O sistema de controle parlamentar contem incentivos incompatíveis
A CPI da Covid tem suscitado debate sobre suas potencialidades e limitações e tem girado em torno da questão das minorias parlamentares. No entanto, os constrangimentos e possibilidades do controle parlamentar dependem da arquitetura institucional mais ampla dos países. Senão vejamos.
Nas democracias que adotam o chamado modelo de Westminster —Austrália, Reino Unido e África do Sul, entre outras—, as regras conferem grande poder às minorias parlamentares. A forma mais efetiva de controle está encapsulada em uma supercomissão —Public Accounts Committee, PAC (Comissão de Contas Públicas)—, espécie de CPI permanente.
A PAC detém amplos poderes investigativos e focaliza no uso do dinheiro público e na efetividade de programas públicos. Sua presidência cabe ao líder da oposição, que detém a prerrogativa de indicar o Comptroller and Auditor General (AG), que chefia o National Audit Office (NAO), além de aprovar seu plano de trabalho e coordenadores. É como se seu congênere brasileiro —o presidente do TCU— fosse nomeado pela oposição e detivesse amplos poderes.
Criam-se incentivos efetivos e compatíveis, portanto, para atividade de controle, porque apenas a oposição ganha potencialmente com a investigação, avaliação e controle do Executivo. O arranjo é consistente com o bipartidarismo engendrado pela regra eleitoral distrito uninominal: à oposição cabe não apenas os shadow cabinets (gabinete sombra), cuja atuação é fundamentalmente simbólica, mas o comando efetivo do monitoramento do governo.
Onde o controle ocorre sem arranjos que garantam poder à minoria parlamentar, a estrutura de incentivos milita na direção contrária. Atividades como CPIs ou impeachment convertem-se em exercícios inócuos. O caso recente mais estarrecedor foi o impeachment de Trump, que contou com todos os votos favoráveis da oposição e apenas um de um partidário do presidente.
A exceção ocorre quando há defecções totais ou “fogo amigo” no partido ou coalizão no poder. O fogo amigo ocorre quando atores individuais ou partidos procuram minar o poder de rivais em disputas intracoalizão, mantendo apoio ao governo.
No Brasil, há especificidades. Destaco duas: a primeira, a hiperfragmentação partidária potencializa a probabilidade de defecções. Há um grupo de partidos que se tornam “pivotais” por seu papel estratégico.
Eles facilmente podem transferir sua lealdade em função da popularidade do presidente para inflar o preço do seu apoio. A segunda são as instituições de controle. O resultado líquido irá depender de sua robustez e do impacto dos descalabros denunciados na opinião pública. (Folha de S. Paulo – 19/04/2021)
Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)