Eu não gostaria que Lula fosse escolhido para vencer Bolsonaro nas eleições de 2022, mas o ex-presidente é um candidato natural
No meu mundo imaginário, o bolsonarismo seria vencido por um novo candidato. Melhor, uma candidata. Ela é atual, progressista, enérgica. Não é uma outsider.
Minha candidata vê na política o caminho verdadeiro para melhorar a vida das pessoas, respeitando o peso das instituições que ela pretende representar. Ela entende que o Brasil é um país duro, onde pessoas possuem oportunidades, liberdades e permissões diferentes dependendo da cor da sua pele, de sua orientação sexual ou da sua classe socioeconômica. Ela vê o Estado como um agente ativo em combater essas diferenças, para que as pessoas possam ter uma vida digna e sejam verdadeiramente livres.
Mas ela nunca se esquece de que escolhas de políticas públicas não podem ser feitas apenas com boa vontade, mas sim com evidência, tecnicalidade e, claro, política. Ela respeita a ciência. Ela respeita os ritos políticos. Minha candidata sabe que o orçamento público não é ilimitado e que essa restrição deve ser respeitada – e melhorada, para que seja menos regressiva, mais justa e mais eficiente. Ela fala abertamente que é a favor da escolha da mulher no que diz respeito ao seu corpo, ela acha contraproducente a guerra às drogas e entende que a legalização é o melhor caminho. Seu time de ministros e secretários é colorido. Mulheres, negros, comunidade LGBTs, homens, todos representados. Todos têm um lugar à mesa no desenho da reconstrução do País. O Brasil é feito por todos mesmo.
Essa minha candidata não existe. Ao menos, não como candidata. Na arena política brasileira hoje, existem dois candidatos para 2022: Bolsonaro e Lula. Bolsonaro é candidato desde que iniciou seu mandato em 2019, mesmo dizendo que não era. Lula é um político nato e fez campanha de forma ininterrupta, mesmo dentro da cadeia.
As pesquisas eleitorais recentes mostram que Lula pode vencer Bolsonaro. Huck também poderia, mas não é candidato. Eu não gostaria que Lula fosse o candidato a vencer Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022.
Esse meu desejo pouco tem a ver com a minha opinião sobre Lula. Lula é rejeitado hoje por 36% dos brasileiros, segundo pesquisa Datafolha da semana passada. 57% acham que Lula é culpado pelos crimes de que foi acusado e que estão ainda em julgamento, segundo pesquisa Datafolha de março deste ano. De que vale minha opinião sobre ele quando parcela significativa dos brasileiros não confia nele? Nada. Eu gostaria de que o vencedor do pleito contra o bolsonarismo, contra o obscurantismo e contra o ódio fosse um unificador dos brasileiros, não um divisor.
Apesar de achar isso, acho inócuo hoje direcionar o debate político no Brasil atacando Lula ou seus eleitores. Lula é um candidato natural. Sempre foi. E, muito importante, hoje é o único candidato, de fato.
O que não é natural é não existir ainda uma outra opção. Não precisaria ser aquela mulher incrível que eu descrevi parágrafos acima e que, infelizmente, não é candidata. Pode ser uma outra figura, que una os brasileiros na esperança de um País melhor com um verdadeiro projeto de governo.
Em 2018, o Brasil viu a repercussão da campanha negativa contra Bolsonaro. Foi o #EleNão. Perdeu-se ali uma oportunidade de focar no sim, independentemente de quem fossem os candidatos escolhidos pelas pessoas no primeiro turno. O foco no não deixou para trás a oportunidade para um sim. Acredito que isso tenha até mesmo fortalecido o próprio Bolsonaro, que cresce na negatividade e na violência. Vejo que estamos caminhando por um caminho parecido.
Penso que a obsessão de alguns em atacar a candidatura de Lula hoje acaba por retirar a responsabilidade de outros atores políticos que impulsionaram e ainda impulsionam o bolsonarismo, seja pelo apoio direto, seja pela incapacidade de gerar um candidato minimamente viável, que pudesse tocar o coração e a mente do povo brasileiro.
Recentemente, em uma conversa com um colega que apoia o governo Bolsonaro, ele me perguntou: “Laura, você não gosta do presidente porque ele é burro?” Apesar de achar engraçado que uma pessoa que admira Bolsonaro o considere burro, eu discordei, pois, de fato, acho o presidente inteligente. Burros somos nós. (O Estado de S. Paulo – 21/05/2021)
LAURA KARPUSKA É ECONOMISTA