MANCHETES DA CAPA
O Globo
Militares recusam adesão política, e Bolsonaro troca chefes das Forças
Congresso e Justiça rejeitam ‘aventura’
Com 3.668 votos, quadro é ‘extremamente crítico’
Ampliação de poder do Planalto não prospera
Guedes apela a políticos por Orçamento
MP desburocratiza ambiente de negócios do comércio exterior
Obitúrio/Contardo Calligaris – Olhar amplo sobre a existência
O Estado de S. Paulo
Comando das Forças Armadas é demitido por ordem de Bolsonaro
Brasil tem 3.668 mortes em 24h, novo recorde
Mortes de bebês por covid
Jerome Cadier – ‘O Brasil está entre os que mais sofrem com a crise’
BC libera pagamento pelo WhatsApp
Dívida e multa devem ser parceladas em SP
Folha de S. Paulo
Bolsonaro troca comando das Forças e abre maior crise militar desde 1977
Congresso quer ouvir envolvidos e vê momento grave
Polarização militar ocasionou tensão sem precedentes
Nova ministro se desgasta com colegas de farda
Entenda o que a Constituição diz sobre as Forças Armadas
Bolsa e real se valorizam com reforma, apesar de atrito no governo
Conflito por demissão de general em 1977 foi marco da ditadura
Curso gratuito da Folha sobre o período supera 137 mil inscrições
Equipe econômica ameaça debandar sem teto garantido
País bate recorde de mortes e média móvel novamente
Fome, desemprego e falta de moradia escancaram a miséria em SP
Morre aos 72 Contardo Calligaris, italiano que virou tradutor do Brasil
Colunista por 20 anos, exercitou o gosto pela palavra em 13 livros
Valor Econômico
Troca dos três comandantes gera alerta até entre aliados
Brasil sofre restrições de países vizinhos
Consumo deve cair aos níveis da recessão de 2015 e 2016
Ex-secretários do Tesouro fazem alerta sobre Orçamento ‘fictício’
Leilões da Cedae terão crédito de R$ 17 bi do BNDES
Biden anuncia investimentos e alta de impostos
EDITORIAIS
O Globo
Bolsonaro retoma seu rosto belicoso com reforma ministerial
A onda conspiratória que toma conta do bolsonarismo nas redes sociais oferece o caldo de cultura ao novo figurino do presidente.
A reforma ministerial anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro na segunda-feira surpreendeu quem esperava apenas uma troca no Itamaraty. Três ministros foram demitidos, três trocaram de cadeira, outros três assumiram postos pela primeira vez no gabinete. O movimento foi uma reação à influência crescente do Centrão sobre os destinos do governo, à ameaça do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de usar “remédios amargos” — leia-se “impeachment’ — caso Bolsonaro insista na gestão desastrosa da pandemia e à repentina ressurreição do nome de Lula como alternativa eleitoral viável para 2022.
O Bolsonaro que promoveu a reforma tenta deixar de ser o presidente acuado, afeito à acomodação, que temos visto nos últimos meses. No lugar do encolhimento, ressurge a disposição para o enfrentamento. O novo rosto belicoso de Bolsonaro fica claro nas trocas mais relevantes promovidas nos dois ministérios encarregados de lidar com a força e as armas da República: Defesa e Segurança Pública/Justiça.
Na primeira, a carta de demissão do general Fernando Azevedo e Silva não poderia ter sido mais clara a respeito da razão de sua saída: “Preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”. A intenção evidente de Bolsonaro ao substituí-lo pelo também general Walter Braga Netto é garantir a lealdade das três armas a seu projeto político.
A segunda troca é ainda mais sintomática. O nome que Bolsonaro pôs na Justiça, Anderson Torres, revela a intenção de resgatar a proximidade com as corporações policiais, recém-abalada. Delegado da Polícia Federal, próximo da família Bolsonaro e ligado à bancada da bala, Torres é um expoente na defesa da agenda armamentista do presidente, assim como do uso da Lei de Segurança Nacional (LSN) para enfrentar adversários políticos. Várias vezes desafiou o ex-ministro Sergio Moro quando suas decisões entravam em choque com essa agenda extremista, cujo objetivo implícito é formar milícias armadas leais a Bolsonaro.
