MANCHETES DA CAPA
O Globo
Início da vacinação tem incerteza sobre doses
Bolsonaro tanta reagir a derrota política
Um ato simbólico aos pés do Cristo
Pazuello agora diz que nunca defendeu uso de medicamentos
Com pandemia, setor de saúde vive onda de fusões e aquisições
No ano do coronavírus, economia chinesa cresce 2,3%
Sem imunidade, Trump pode virar réu em dez acusações
O Estado de S. Paulo
Falta de insumos pode parar programa de vacinação no País
Famílias improvisam UTI em casa no Amazonas
Para Bolsonaro, militares decidem se há ou não ditadura
Guedes aposta em Lira para obter nova CPMF
FBI investiga agentes da Guarda Nacional
Folha de S. Paulo
Vacinação fica sob ameaça por falta de insumo da China
Militar decide se povo viverá na democracia, diz Bolsonaro
Presidente cai em popularidade digital após vacina
Opositores intensificam ação pró-impeachment
Logística do governo federal falha, e imunização atrasa nos estados
Chefe do BB fica no cargo e mantém reestruturação
País tenta mostrar força na Amazônia diante de Biden
STF rebate presidente e afirma que não vetou atuação do governo
Pazuello admite ter sido avisado sobre oxigênio em Manaus no dia 8
Guia que orienta uso da cloroquina contra Covid contradiz ministro
Denúncia cita R$ 1 milhão entregue a irmão de Baleia
Hélène Landemore – Em vez de gestor, é preciso ter político nas corporações
Publicitário Alex Periscinoto morre de Covid aos 95
Vacinados fora de SP relatam emoção e ansiedade
Trump suspende restrição de viagem do Brasil
Valor Econômico
Falta de insumo da China trava produção de vacina
Empresários estão mais pessimistas
Pandemia e apoio à economia são desafios de Biden
OMS diz que indústria ignora nações pobres
Sem mágica
MRS está perto de renovar concessão
Sputnik V feita no Brasil pode ir para Argentina
Setor reclama de perdas, apesar de alta da gasolina
Lideranças criam pontes com os EUA
EDITORIAIS
O Globo
Com Biden, não dá para Ernesto ficar no Itamaraty
Só uma diplomacia profissional conseguirá fazer a aproximação necessária com a Casa Branca
O apoio do presidente Jair Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo às barbaridades de Donald Trump — que sofreu impeachment por ter insuflado as hordas violentas que invadiram o Capitólio — cobrará um preço altíssimo na relação entre Brasil e Estados Unidos. Repetir as mentiras de Trump sobre fraudes nas eleições americana e deixar de condenar a tomada de assalto do Congresso em Washington elevam a níveis perigosos as dificuldades que o Brasil terá com o governo do novo presidente Joe Biden, que toma posse amanhã.
Nunca fez tanta falta uma diplomacia profissional no Itamaraty, há dois anos entregue a um diplomata profundamente limitado, cuja qualidade mais notável é ser um seguidor fiel das idiossincrasias ideológicas do chefe. Pois, enquanto as chancelarias de vários países repudiavam a barbárie, Araújo dizia que havia “cidadãos de bem” entre os vândalos. Foi quase um bis do comentário escabroso de Trump sobre o ataque de supremacistas brancos e neonazistas em Charlottesville, na Virgínia. Trump viu gente de bem “de ambos os lados”, depois foi pressionado a se corrigir. Em Brasília, a diatribe de Araújo passou incólume, afinal ele apenas serviu de ventríloquo do presidente.
A Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB) divulgou nota para registrar que não se confundem com os direitos à liberdade de expressão as “tentativas de subversão da vontade do eleitor, por meio da violência e da destruição do patrimônio público”, ocorridas em Washington. De forma cuidadosa, a ADB falou em nome de diplomatas amordaçados no Itamaraty.
Aposentado, sem risco de quebrar a hierarquia, o embaixador e ex-chanceler Rubens Ricupero entendeu a nota como resultado de um movimento interno de repúdio a Araújo por parte de profissionais que entendem haver prejuízo ao relacionamento com os Estados Unidos caso ele continue no cargo.
