William Waack: Crianças à solta

Vamos simplificar as questões de política externa do governo Jair Bolsonaro. Supunha-se que os adultos – militares com formação acadêmica e experiência direta de conflitos internacionais – fossem supervisionar as crianças. Aconteceu o contrário. As crianças é que emparedaram os adultos.

Em alguma medida, é uma repetição do que aconteceu na Casa Branca, onde gente de excelente formação profissional nas áreas de segurança, estratégia e relações internacionais foi chutada por um inepto como Donald Trump, que Bolsonaro escolheu emular. No Brasil, os órgãos de assessoramento da Presidência da República e o próprio Itamaraty acabaram sendo subordinados à profunda ignorância em matéria de relações internacionais de um filho do presidente e suas preferências pessoais.

Os resultados negativos se acumulam. Com o resultado das eleições americanas, o Brasil conseguiu a proeza de se estranhar ao mesmo tempo com as duas principais potências do planeta, pois já se dedicava em provocar a China. Como 11 em 10 analistas de relações internacionais assinalaram, o campo da política externa é, por definição, o campo da impessoalidade, e o alinhamento automático de Bolsonaro ao perdedor Trump é um erro crasso não importa o mérito, postura ideológica ou intenções de qualquer um dos dois.

O mesmo vale em relação à China e à Índia. Somadas, essas duas gigantescas potências asiáticas têm mais ou menos uns 8 mil anos de experiência em política externa e conflitos geopolíticos de enorme amplitude. O Brasil desdenhou da Índia na Organização Mundial do Comércio, e tomou o troco ao ser jogado para o final da fila dos países para os quais os indianos estão exportando vacinas e insumos.

No caso da briga dos elefantes (China contra Estados Unidos) o Brasil desperdiçou a oportunidade que a geografia lhe dá de tratar a ambos com distanciamento e equilíbrio. Ao contrário, preferiu cutucar os chineses da forma infantil característica de amadores que acham que entendem de política externa, como acontece na assessoria internacional de Bolsonaro, ou confundem a repetição de lemas de movimentos de extrema-direita (contra a China, por exemplo) como afirmação de postulados nacionalistas.

Cego aos dados da realidade, Bolsonaro ainda não demonstrou ter compreendido a natureza das várias rasteiras internacionais que tomou nas últimas semanas, e o impacto que essas fragorosas derrotas – como o chute eleitoral levado por Trump e a recusa da Índia e China na questão das vacinas em nos atender nos prazos que pretendíamos – acarreta na posição política interna de um presidente que só pensa em reeleição.

O tamanho dos reveses exigiria de Bolsonaro uma rápida e nítida correção de rumo. Sim, estaria admitindo ter cometido erros grosseiros – por escolhas, repita-se, pessoais – mas dado os trunfos que o Brasil ainda dispõe (Amazônia e produção de alimentos) conseguiria se reposicionar no cenário internacional. Um passo desses, porém, pressupõe dois fatores que não se vislumbra no momento.

O primeiro é Bolsonaro entender que na raiz das derrotas que Trump sofreu está o desprezo e a negligência em relação aos “staffs” profissionais treinados para tratar de complexas questões internacionais e suas implicações para os interesses do País. Ao se apegar ao que seu filho e amigos acham que é a política internacional, e relegar a terceiro plano a burocracia meritória do Itamaraty, por exemplo, o presidente apenas reitera uma conduta evidentemente errada.

O segundo fator que não se vislumbra está ligado à postura daqueles adultos – militares formados em academia de ótimo nível – que não foram capazes de entender que calar-se para os grotescos erros de política externa, apegados a princípios como lealdade ou hierarquia, compromete as instituições (Forças Armadas, por exemplo) às quais pertencem e, no final das contas, os torna cúmplices no estrago na defesa de interesses da Nação.

Em lugar nenhum eles aprenderam que o Brasil deveria ser um pária internacional. A posição na qual chegamos. (O Estado de S. Paulo – 21/01/2021)

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