Editorial O Globo: Bolsonaro reduz potencial da economia

O governo trouxe à tona de modo eloquente a incapacidade crônica do Brasil de enfrentar mazelas atávicas

Os analistas financeiros parecem enfim ter se dado conta de que o crescimento robusto que previam para o ano que vem pertence ao universo imaginário das fadas, unicórnios e sacis. Desde o início do ano, a média das previsões de alta no PIB de 2022 caiu de 2,5% para 1,72%. Os realistas dizem que será difícil crescer mais de 1% no ano eleitoral. Alguns temem até dois trimestres seguidos de queda, uma recessão técnica.

Há justificativas óbvias para a redução nas expectativas: inflação ressurgente e renitente, alta do dólar, crise hídrica ameaçando a geração de energia e a perspectiva política caótica que emperra qualquer agenda de reformas. Mas há razões menos óbvias, que merecem atenção. O governo Bolsonaro trouxe à tona de modo eloquente a incapacidade crônica do Brasil de enfrentar mazelas atávicas. Como afirmou o economista Persio Arida em entrevista ao jornal Valor Econômico, a “agenda autoritária e o desrespeito ao meio ambiente têm um custo muito maior do que imaginam”.

O efeito indesejado disso tudo é a contração nos investimentos. Não só, segundo Arida, as fábricas que saem do Brasil, mas sobretudo negócios que deixam de vir para cá. “O mundo está com taxas de juros baixíssimas, excesso de capitais, um volume enorme de recursos destináveis a infraestrutura e a políticas ambientais adequadas — que não se materializa no Brasil porque o Brasil é visto como um pária”, afirmou.

Num novo estudo, os economistas José Ronaldo de Castro Souza Júnior, do Ipea, e Fabio Giambiagi, do BNDES e colunista do GLOBO, traçam os cenários factíveis para o crescimento brasileiro nesta década. Confirmam a constatação de Arida: o estoque de capital brasileiro, formado pela capacidade produtiva mais investimentos, vem caindo desde 2016. Em vez de manter capacidade ociosa esperando a retomada, as empresas têm preferido fechar as portas. Daí derivam a persistência do desemprego e um potencial de crescimento necessariamente menor.

O crescimento é, grosso modo, produto de três fatores: capital, trabalho e produtividade. A força de trabalho crescerá menos nos próximos anos, em razão do envelhecimento da população. O estoque de capital é ameaçado pela incerteza a inibir empresários e investidores. Passaremos, portanto, a depender ainda mais de alta na produtividade, que pode resultar basicamente de inovações tecnológicas ou melhora no ambiente de negócios. Giambiagi e Souza Júnior estimam, levando tudo em conta, um potencial de crescimento abaixo de 2% até 2026 (0,92% em 2022), depois taxas mais altas, chegando a 3% em 2030. “No caso de avanço de um amplo conjunto das reformas já em 2021, a convergência para uma taxa de crescimento maior ocorreria mais rapidamente”, escrevem.

É essencial entender que o efeito das reformas não se restringe ao aspecto fiscal ou à confiança nas contas públicas. O importante, diz Arida, não é tanto o tamanho do gasto quanto o modo como o dinheiro é aplicado. Para ele, o desafio é promover uma reforma do Estado que traga governança eficaz a projetos e serviços do setor público. Também é preciso tornar o ambiente de negócios mais atraente ao capital que desistiu do Brasil. Nos dois pontos, andamos de modo trôpego. O governo Bolsonaro desperdiçou oportunidades e, como constatam Souza Júnior e Giambiagi, levaremos tempo para recuperar nosso potencial de crescimento. (O Globo – 16/09/2021)

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