A troca de Araújo por alguém de perfil profissional é o indicado para gerenciar um enorme contencioso que apenas espera que Biden assuma. Basta dizer que um dos projetos estratégicos do novo governo é investir pesadamente em energia limpa e renovável. Assunto que se relaciona com o clima e se desdobra em preocupações com a Amazônia sob o governo Bolsonaro, já motivo de rusgas entre o presidente eleito americano e o brasileiro. Os EUA de Biden serão, sem exagero nenhum, o oposto do Brasil de Bolsonaro.
Biden ainda era candidato quando criticou o descaso do Brasil com a Amazônia num debate com Trump. Bolsonaro reagiu com uma bravata ridícula, ameaçando trocar a “saliva” da diplomacia pela “pólvora”. Apostou na vitória de seu inspirador americano. Perdeu — e foi quase o último a reconhecer a vitória de Biden nas urnas.
Agora precisa de uma estratégia para construir um relacionamento minimamente razoável com o segundo maior parceiro comercial do Brasil, sem depender de Trump (de quem jamais conseguiu qualquer tratamento especial). Já não é nada fácil, mas certamente será menos difícil sem os desvarios de Araújo a turvar o ambiente.
O Estado de S. Paulo
Apesar de tudo, a vacina
O Brasil deve ser o único país onde o início da vacinação representou uma derrota política para o presidente.
O Brasil deve ser o único país do mundo onde o início da vacinação da população contra a covid-19 representou uma derrota política para o presidente da República. Foi assim porque Jair Bolsonaro em nenhum momento trabalhou com seriedade para conseguir um imunizante para os brasileiros. Ao contrário. Do alto do cargo que ocupa, fez o que podia e o que não podia para sabotar os esforços dos que lutaram incansavelmente para viabilizar a única solução para uma tragédia que já matou mais de 210 mil pessoas no País e levou milhões ao desemprego e à extrema pobreza.
Apesar das forças contrárias, da negação da realidade e de uma sórdida campanha de desinformação, prevaleceram a ciência, a boa governança e o espírito público dos agentes de Estado. E a Nação assistiu, enfim, ao início da tão ansiada campanha de vacinação.
Dois fatores foram decisivos para que na tarde de domingo passado a enfermeira Mônica Calazans, que trabalha na UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na capital paulista, se tornasse a primeira brasileira a ser vacinada contra o novo coronavírus, evento que permitiu a seus concidadãos dar um suspiro de alívio e a esperança de que, embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido, ao menos agora se vislumbra o fim deste pesadelo.
O primeiro fator foi o empenho do governo do Estado de São Paulo em firmar parceria com o Instituto Butantan e uma empresa farmacêutica internacional, a Sinovac Life Science, da China. Em meados de junho do ano passado, o governador João Doria anunciou o acordo com o laboratório chinês. A partir de então, organizou-se um minucioso processo para que a Coronavac fosse testada no Brasil e, uma vez aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pudesse ser produzida aqui pelo Butantan. Ato contínuo, teve início a campanha de Bolsonaro contra o que chamou de “vacina chinesa do Doria”. Em outubro de 2020, convém lembrar, o presidente chegou a afirmar que o Ministério da Saúde “não compraria a vacina”.
Igualmente determinante para o início da vacinação sem mais delongas foi a postura técnica e republicana dos servidores da Anvisa, que não se dobraram a pressões de natureza política, como se temia, e pautaram sua decisão por critérios rigorosamente científicos. Foi o que se viu durante a minuciosa apresentação da análise da Coronavac e da vacina da Universidade de Oxford e do laboratório AstraZeneca, que será produzida pela Fiocruz.
A Anvisa foi além e negou veementemente a existência de um “tratamento precoce” contra a covid-19, ao contrário do que o presidente e o Ministério da Saúde preconizam aos quatro ventos. Só as vacinas hão de pôr fim às aflições dos brasileiros, afirmou a agência.
