Marcus André Melo: O relógio político de Boris Johnson

Partygate ou por que a opinião pública importa mais no parlamentarismo?

Boris Johnson acaba de sobreviver a uma moção de desconfiança. Só que não se trata aqui do instrumento utilizado pela oposição para derrubar governantes impopulares, como ocorreu com Callaghan, em 1979, e que levou à ascensão de Thatcher; mas sim de uma moção apresentada pelos correligionários do partido que está no poder. Sim, como aconteceu com a própria Thatcher, que levou um cartão vermelho do partido, em 1990, após duas moções, e foi substituída por John Major.

O paradoxo é por que cargas d’água correligionários do partido do primeiro-ministro voltam-se contra ele? A moção tem custos partidários, porque nela se aponta seus malfeitos. O cálculo envolve o custo esperado da substituição do primeiro- ministro e aquele decorrente de sua permanência no cargo. O que deflagrou o processo, para Johnson, foi o partygate; para Thatcher, o famigerado poll tax.

A popularidade e a opinião pública importam muito mais sob o parlamentarismo do que sob o presidencialismo, como mostrou Joaquim Nabuco: “Comparado os dois governos, o norte-americano ficou-me parecendo um relógio que marca horas da opinião pública, o inglês um relógio que marca até os segundos”.

Os mandatos não são fixos no parlamentarismo, as eleições ou destituição do gabinete podem ocorrer a qualquer momento (em muitos países, pode-se derrubar também ministros individuais; Reino Unido, Alemanha e França são exceções). Assim, é o pulso da opinião pública que rege as moções de desconfiança quanto ao líder, aos membros do gabinete ou a este como um todo. E com elas o calendário eleitoral.

Sob o presidencialismo, a opinião pública importa apenas nos anos eleitorais. E isso se reflete no Poder Legislativo, que se converte em “teatro para os debates, mas esses debates são como prólogos não seguidos de peças; não trazem nenhum desfecho, porque não se pode mudar a administração”. (Bagehot citado por Nabuco).

O mesmo se dá com a ação da imprensa: “o Times tem feito muitos ministérios; nada de semelhante se podia dar na América. Ninguém se preocupa dos debates do Congresso, eles não dão resultado algum”. Prima facie, o Executivo no parlamentarismo é impotente, e o regime, marcado por instabilidade crônica.

Nada mais longe da verdade. O primeiro-ministro possui a opção atômica de dissolver o parlamento e convocar eleições, o que lhes permite chantagear o parlamento e impor disciplina partidária.

Por outro lado, muitos países adotaram a moção construtiva de desconfiança, usada pela Constituição alemã (1949), pela qual a derrubada do gabinete requer a aprovação simultânea de alternativa que o substitua (ex. Espanha etc.). Forja-se assim um equilíbrio institucional. (Folha de S. Paulo – 13/06/2022)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

Leia também

Direito à crítica não pode degenerar em ataque pessoal

publicado no site contraponto em 19 de maio de...

Uma nova luta de classes se formando

Uma questão central, hoje, tem que ver com a...

Papa Francisco: uma perda imensurável para o mundo moderno

Confira artigo de Renata Bueno, dirigente do Cidadania, ex-vereadora...

Humanismo e Frente Ampla

Aprendi com a vida o quanto é importante assimilar...

Como fortalecer o diálogo entre organizações de pacientes e Legislativo Federal?

Estratégias para os movimentos sociais fortalecerem a interlocução e...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!