NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
Uma das características do presidente Jair Bolsonaro é a capacidade de surpreender os adversários e até os aliados quando acuado, como aconteceu na semana passada, em razão do agravamento da pandemia da covid-19 e das dificuldades de seu governo para conseguir as vacinas necessárias para imunizar a população. Depois de ser obrigado a substituir o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, o presidente da República teve de entregar a cabeça do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Entretanto, o que era para ser apenas uma concessão aos líderes do Congresso — especialmente aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) — e aos partidos do chamado Centrão, resultou numa reforma ministerial no âmbito do Palácio do Planalto, na qual Bolsonaro reforçou seu controle sobre as Forças Armadas, com o claro propósito de aumentar seu poder pessoal em relação aos demais Poderes, à oposição e à sociedade.
No jogo de xadrez, o gambito é uma manobra em que se oferece um peão para adquirir vantagem de posição, romper a posição central do adversário e/ou organizar um ataque mais rápido ou eficiente. Foi mais ou menos o que Bolsonaro fez na reforma ministerial, para se blindar institucionalmente contra os demais Poderes, temendo o próprio impeachment, o fantasma que assombra suas noites no Palácio da Alvorada. No caso das Forças Armadas, a substituição do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, pelo general Braga Neto, seu chefe da Casa Civil, provocou um striker no Alto Comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, com a renúncia/demissão (há controvérsias) de seus comandantes, precipitando um processo de renovação de lideranças das três Forças sem precedentes.
A razão seria o desalinhamento do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, em relação à política de Bolsonaro, mas o desfecho da operação revelou que seus colegas da Marinha, almirante de esquadra Ilques Batista, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Antônio Carlos Bermudez, sustentavam a mesma posição. Bolsonaro quer reforçar seu poder sobre as Forças Armadas.
Lista tríplice
O respeito absoluto das Forças Armadas à Constituição e o esforço permanente dos comandantes militares para manter a política fora dos quartéis contrariam Bolsonaro, que faz exatamente o contrário e se sente ameaçado pela oposição. Teme também os líderes do Centrão e avalia que não tem o apoio que gostaria das Forças Armadas. O vice-presidente Hamilton Mourão é tratado como um conspirador. Esses sentimentos estão exacerbados porque o cenário eleitoral ganha contornos desfavoráveis para sua reeleição, devido à pandemia e à recessão, ainda mais com uma eventual candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não examinou a liminar do ministro Edson Fachin que anulou as condenações de Lula. Bolsonaro esperava que os generais Fernando e Pujol tivessem criticado a liminar.
Bolsonaro criou mais uma crise do nada, desta vez nas Forças Armadas, pela forma truculenta e deselegante como o ministro da Defesa e os comandantes militares foram afastados. As regras do jogo nas promoções e escolhas de comando das Forças Armadas foram criadas nos governos Castelo Branco e Ernesto Geisel, para combater a anarquia militar e preservar a hierarquia. Bolsonaro tem um histórico de transgressão a essas regras, quando ainda era militar da ativa. Como político, por ironia da História, acabou eleito presidente da República com apoio dos militares, e os trouxe de volta ao poder, inclusive oficiais da ativa, o que desagradava os comandantes militares que deixam seus cargos. A sucessão nos comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, normalmente, ocorre mediante a indicação de uma lista tríplice elaborada pelos integrantes do Alto Comando de cada Força: sete almirantes de esquadra, 17 generais de exército e sete tenentes-brigadeiros. (Correio Braziliense – 31/03/2021)