Além de mais mortes, a consequência do atraso na vacinação é a persistência da degradação econômica
Vamos ter mais 2 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 até junho, anunciou nesta quarta-feira (14) o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Em vez dos 13,5 milhões previstos, a Pfizer deve entregar 15,5 milhões, talvez 1 milhão ainda em abril, “fruto de uma ação direta do presidente da República, Jair Bolsonaro”, bajulou Queiroga.
É melhor do que nada. É muito pouco. É muito tarde. Não compensa os desastres recentes no cronograma federal, em geral fruto da negligência criminosa de Jair Bolsonaro (os números recentes do desastre estão mais adiante neste texto).
Era preciso acelerar o cronograma de oferta de doses mesmo antes da catástrofe fúnebre de março e abril. Agora, haverá menos vacinas e, na melhor das hipóteses, apenas perspectiva de que o morticínio comece a se estabilizar em 3 mil cadáveres por dia em meados deste mês, se é que estabilização haverá.
Ainda neste pico de mortandade, as restrições oficiais a movimentação de pessoas e a negócios estão sendo relaxadas. O número de internados em UTIs cai muito vagarosamente em São Paulo desde a semana passada, muito pouco para levar consigo o número de mortes, pois a doença agora é mais letal. Em vez de vermos algum efeito geral da vacinação no final de abril, teremos sorte de percebê-lo no final de maio.
Além de mais mortes, a consequência do atraso na vacinação com uma epidemia violenta é a persistência da degradação econômica. Ainda que as restrições a negócios sejam atenuadas, haverá algum medo de circular combinado à baixa de confiança de consumidores e empresários, dada a incerteza sobre a epidemia, 3 mil mortes e UTIs lotadas.
Pelos dados menos inconfiáveis, em abril haveria doses bastantes para imunizar apenas 22% da população vacinável (de 18 anos ou mais) e cerca de 45% dos grupos prioritários. Em maio, 34,5% e 70%, respectivamente. Apenas em junho seriam vacinadas todas as pessoas do grupo de risco (metade dos adultos).
Isto é, trata-se aqui de um número de vacinas suficientes para dar a primeira dose, guardando a metade para a segunda rodada de injeções. Pode ser que mais pessoas recebam a primeira dose, dada a mudança no esquema de vacinação (dar logo todas as doses disponíveis, sem reservar uma quantidade equivalente para a segunda rodada).
As doses extras do ministro não compensam os reveses do cronograma.
A China continua a atrasar a exportação de matéria prima (IFA) para o Butantan, que em abril vai entregar algo entre 4,5 milhões e 5,2 milhões de doses (previa entregar 9,8 milhões, pelo menos, até 15 milhões, na melhor das hipóteses, com algum adiantamento de IFA).
Não se sabe o que foi feito das importações de vacina pronta da AstraZeneca/Oxford, da Índia, 2 milhões de doses por mês que viriam em abril, maio e junho. Não se sabe quando virão as doses da Covax (em tese, viriam 9,1 milhões até junho, das quais chegou 1 milhão em março). Não haverá vacinas Sputnik (russa) e Covaxin (Índia) em abril, talvez nem em maio, que não foram aprovadas pela Anvisa.
A vacinação faz efeito. Em fevereiro, as mortes por Covid-19 entre pessoas de 90 anos ou mais eram cerca de 5,6% do total. Agora são 2,2% e o número absoluto de mortes se estabiliza nas últimas semanas. São dados de São Paulo até a semana encerrada no dia 14 de abril (os do Brasil são similares). No grupo das pessoas de 80 a 89 anos, a participação no total de mortes caiu de 19% para 13%. Ainda falta segunda dose para muito idoso, para não mencionar aqueles que nem tomaram a primeira. (Folha de S. Paulo – 15/04/2021)
Vinicius Torres Freire, jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)