Marcus André Melo: A ciência tem lado?

A politização da ciência desmorona face ao horror sanitário cotidiano

A pergunta que dá título à coluna aponta para um oximoro; afinal, a ideia de ciência está associada a imparcialidade, ceticismo, falsificabilidade. No limite, o teste derradeiro é o conhecimento aplicado e embutido nos objetos ao nosso redor; habitamos um mundo tecnológico em que as coisas “funcionam”. Mas a questão é mais complexa.

A refutação do conhecimento científico ao longo da história combinou-se com crenças religiosas; mas sua forma nova e mais insidiosa é a que assume que o conhecimento tem lado. É partidário.

Com a pandemia, a questão assume obviamente grande saliência, porque os cientistas se tornaram protagonistas importantes do debate público. Mas já se manifestava antes dela irromper. Cass Sunstein e co-autores discutem a questão em “Would You Go to a Republican Doctor”? (Você iria a um médico afiliado ao Partido Republicano?), em que reportam os achados de um experimento publicado na revista de neurociência Cognition, em 2019.

Os autores mostram que tomar conhecimento da filiação política de um neurocirurgião ou matemático, por exemplo, afeta a percepção sobre sua competência. É o chamado efeito halo, ou de “derramamento afetivo ou epistêmico”: o valor negativo atribuído a pessoas na dimensão política “transborda” para outras dimensões. Mas há evidências de que efeito similar ocorre não em relação a indivíduos, mas em relação aos cientistas como grupo social.

Pesquisas nos EUA mostram que a confiança na ciência declina em grupos republicanos há décadas e é levemente ascendente em setores liberais. Mais importante: Matthew Motta realizou experimento com painel de indivíduos antes e depois de uma manifestação de cientistas —a Marcha pela Ciência, em 2017, a favor de políticas contra as mudanças climáticas— e mostrou que a exposição ao evento gerou forte polarização: a atitude dos liberais em relação aos cientistas tornou-se ainda mais favorável, e a dos republicanos mais negativa.

A ação coletiva dos cientistas intensificou a politização da ciência; a visão de que a ciência tem lado.
A rejeição do conhecimento científico e o anti-intelectualismo têm longo pedigree em setores iliberais, à esquerda (da noção de “ciência burguesa” à revolução cultural) e à direita (da “ciência comunista” à conspiração global). Atualmente, a denúncia da tirania dos especialistas e tecnocratas integra o repertório dos atuais regimes populistas.

Assim, as expectativas de que em nosso país o debate público fundado em argumentos racionais possa levar a alguma forma de consenso parecem estar superestimadas: apenas a comoção pública frente ao horror sanitário parece ser capaz de produzir uma reação efetiva. (Folha de S. Paulo – 05/04/2021)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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