Ao responder a Eliziane Gama, Nelson Teich diz que tragédia em Manaus poderia ter sido evitada com informação

O ex-ministro disse a Eliziane Gama que a postura negacionista de Bolsonaro pesou em sua decisão de deixar o Ministério da Saúde (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Em depoimento nesta quarta-feira (05) na CPI da Pandemia, o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, ao responder à pergunta da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) sobre o colapso de saúde em Manaus, disse que faltaram informações precisas e antecipadas da parte das autoridades de saúde sobre o que estava acontecendo na capital do Amazonas.

“Mais do que uma visita ao local, é necessário  ter dados, fazer um diagnóstico preciso para se antecipar [aos fatos], inclusive  se vai faltar oxigênio ou não. Sem isso, as chances de se antecipar aos fatos, evitar uma tragédia, são muito poucas. Isso foi o que aconteceu em Manaus”, afirmou.

O ex-ministro disse a Eliziane Gama que  a postura negacionista do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia também pesou em sua decisão de deixar o Ministério da Saúde em menos de um mês de gestão.

“A cloroquina foi o principal motivo, mas isso aí teve peso sim”, afirmou Teich à senadora.

Entrevistas coletivas

Nelson Teich negou ainda que tenha suspendido as coletivas de imprensa diárias que eram dadas na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.

“As informações continuaram acontecendo, mesmo com a mudança de formato das  coletivas, que ao meu ver estavam tendo um tom não técnico. Da minha parte, nunca houve cerceamento à informação”, justificou, ao responder questionado da senadora maranhense. (Assessoria da parlamentar)

Veja abaixo as perguntas de Eliziane Gama e as respostas do ex-ministro Nelson Teich na CPI da Pandemia.

Eliziane Gama: Ministro, eu queria iniciar com o senhor pelo que foi questionado, agora há pouco, tanto pelo Relator da Comissão, quanto pelo Vice-Presidente da Comissão, acerca da questão do uso da cloroquina. O senhor citou, por exemplo, uma reunião com empresários que se deu, depois teve uma live e, na sequência, V. Exa. fez o pedido de sua demissão. Nesse ínterim, Ministro, entre a reunião com a classe empresarial, que é o que me parece, seriam empresários da área farmacêutica… É isso?

Nelson Teich: Eu não sei dizer para a senhora. Na verdade, eu ouvi isso depois. Então, eu não sei dizer exatamente com quem foi a reunião. Isso eu ouvi na mídia, para te falar a verdade.

Eliziane Gama: Nesse ínterim, entre a reunião da classe empresarial e o seu pedido de demissão, o senhor teve alguma conversa anterior com o Presidente Bolsonaro? O senhor recebeu, por exemplo, algum tipo de pressão que levasse, nesse ínterim, ao seu pedido de demissão?

Nelson Teich: Não.

Eliziane Gama: Certo.
O senhor ficou muito pouco tempo no Ministério, algo aí em torno… Menos, na verdade, de 30 dias.

Nelson Teich: Hã-hã.

Eliziane Gama: E aí os colegas já fizeram as várias perguntas referentes às razões que o levaram a fazer o pedido de demissão. Eu diria ao senhor, eu estaria, por exemplo, falando errado ao dizer que o seu pedido de demissão se deu, além da questão da cloroquina, também pela posição negacionista do presidente Bolsonaro?

Nelson Teich: Objetivamente, não. Eu quero deixar bem claro: a minha saída foi porque eu não tinha autonomia para implementar aquilo que eu achava que era certo. Todas as coisas que levavam a esse conceito tiveram peso, mas, especificamente, a razão essencial foi que eu precisava de autonomia e precisava de liderança. Sem isso, eu não ia conseguir fazer o que eu tinha que fazer em termos de estratégia, ação, tudo. Então, essencialmente, foi isso. A cloroquina foi realmente pontual, mas existiam outras coisas que aconteceram que já foram colocadas, mas a minha saída essencialmente foi porque eu não teria a autonomia e a liderança para conduzir da forma que eu achava que devia.

Eliziane Gama: Certo.