A nomeação de Torres ocorre num contexto em que o bolsonarismo militante inflama policiais militares à insubordinação e à recusa em impor as medidas de restrição essenciais no combate ao novo coronavírus. No mesmo dia em que Bolsonaro anunciou a reforma, a deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) endossava um motim da PM baiana, em razão da morte trágica de um policial que gritava contra as restrições e disparava tiros no Farol da Barra.
A onda conspiratória que toma conta do bolsonarismo nas redes sociais oferece o caldo de cultura ao novo figurino do presidente. Para além das bravatas contra o “globalismo”, o “marxismo cultural” e outros fantasmas, para além da agenda identitária e de costumes dos conservadores religiosos, entra em cena uma tentativa de submeter as armas e a força da República aos desígnios de um projeto político. É um movimento preocupante, dadas as inclinações autoritárias de Bolsonaro. Mais do que nunca, as instituições e os demais Poderes precisam se manter vigilantes para preservar a saúde da nossa democracia.
O Estado de S. Paulo
Entre golpistas e velhacos
Nenhuma das trocas ministeriais visa a melhorar a administração. Prestaram-se somente a aplacar as neuroses do presidente e a saciar os apetites da família Bolsonaro, além da voracidade do Centrão
A anunciada substituição dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foi o desdobramento natural da resistência da cúpula das Forças Armadas à pretensão do presidente Jair Bolsonaro de aliciá-la para propósitos autoritários.
O comando militar vem agindo patrioticamente e em respeito à Constituição, que confere às Forças Armadas o papel de instituição de Estado, e não de governo, a despeito das inúmeras tentativas de Bolsonaro de transformá-las em guarda pretoriana.
Seria inaceitável humilhação, para a corporação militar, submeter-se aos caprichos desvairados de um ocupante temporário da Presidência. Já basta o papel vergonhoso desempenhado no Ministério da Saúde pelo general da ativa Eduardo Pazuello, que, como se fosse um recruta, se empenhou obedientemente em cumprir as ordens estapafúrdias de Bolsonaro.
A grave crise foi a culminação de uma reforma ministerial atabalhoada, que mostra um governo submetido ao mandonismo de um presidente que, inseguro sobre sua capacidade, se imagina cercado de inimigos por todos os lados. Ele só confia nos filhos e naqueles desqualificados que lhe prestam obsequiosa vassalagem.
Fernando Azevedo, por exemplo, foi demitido sumariamente do Ministério da Defesa porque, em suas palavras, preservou “as Forças Armadas como instituições de Estado” – algo inadmissível para Bolsonaro, que sempre se referiu ao Exército como “meu Exército”. Para seu lugar, Bolsonaro escolheu Walter Braga Netto, outro general da reserva, que estava na Casa Civil e é conhecido no meio militar como um disciplinado cumpridor de missões.
Assim como a mudança na Defesa, nenhuma das trocas ministeriais anunciadas nos últimos dias visa a melhorar a administração federal. Prestaram-se somente a aplacar as neuroses do presidente e a saciar os apetites da família Bolsonaro, além da voracidade do Centrão. Os novos ministros das Relações Exteriores, Carlos França – que nunca chefiou uma Embaixada –, e da Justiça, Anderson Torres – delegado da Polícia Federal –, têm como principal credencial a proximidade com os filhos do presidente. Já a nova ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL-DF), deputada de primeiro mandato, só foi colocada ali para ser despachante dos interesses do Centrão, dispensando-se intermediários.
Com exceção do extravagante diplomata que chefiava o Itamaraty e foi substituído por pressão de quase todo o Congresso, perderam o emprego no governo Bolsonaro justamente aqueles que, como o ex-ministro da Defesa, se recusaram a avalizar a truculência do presidente.
Foi o caso de José Levi, demitido da Advocacia-Geral da União porque se negou a assinar a ação que Bolsonaro encaminhou ao Supremo Tribunal Federal para questionar as medidas de distanciamento social adotadas por governadores de Estado contra a pandemia de covid-19. A atitude de Levi levou Bolsonaro a assinar ele mesmo a petição, o que foi considerado como “erro grosseiro” pelo ministro Marco Aurélio Mello ao rejeitar a ação no Supremo.
