primeiro-ministro possui a opção atômica de dissolver o parlamento e convocar eleições, o que lhes permite chantagear o parlamento e impor disciplina partidária.
Por outro lado, muitos países adotaram a moção construtiva de desconfiança, usada pela Constituição alemã (1949), pela qual a derrubada do gabinete requer a aprovação simultânea de alternativa que o substitua (ex. Espanha etc.). Forja-se assim um equilíbrio institucional. (Folha de S. Paulo – 13/06/2022)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)