Nós tivemos ontem, aqui, a presença do Ministro Mandetta, e ele falou acerca desse aconselhamento paralelo, parece que um governo paralelo, não é? O senhor disse agora que o senhor não teve o conhecimento. O senhor, inclusive, deixou claro que, talvez, teve conhecimento aqui, com essa informação ontem, do Mandetta, mas nós temos, na verdade, algumas fotografias de reuniões, com a presença, por exemplo, de um dos filhos do presidente da República que não integra o governo – seria um vereador.

O senhor chegou a participar de algumas das reuniões ministeriais com o governo, com a equipe do Governo, com a presença do filho do presidente da República?

Nelson Teich: As reuniões dos ministros, não. Eu tive algumas reuniões com o presidente, mas lembrar da presença de um deles na reunião eu não lembro, é difícil; tem um ano também, é difícil lembrar. Eu nunca me dirigi a eles, eu nunca conversei com eles, nunca discuti nada com eles. Se existia alguma… Eles podiam estar, em algum momento fisicamente ali, mas eles não tiveram nenhuma interferência em qualquer reunião que eu tivesse feito com o presidente.

Elizane Gama: O senhor não lembra ou o senhor afirma que não havia a presença de nenhum deles? É bom lembrar até porque a gente está aqui com o senhor na condição de testemunha. Não é isso? Só para confirmar, presidente.

Nelson Teich: Isso.

Randolfe Rodrigues: É o art. 203 do Código de Processo Penal.

Eliziane Gama: Exatamente!

Nelson Teich: Eu não lembro, eu não lembro.

Eliziane Gama: Então, o senhor não lembra?

Nelson Teich: Não.

Eliziane Gama: Ou seja, o senhor pode ter participado de reuniões com a presença dos filhos do presidente.

Nelson Teich: Se eles estavam na reunião, não foram pessoas que tiveram alguma participação ativa, senão eu lembraria.

Eliziane Gama: Certo.

Sr. Presidente, ou melhor, Sr. Ministro, acerca da questão das vacinas, o Randolfe fez uma pergunta agora há pouco. Lá atrás – o senhor esteve no ministério de abril a maio, esteve por pouco tempo ali –, já se começava, na verdade, o debate. O senhor faz referência aos laboratórios Janssen e Moderna. Mais na frente, nós tivemos um debate muito acirrado, inclusive de forma muito clara, colocando que o Presidente da República, o Governo brasileiro não teria levado adiante as tratativas que deveriam ser levadas para termos, por exemplo, acesso à vacina. A gente já poderia ter tido vacina no final do ano passado, e, portanto, hoje, haveria uma quantidade bem maior, não é?

O senhor, pelo pouco tempo que o senhor ali passou… Mas, lá atrás, o senhor já iniciou as conversas. Por exemplo, há uma fala sua em uma coletiva. O senhor disse o seguinte: “A gente está conversando com possíveis laboratórios que vão produzir vacina, para que a gente consiga garantir, caso surja, uma vacina, para que o Brasil tenha uma cota, uma parte”. O senhor sai em seguida, depois de terem iniciado essas tratativas.

Considerando a experiência que o senhor viveu e, ao mesmo tempo, o cenário em que nós chegamos à vacina, apenas agora no mês de janeiro para fevereiro, o senhor acha que a gente poderia ter agilizado mais? O Brasil poderia ter tido acesso mais rápido a essas vacinas?

Nelson Teich: Senadora, eu não tenho acesso ao que aconteceu no ministério depois que eu saí. Todas as informações que eu tenho são informações que eu vejo na mídia. Eu acho que uma opinião dessas, baseada em fatos da mídia, seria superficial. Eu acho que eu não tenho dado forte o bastante para opinar sobre isso.

Eliziane Gama: Certo.

Durante a sua rápida passagem pelo ministério, o senhor, na verdade, realizou algumas ações importantes, entre elas um plano de diretrizes para o distanciamento. Eu pergunto ao senhor: o senhor obteve algum tipo de engajamento do Presidente da República? Ao mesmo tempo, esse plano teve, além de algum engajamento dele, o engajamento, por exemplo, de alguns dos ministros, do Ministro da Economia, por exemplo? Qual era a posição deles em relação a esse plano? E, ao mesmo tempo, qual é a sua avaliação? Por que esse plano foi totalmente abandonado com a sua saída?