Levi foi substituído por André Mendonça, que estava no Ministério da Justiça e ali foi fidelíssimo cumpridor de ordens de Bolsonaro, a quem já chamou de “profeta”. Para o lugar de Mendonça, Bolsonaro escolheu um amigão de Flávio Bolsonaro. Fica tudo em família.
Muito se dirá sobre quem ganha mais com as mudanças, mas certamente só há um perdedor: o cidadão brasileiro, em nome de quem todos em Brasília dizem trabalhar. Enquanto Bolsonaro brinca de césar, o Centrão, senhor de fato do governo, patrocina um Orçamento criminoso, que ignora despesas obrigatórias como se não existissem e distribui dinheiro à farta para emendas parlamentares. Não por acaso, a presidente da Comissão Mista de Orçamento era justamente a deputada Flávia Arruda, apadrinhada do presidente da Câmara e prócer do Centrão, Arthur Lira, e que agora é a ministra encarregada da articulação política do governo – ou do Centrão, o que dá no mesmo.
Tudo isso em meio a uma pandemia que já matou mais de 300 mil pessoas e a uma gravíssima crise econômica. Parte de Brasília está entregue a golpistas delirantes e a velhacos. Está claro que os brasileiros só podem contar consigo mesmos.
Folha de S. Paulo
Dever cumprido
Cúpula militar que sai teve mérito de zelar pela Carta; que a nova faça o mesmo
A saída simultânea dos três comandantes das Forças Armadas denuncia, em seu ineditismo, um presidente da República que desconhece o papel da corporação militar em uma democracia.
Jair Bolsonaro, um capitão reformado de carreira reles no Exército, deseja endosso mais explícito da caserna a seu governo —foi o que motivou, como convergem os relatos disponíveis, a substituição do ministro da Defesa no rearranjo do primeiro escalão promovido na segunda-feira (29).
Trata-se, quando menos, de incentivar inadmissível politização dos quartéis, ideia que parece excitar Bolsonaro especialmente às vésperas do aniversário do golpe de 1964 e quando se sente tolhido ou pressionado por instituições e forças representativas da sociedade.
Tal pretensão abjeta não encontra eco no alto oficialato ativo do país. “Preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, manifestou-se em nota o general Fernando Azevedo e Silva, ao deixar a chefia do ministério. As palavras não estão lá por acaso.
O presidente se incomodava particularmente, conforme se noticia, com o comandante do Exército, Edson Leal Pujol, por declarações contrárias à intromissão de militares na política e favoráveis a medidas de distanciamento social na Força para evitar a Covid- 19. O agora ex-ministro permaneceu ao lado do comandante.
Se não dispõe de amparo a seus arroubos autoritários, Bolsonaro pretende exibir os militares como instrumento de intimidação.
Loteia o Executivo com fardados e dispensa tratamento orçamentário privilegiado à Defesa; acha-se no direito de chamar as tropas de “meu Exército” —que não ajudará a efetivar, segundo bravateia, medidas sanitárias de governadores.
Como se não bastasse, ele e seus seguidores se metem perigosamente em demandas de policiais civis e militares, em especial de escalões inferiores. Em exemplo recente e hediondo, a deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) defendeu um motim da PM baiana e chamou de herói um soldado que foi morto após atirar nos colegas.
A cúpula das Forças Armadas, felizmente, dá sinais de que compreende o dano sofrido com a associação ao governo Bolsonaro —e o fiasco do general Eduardo Pazuello na pasta da Saúde, que ameaça se transformar em ações na Justiça, é apenas o exemplo mais vistoso.
Com alguma habilidade, a crise militar pode se desfazer sem tensões adicionais. Azevedo, Pujol e os demais comandantes saem por seu acertos, e Jair Bolsonaro só revela fraqueza quando tenta mostrar força além da conferida e limitada pela Constituição.
Valor Econômico
Bolsonaro obtém a troca da cúpula das Forças Armadas
Presidente quer tornar as Forças Armadas cúmplices diretas de um governo que erra sistematicamente
Com pressões de todos os lados, o presidente da República, Jair Bolsonaro, fez uma fuga para a frente que pode colocá-lo mais perto do abismo em direção ao qual tem caminhado. A troca improvisada de seis ministros respondeu a uma conjuntura muito adversa ao presidente, ao qual ele reagiu demitindo o ministro da Defesa para obter a troca do comando das Forças Armadas – que conseguiu. Os motivos para isso tornam muito prováveis novos choques de Bolsonaro com as instituições da República.
