Enquanto as instituições não acabam com essa matança deliberada resta à sociedade civil agir
Populismo pandêmico mata. Em breve chegaremos a 300 mil mortes por Covid-19 –número que sabemos ser subestimado. Os responsáveis por essa tragédia humana precisam ser investigados e punidos agora. Com a cooptação de boa parte do Congresso Nacional pelo presidente da República, o que nos resta por hora é exigir que o presidente do Senado instale a CPI da Pandemia já. Não há como esperar, não há como não gritar. Ele precisa nos ouvir.
Para quem ainda não se deu conta da relação direta entre as ameaças à democracia e a crise sanitária, o segundo colapso do sistema de saúde iniciado em Manaus em janeiro ilustra perfeitamente. A disseminação de informações falsas, o fomento e a incitação da população contra prefeitos e governadores que tentam implementar tardiamente medidas de isolamento social, o incentivo a tratamentos sem respaldo científico e a desinformação sobre as vacinas, já vinham minando a democracia. Passaram também a ter impacto na superlotação de hospitais, na falta de oxigênio e no aumento de mortes.
Dias antes da falta de oxigênio em Manaus, bolsonaristas comemoraram o fim do lockdown na cidade. A deputada federal Bia Kicis – prestes a assumir a presidência da comissão mais importante do Câmara de Deputados, a CCJ – publicou que “a pressão do povo funcionou também em Manaus”. Osmar Terra afirmou que a imprensa era “alarmista” e Eduardo Bolsonaro complementou a celebração “Primeiro Búzios e agora Manaus. Todo poder emana do povo”.
O ministro da Saúde foi avisado sobre a escassez de oxigênio pelo governo do Amazonas e pela empresa que fornece o produto, mas demorou para agir. Preferiu enviar a médica Mayra Pinheiro, principal nome do Ministério da Saúde por trás das recomendações de remédios sem eficácia, para liderar esforços em Manaus, dizendo ser “inadmissível” não usar cloroquina contra a Covid-19. Enquanto as pessoas morriam asfixiadas nas filas dos hospitais, Bolsonaro insistia que “não é atribuição do governo levar oxigênio para o Amazonas” e afirmava que “fomos além do que somos obrigados a fazer”.
Enquanto isso, o caos de Manaus se espalhava pela região Norte. A Covid-19 se alastrava pelos povos indígenas, levada por missionários e pelas invasões ilegais de garimpeiros e grileiros. Desde o colapso de janeiro, centenas de pacientes foram transferidos de Manaus para cidades de outros estados, sem as devidas precauções. Hoje a variante do vírus de Manaus que está espalhada pelo Brasil, contribuiu para o colapso do sistema de saúde de diversos estados e pode ainda tornar a vacina ineficaz e resultar em uma nova onda de infecção.
A negligência, a incompetência, a irresponsabilidade e a ação sistemática de boicote às medidas protetivas, além da opção por não comprar vacinas ofertadas ao país, fazem potencialmente do presidente da República e do governo federal os responsáveis diretos pelas milhares de mortes que se acumulam todos os dias. Os impactos não são somente no Brasil. O país hoje é uma ameaça à saúde global e tem sua imagem cada vez mais deteriorada em diversas partes do planeta.
Os dados indicam que estamos vivendo o pior momento da pandemia, mas o presidente, seus filhos e súditos leais seguem minimizando a pandemia e sabotando medidas de saúde para evitar a disseminação da Covid-19 que os estados tentam implementar.
Enquanto as instituições da República não resolvem acabar de vez com essa matança deliberada de brasileiros e brasileiras, resta a nós, enquanto representantes da sociedade civil, agir. Além de defender as medidas de isolamento, o uso de máscaras e cobrar a ampliação da vacinação e a proteção do nosso espaço cívico e da democracia, vamos nos juntar a campanha CPI da Pandemia Já! (Folha de S. Paulo – 10/03/2021)
Ilona Szabó de Carvalho, empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”