Nelson Teich: Bom, esse plano fazia parte – acho que esta é uma coisa importante de a gente colocar – de um programa para controlar o distanciamento, controlar a transmissão, perdão! O que é que acontece? Quando a gente olha, como eu falei, os países que tiveram sucesso, eles controlaram a transmissão. Então, esse projeto foi feito justamente para que a gente começasse uma discussão sobre estratégias de distanciamento. Uma coisa que eu deixei clara na época era que isso não era ou para começar a distanciar ou para sair do distanciamento; era um programa para a gente começar a entender melhor.

Eu até vou lhe explicar um pouco isso. Por exemplo, hoje, o que é que acontece? Hoje, os distanciamentos acontecem, normalmente, nos programas que a gente tem chamado de lockdown, quando a cidade fica em uma situação muito crítica. Então, você tem uma sobrecarga dos hospitais, você tem uma sobrecarga da UTI. E o que acontece na prática? A gente não tem aprendido, a gente não aprende com o que a gente está fazendo.
(Intervenção fora do microfone)
Então, o que acontece hoje? Hoje, o que é o ideal? O ideal é, quando você faz qualquer medida de distanciamento, que você tente entender qual é o impacto daquilo que você está fazendo. Vou dar um exemplo prático. Hoje às vezes a gente se bloqueia à noite, bloqueia o final de semana, mas você não sabe, por exemplo, o que acontece durante o dia. Eu vi o maior número que saiu na imprensa dizendo que 86% das pessoas não conseguem fazer home office, o que quer dizer que a maioria delas tem que interagir durante o dia, talvez indo para o trabalho. Então, se você não sabe exatamente o que está acontecendo, a sua implantação é mais uma medida, porque você não tem o que fazer, porque está no limite do que você realmente tem alguma coisa de estratégia.

Então, a ideia disso, de você ter testagem, de você ter um programa de distanciamento mais cientificamente trabalhado, o projeto era esse. E esse projeto que a gente começou no período em que eu fiquei é o que há até hoje no site do Conass e Conasems. Quem trabalhou muito à frente disso foi o Denizar Vianna, que na época era meu assessor. Então, o projeto, hoje, ainda existe; se eu não estou enganado, eu vi isso essa semana, no site do Conass e o Conasems, com algum ajuste. O Conass e o Conasams hoje ainda têm isso como referência.

Eliziane Gama: Muito bem.

Ministro, eu resgatei aqui também uma outra fala do senhor que diz o seguinte: “É fundamental estar na ponta, entender o que acontece no dia a dia, ver o que está sendo feito. Esse entendimento foi importante para desenho de ações implementadas em seguida. Cada cidade a que a gente vai e a gente está mais bem preparado para o desafio”.

Eu quero fazer uma pergunta sobre essa questão da ponta, especificamente sobre o caso de Manaus, em que nós tivemos a falta aí do oxigênio e infelizmente várias pessoas vieram à óbito com esse colapso na falta de oxigênio.

Se essa sua defesa tivesse sido colocada na prática. a gente evitaria, por exemplo, o que a gente vivenciou e acompanhou em relação a Amazonas?

Nelson Teich: Em relação a Amazonas, em relação ao que aconteceu, eu acho que o grande impacto é a informação, você pode visitar uma cidade onde vai fazer um diagnóstico e saber se vai faltar oxigênio ou não.

Eu tinha colocado cinco pontos e um dos pontos em que a gente ia começar uma discussão era justamente sobre informação. A falta de informação impede que você faça um diagnóstico do momento. E, quanto mais detalhada ela for, mais você consegue ver uma linha de tendência e antecipar uma coisa que vai evoluir, porque, ao fazer um diagnóstico daquilo que já está acontecendo, a chance de você mudar aquilo é muito pequena.

Então, o programa de informação é fundamental para que você consiga antecipar movimentos. Nesse caso, mais importante que uma visita no lugar é ter uma estrutura de informação em tempo real mais complexa. Isso que eu acho que faria grande diferença, porque você consegue antecipar.