Se pressão houve, foi a do tempo. Em apenas nove dias, os técnicos da Anvisa se debruçaram sobre centenas de documentos sobre ambos os imunizantes, concluindo que, em que pesem algumas pendências de dados a serem sanadas pelos laboratórios nas próximas semanas, os benefícios da aplicação imediata das vacinas superam muito os riscos. A transparência da reunião deu ao País a segurança de que nada parece ter escapado ao olhar rigoroso dos técnicos da Anvisa. Melhor assim.
Um importantíssimo passo foi dado com o início da vacinação dos grupos prioritários em São Paulo, primeiramente, e em outros Estados. Mas não se pode perder de vista que o País ainda não tem a quantidade de doses suficiente para vacinar toda a população-alvo, qual seja, os maiores de 18 anos. Cabe ao Ministério da Saúde fazer o que lhe compete e organizar um plano nacional de vacinação digno do nome. Urge garantir os estoques de vacinas e insumos acessórios para que todos os brasileiros que devem ser imunizados o sejam o quanto antes. Apenas com a Coronavac não se atingirá a cobertura vacinal apta a garantir a imunidade necessária para frear o espalhamento do vírus.
Folha de S. Paulo
Sequelas do atraso
País se depara com obstáculos e dúvidas sobre velocidade do plano de vacinação
À lufada de júbilo que tomou o Brasil, com o início tardio da vacinação contra Covid, sobrevém um choque de realidade em que será preciso superar sequelas do fiasco federal na pandemia. Isso se Jair Bolsonaro e seu inepto ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, nada mais fizeram de errado.
Mesmo depois da derrota humilhante na cruzada contra a Coronavac, o presidente continua espalhando desconfiança sobre o produto que, afinal, viu-se obrigado a comprar. Esse, entretanto, constitui o menor dos problemas que o Programa Nacional de Imunização terá de resolver.
O efeito adverso mais grave da incompetência do Planalto é a incerteza quanto à regularidade do suprimento de vacinas. Ao apostar num único produto, a Covishield da AstraZeneca e da Universidade de Oxford, o governo federal ficou refém de um fornecedor que agora regateia entregas contratadas.
A Fiocruz, parceira de Oxford encarregada de envasar e depois fabricar o imunizante por aqui, ainda não ativou a produção. A partida inicial do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) para fracionar 1 milhão de doses no Brasil deveria ter chegado do exterior no final de 2020, mas isso não ocorreu.
Tal atraso desencadeou a patética ofensiva de Pazuello para importar 2 milhões de doses da Índia. O ministro general fracassou, como em quase todas as missões na pasta. Ainda dá por certo o desembarque de 50 milhões de unidades até abril, metade do volume contratado, mas o retrospecto manda desconfiar de suas projeções.
O Instituto Butantan, que se associou à Sinovac para produzir a Coronavac no Brasil, enfrenta dificuldades similares. Os 6 milhões de doses ora autorizados para uso emergencial já se encontram em território nacional, assim como insumos para outros 4,8 milhões de unidades até o fim deste mês, mas depois disso nada está garantido.
A Sinovac tem compromisso com a entrega de 46 milhões de doses até abril. No entanto está parado em Pequim um carregamento de IFA para 18,3 milhões de injeções. Teme-se que o governo chinês crie obstáculos, assim como na Índia ou mesmo em retaliação pelos ataques do clã Bolsonaro, para liberar o produto estratégico.
A China fornece 35% dos insumos farmacêuticos utilizados no Brasil, e a Índia, outros 37%. Os dois países mais populosos do mundo podem bem decidir, pois, que têm prioridade na vacinação.
Só estão em solo brasileiro vacinas para dar duas doses a 5,4 milhões de pessoas. Com sorte, menos incúria e mais diplomacia, até abril seria factível obter o suficiente para proteger menos de um quarto da população —isso se não faltarem seringas, se a Saúde não ficar de novo sem ministro e se a logística de Pazuello enfim funcionar.
