Vera Magalhães: Fogo no parquinho

Jair Bolsonaro achou por bem fazer do Itamaraty e da política externa brasileira um playground ideológico do que há de pior no olavismo. O problema é que agora assiste ao parquinho pegar fogo sem muita margem de ação.

O Senado Federal demitiu o chanceler Ernesto Araújo do posto na última quarta-feira. Ele segue no cargo, enquanto o presidente decide para onde despachá-lo e tenta uma engenharia para substituí-lo que não implique total derrocada da brinquedoteca que montou ali para o filho Eduardo Bolsonaro.

Pior: graças à molecagem de outro dos templários que levou para uma área tão nobre e importante do governo, o olavete Filipe G. Martins, o capitão se vê na situação de ter de entregar de uma só vez a cabeça de dois dos responsáveis pelo parquinho, o que significaria a perda de ingerência do filho nas Relações Exteriores.

Martins achou por bem fazer um gesto com duas possíveis conotações negativas, uma obscena e outra associada ao supremacismo branco, durante a audiência em que Araújo era demolido pelos senadores de todos os partidos. Fez isso estando postado atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que estivera naquela manhã no Planalto para tentar dar um verniz de ação e união ao desastre de Bolsonaro na condução da pandemia.

De certo modo, é bem feito: os senadores foram avisados de que não há composição e diálogo possíveis com o bolsonarismo e foram forçados a entender isso da forma mais vexatória.

Agora, diante da tragédia da arguição de Araújo na reunião matinal do Planalto, quando gaguejou quando cobrado por Arthur Lira, e depois na audiência do Senado, Bolsonaro quer encontrar para ele um destino aceitável (não há nada honroso nesses arranjos do presidente para arrumar sinecuras a aliados incapazes que caem em desgraça).

O Senado topa despachar o chanceler para qualquer lugar, desde que o país o aceite, para vê-lo fora do Itamaraty. Ouvi essa mesma conclusão de três senadores ontem e apurei que isso vem sendo negociado por aqueles mais enfronhados na questão, como a senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores, que na semana passada já fez uma intervenção branca na área do olavista para negociar vacinas diretamente com outros países.

Outro problema é: quem nomear no lugar de Araújo? Os senadores querem um deles no posto. Falam em Antonio Anastasia (PSD-MG), que tem chance zero de emplacar junto aos Bolsonaros pai e filho.

O arranjo que mais convém à família é trocar Araújo por Nestor Forster, atual embaixador em Washington, também um discípulo das ideias olavistas, mas sem o aspecto cômico e sem o hábito de explicitá-las em discursos incompreensíveis, textos idem e tuítes desmentidos por ministros do Supremo.

Eduardo trabalha para preservar ao menos uma das suas peças no arranjo da política externa, evitando a demissão simultânea de Araújo e Martins. E, se possível, mantendo os dois.

Acontece que, a cada dia mais, Bolsonaro é refém do Centrão. Deixou isso claro ao, apavorado, chamar Arthur Lira ao Alvorada logo cedo nesta quinta-feira para afagá-lo depois de ser ameaçado com um processo de impeachment se não mudar seu governo desgovernado.

Já é conhecido o método bolsonarista de jogar aliados ao mar quando eles deixam de servir a seu propósito diversionista, de implementação de ideologia barata no lugar de políticas públicas e de desmonte do arcabouço institucional e democrático construído em sucessivos governos desde a redemocratização.

Não é de agora que é uma vergonha a política externa praticada por Araújo. Mas só agora ficou explícito o caráter de pária global que o Brasil adquiriu graças a essas figuras. (O Globo – 26/03/2021)

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