O presidente esperava uma vida mais tranquila ao alinhar-se ao Centrão para evitar um impeachment, mas em poucos dias teve de ouvir uma ameaça nada velada sobre isso do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que ajudou a eleger. Dois de seus ministros, o general Eduardo Pazuello, um cumpridor de ordens, e Ernesto Araujo, um ideólogo do bolsonarismo, foram postos para fora do governo por pressão do Congresso. Araujo foi duramente criticado em audiência com senadores, que pediram que ele fizesse o que acabou fazendo: interromper a destruição do Itamaraty e ir para casa. O caso de Pazuello é mais grave porque envolve vidas perdidas na pandemia, porém tem um álibi verdadeiro: estava apenas cumprindo as ordens do presidente da República.
Em poucas semanas, a base parlamentar de Bolsonaro obrigou-o a alinhar-se com algumas das boas práticas de combate à covid-19 (o que faz a contragosto e nem sempre), a aceitar uma comissão de coordenação contra a pandemia que deveria ter criado desde o início, e a livrar-se de um chanceler de sua predileção e da família.
Arthur Lira é hiperativo, como Eduardo Cunha, e aprendeu algo com ele. Cunha comandou a rebelião dos deputados contra Dilma Rousseff, que perdeu popularidade e o cargo. Dilma resistiu e tinha apoio partidário firme, mas insuficiente. Bolsonaro, que não tem partidos atrás de si, depende só de barganhas com o Centrão, cujo preço, ficou logo claro, é bastante alto, e cuja fidelidade pode ser transitória. Ainda assim, antes de engolir o despejo de dois ministros, viu manobras na votação do orçamento que podem levá-lo a ser acusado de crime de responsabilidade. Esses são feitos dos aliados, não da oposição.
Para os líderes do Centrão, interessam governos com um mínimo de funcionalidade para que siga o “business as usual”. A votação da peça orçamentária mostrou a predileção conhecida dos partidos do Centrão: investimentos públicos, obras, intermediação. De um só golpe sumiram despesas obrigatórias, apareceram investimentos e quase R$ 50 bilhões em emendas parlamentares. O chamado à sensatez dos líderes do Congresso dirigido a Bolsonaro, que espalha o caos e a divisão, não prescindiram de ameaças e avanços sobre fatias do poder.
Nas mudanças ministeriais de ontem, o Centrão pulou para dentro do Palácio do Planalto, com a indicação da deputada de primeira viagem Flávia Arruda (PL-DF) diretamente para a Secretaria de Governo, encarregada da negociação política com o Congresso. É bizarro o governo terceirizar de vez a articulação política, mas essa é uma tarefa que Bolsonaro sempre desprezou.
O presidente está sendo emparedado por seus aliados, que sabem de sua fraqueza política e de sua inoperância em uma conjuntura infernal. Amuado, Bolsonaro moveu peças que não lhe dão maior poder político do que possuía antes, com exceção de uma – o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Os motivos da demissão não foram mencionados, mas sabe-se de alguns. O presidente não simpatiza com o institucionalismo defendido pelo comandante do Exército, Edson Pujol, e não gostou de uma entrevista de um general que mostrou que a caserna leva a pandemia a sério e faz tudo que os protocolos médicos recomendam.
Desde que tomou posse até hoje, Bolsonaro ameaçou o Brasil com a intervenção militar, sob olhares complacentes do ministro da Defesa, que chegou a acompanhar o presidente em helicóptero que sobrevoou manifestações contra o Congresso e o STF. Por fim demitiu-o. Azevedo, em nota, disse que preservou “as Forças Armadas como instituições de Estado”. Sua demissão e a substituição da cúpula militar indicam que o presidente quer torná-las cúmplices diretas de um governo que erra sistematicamente em quase todas as frentes e até mesmo de futuros ataques à democracia. Se isto ocorrer, o Centrão pode se tornar descartável e o jogo político, com uma base militar de apoio, muito pior.