Valor Econômico
Após aprovação da Anvisa, vacinação precisa deslanchar
A disponibilidade de vacina está muito aquém do necessário
O Brasil, finalmente, tem vacinas. Pela conduta destrutiva do presidente Jair Bolsonaro, é possível que tenham chegado tarde e em número muito menor do que as desesperadamente necessárias. O governo está despreparado para realizar a enorme e complexa operação de distribuir os imunizantes e convencer toda a população de sua segurança e eficácia, mas por vontade própria. Sempre duvidou delas, como também da própria gravidade da pandemia de coronavírus, que já matou 209 mil brasileiros e levou ao caos, marcado por cenas desesperadoras, de contagiados perdendo a vida, asfixiados por falta de oxigênio. Ao descaso do governo central, no caso, aliou-se a incompetência e despreparo dos comandos estaduais e municipais.
Em reunião extraordinária no domingo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial das vacinas Coronavac, produzida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, e a Oxford/ AstraZeneca, que deverá ser fabricada pela Fiocruz a partir de fevereiro. Apesar do conteúdo eminentemente técnico, a reunião de mais de quatro horas da Anvisa foi marcada pelo profissionalismo, competência e transparência, que culminou em boas decisões e no mapeamento das interrogações que ainda cercam as duas vacinas que agora estarão disponíveis no país.
Os argumentos para a liberação são incontroversos. A tecnologia utilizada pela Sinovac e Oxford/AstraZeneca é conhecida e já foi utilizada em outros imunizantes – são seguras e dentro dos limites divulgados, eficazes. Depois, os contágios se aceleraram e, ponto igualmente importante, não há alternativas a elas. A Anvisa, elegantemente, despachou para a área do curandeirismo os tratamentos preventivos propagandeados pelo governo Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, com base em cloroquina, ivermectina e outros. Mesmo com as vacinas em campo, distanciamento social, uso de máscaras e rigorosa e constante higienização continuarão sendo vitais, caso se queira vencer o coronavírus, alertou a Anvisa.
O descaso ativo do governo Bolsonaro sobre as vacinas já vem cobrando um preço alto, que pode subir. Ele fez uma aposta única, na vacina da AstraZeneca, que se revelou mais que problemática. Após o episódio amador e patético do fretamento de um avião para trazer doses da vacina que o governo da Índia não disse quando entregaria, o presidente Jair Bolsonaro terá disponível para imunização imediata a Coronavac, “a vacina chinesa do Doria”, como ironizava, que pode até transformar quem fosse inoculado com ela em “jacaré”.
O governador João Doria obteve uma vitória política ao garantir que pelo menos uma vacina será usada no curto prazo em todo o país. E na disputa (lamentável) para ver quem saía à frente na corrida das vacinas, foi vencedor ao imunizar a primeira brasileira, a enfermeira Mônica Calazans, e outros profissionais de saúde. Doria ignorou exigências burocráticas de publicação do sinal verde no Diário Oficial e assinatura de compromisso do Instituto Butantan de fornecer informações adicionais.
A ação do governo paulista antes do início do Plano Nacional de Vacinação foi censurada pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que perdido, ficou desacorçoado sem as vacinas da AstraZeneca e requisitou todas as que São Paulo dispunha. O ministro criticou “movimentos político-eleitoreiros” e disse que a vacinação tem que ocorrer “sem dividir o nosso país”, já dividido entre os que seguem as melhores orientações médicas e os obscurantistas que armaram sua barraca no Ministério da Saúde.
A disputa evitável não chegou a ofuscar a celebração pela ansiosamente aguardada aprovação das vacinas. Mas é preocupante o alheamento do governo federal no processo que mal começa. Toda a responsabilidade pela distribuição das doses entre os municípios ficou a cargo dos Estados, assim como as campanhas para a imunização, nas quais o governo federal poderia colaborar com recursos e execução.
Há indicações agora de atraso também no envio pela China do Insumo Farmacêutico Ativo, o que afetará a produção da vacina pela BioManguinhos (Oxford/AstraZeneca) e a do Butantan. De saída já se sabe que a disponibilidade de vacina é inferior ao necessário, e que ela é vital para a recuperação da economia. Sem ampla e convincente campanha publicitária, para a qual o governo tampouco se mostra disposto, boa parte dos brasileiros, que se intoxicaram pela contrapropaganda do presidente, poderão não se vacinar, adiando a derrota do coronavírus.