Eliziane Gama: E, nessa mesma linha, Ministro, o Ministro Mandetta, por exemplo, que o antecedeu, dava entrevista, se não me falha a memória, diariamente, dava entrevista coletiva para a sociedade, dava os números, passava orientação, enfim. Já na sua gestão, a prática das entrevistas foi suplantada. E isto o senhor coloca muito bem: informação é fundamental para o enfrentamento de um caso que é novo, de um vírus que é novo; ninguém sabe o que é, qual o tipo de tratamento, qual o tipo de medicamento, principalmente no momento em que o senhor estava na gestão, em que nem sequer se vislumbrou a prática em relação à vacina vislumbre mais prático em relação à vacina tinha já naquele momento, tanto que a gente já teve em outros países do mundo já perto do final do ano.

Por que o senhor suspendeu as entrevistas?

Nelson Teich: Na verdade, elas não foram suspensas, aconteceram coletivas. Num primeiro momento…

Eliziane Gama: Não no mesmo ritmo.

Nelson Teich: Não no mesmo ritmo, mas elas aconteceram.

Num primeiro momento, como eu coloquei, primeiro eu queria entender o que estava acontecendo, queria entender melhor o ministério. As informações continuavam saindo diariamente, só que não em coletiva, mas elas existiam diariamente.

E, ali, a minha preocupação era, como eu falei… Eu achava que aquela… Mais do que passar os números, era tentar interpretar um pouco melhor, então, a ideia era tentar, vamos dizer assim, melhorar um pouco a comunicação até, por incrível que pareça, mas eu também não esperava sair em 30 dias.

Então, tem um período ali em que eu estava avaliando a melhor forma de conduzir, mas nunca houve um objetivo de reduzir a comunicação, nunca. Nunca, pelo contrário, eu sempre fui uma pessoa que defendeu a informação muito.

Então, reduziram, realmente, naquele período, mas nunca houve um objetivo de reduzir ou…

Renan Calheiros (Fora do microfone): Da sua parte.

Nelson Teich: É, da minha parte.

Eliziane Gama: É, mas foi feita alguma recomendação em relação à suspensão dessa temporalidade…

Nelson Teich: Não, senhora.

Eliziane Gama … da continuidade das…

Nelson Teich: Não, não.

Eliziane Gama… das coletivas?

Nelson Teich: Ali eu realmente estava tentando entender porque, querendo ou não, você… Era um momento muito difícil, muito complexo e eu tinha que minimamente entender o que estava acontecendo.

No espaço de uma semana, oito, nove dias, foi o tempo que eu precisava para minimamente começar a me comunicar com as pessoas.

Eliziane Gama: E para finalizar, Presidente Randolfe, nós tivemos… Eu queria fazer uma pergunta para o senhor de forma mais direta.

No seu Governo, havia ali a indicação do general Pazuello. O general Pazuello, ministro, foi imposto como uma condição?

Por que eu pergunto isso? Porque, na sequência, quando ele estava no ministério, ele falou uma frase ao lado do Presidente da República e disse: “Olha, manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Mais ou menos algo dessa natureza.

A presença dele no ministério… O senhor chegou – e aí é muito bom a gente lembrar –, quando o senhor foi colocado como Ministro da Saúde, houve uma expectativa nacional pelo seu perfil técnico, pela sua postura, pelo seu histórico.

E aí, depois, veio a colocação do secretário e o senhor saiu logo, quer dizer, o senhor não passou nem um mês no ministério, tudo muito rápido. A gente até ficou se questionando: “Meu Deus, o que de fato aconteceu?”.

O general Pazuello foi imposto? Foi colocado como condição? Porque depois ele falou exatamente essa frase, ou seja, ele estava dentro do perfil que, em tese, teria que ser feito, independentemente de questões da ciência ou avaliações técnicas.

Ele foi imposto?

Nelson Teich: A resposta bem objetiva é não.

Eliziane Gama: Ele foi imposto?

Nelson Teich: Se ele tivesse sido imposto, eu saia com uma semana em vez de um mês. Entendeu?

Eliziane Gama: Obrigada.

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