Cristovam Buarque: Futuro para a esquerda

O artigo É o futuro, esquerda, publicado nesta página, em 15 de dezembro, foi criticado por ter aplicado os conceitos de “direita” e “esquerda” a conservadores e progressistas, respectivamente. Também por ter sido mais duro com os progressistas. No entanto, no texto, afirmou que a “direita” ainda nem aceitou a Lei Áurea e que a “esquerda” deve fazer sua revolução para ter futuro. Critico a esquerda com a esperança que se atualize. Para isso, seguem algumas das minhas sugestões.

1) Acreditar em utopias — Os progressistas precisam recuperar sonhos utópicos, aceitando a marcha da história: automação, inteligência artificial, limites ecológicos, o valor da natureza, o esgotamento do Estado, a globalização, a mudança no perfil etário da população. Não devem mais prometer a ilusória e autoritária igualdade de renda e consumo. De fato, devem buscar que, graças a um piso social, todos, mesmo aqueles com baixa renda, tenham acesso a todos os bens e serviços essenciais; e que, graças a um teto ecológico, ninguém, mesmo aqueles com renda alta, possam consumir bens e serviços que desequilibrem o meio ambiente. Os progressistas também devem assegurar igualdade na qualidade dos serviços de saúde e educação, permitindo que cada pessoa use seu mérito para ascender socialmente.

2) Modificar o entendimento da realidade social e econômica — É preciso livrar-se de falsas narrativas, negacionismos e preconceitos que impedem entender a realidade em sua marcha ao futuro, e perceber que o Brasil é uma sociedade com apartação. E o primeiro compromisso moral é com o combate à exclusão social. Diferenciar direitos de privilégios, mesmo quando estes beneficiam assalariados. Nas disputas entre servidores e o público, é preciso ficar do lado deste. Entender que, na Era do Conhecimento, o capital não é gerado pela acumulação de dinheiro, mas de conhecimento que vem, sobretudo, da escola. Por isso, educação é mais do que um direito de cada pessoa, é o vetor do progresso nacional, tanto econômico quanto social. A revolução está na garantia dos filhos dos trabalhadores e pobres nas mesmas escolas que os filhos dos patrões e ricos.

É imperativo entender que estatal não é sinônimo de público, renda não é sinônimo de bem-estar, e, no “neoliberalismo social”, as bolsas e as cotas são necessárias, mas não representam as transformações necessárias para trazer eficiência, justiça e sustentabilidade. Temos que reconhecer que a inflação é uma corrupção que rouba todos, especialmente os assalariados, aposentados e pobres. Portanto, a irresponsabilidade fiscal é um crime contra os interesses de longo prazo da população e do país.

É essencial reduzir a importância das siglas partidárias e valorizar alianças para abolir a exclusão social, reduzir a desigualdade, equilibrar a ecologia, assegurar democracia, liberdade e direitos humanos, lutar contra a corrupção e em defesa do meio ambiente. Saber que alguns membros de siglas de “direita” têm mais compromissos progressistas do que muitos filiados a siglas que se consideram de “esquerda”, mas defendem privilégios.

3) Bandeiras transformadoras — A “esquerda” não deve continuar no acomodamento da luta limitada apenas a reivindicações por pequenos ganhos para os trabalhadores e insuficientes políticas compensatórias para os pobres. Deve lutar para o Brasil completar a abolição e a República, por meio de bandeiras transformadoras.

É necessário implantar sistemas públicos únicos de educação e saúde, com a mesma e máxima qualidade para todos; erradicar o analfabetismo de adultos; garantir sistema de água e esgoto para cada família, com o direito a um endereço onde estabelecer sua moradia; oferecer amplo programa de incentivos sociais que empregue para produzir o que as camadas pobres precisam para sair da pobreza, tal como estudar, melhorar a moradia, urbanizar e florestar; respeitar o rigor fiscal e equilibrar o orçamento por meio de mais eficiência dos governos e mais impostos sobre as rendas altas; eliminar privilégios, mordomias e vantagens financiadas com recursos públicos, inclusive subsídios ao consumo das camadas ricas; defender o meio ambiente; comprometer-se e defender a liberdade, a democracia, a diversidade e os direitos humanos; e ser radicalmente intolerante com a corrupção no comportamento dos políticos e na definição das prioridades. (Correio Braziliense – 12/01/2021)

Cristovam Buarque , professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)

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