NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
A sucessão de Davi Alcolumbre (DEM-AP) na Presidência do Senado está embolada, com ligeira vantagem para o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que largou na frente. Somente na terça-feira, o MDB escolheu a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como candidata da bancada, com a desistência dos demais postulantes. O jogo bruto do Palácio do Planalto, que desprezou as candidaturas de seus líderes no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), levou o líder Eduardo Braga (MDB-AM), que também postulava a indicação, a concluir que a senadora teria melhores condições de equilibrar a disputa do que ele próprio.
Num primeiro momento, a impressão que havia passado era de que as raposas do partido se recolheram para fazer um acordo de bastidor com Rodrigo Pacheco, cristianizando Simone Tebet. Mas, não foi isso que aconteceu: dos 15 senadores emedebistas, somente Luiz do Carmo (MDB-GO) admitiu que ainda não decidiu seu voto. Os caciques da legenda chegam à conclusão de que foram tratados como uma força de segunda classe, embora tenham a maior bancada. A narrativa de Alcolumbre, de que o MDB já teria muita força na Casa, por controlar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e o fato de partido não ter sido consultado na escolha de Pacheco irritaram a cúpula do MDB.
Simone tornou-se competitiva porque conta, supostamente, com o apoio de 34 senadores na largada: além dos 15 do MDB, nove do Podemos, sete do PSDB e três do Cidadania. Não se decidiram, ainda, os três do PDT, dois da Rede, um do PSL e um do PSB. Precisaria de mais cinco votos para vencer. Entretanto, Rodrigo Pacheco conseguiu manter a vantagem, com um bloco muito amplo de partidos, com cinco senadores do DEM, 11 do PSD, sete do Progressistas, seis do PT, três do Pros, dois do Republicanos, um do PSL e um do PL. A grande surpresa foi a adesão do PT à candidatura de Rodrigo Pacheco, mas isso é resultado da longa convivência do senador com os petistas, em Minas.
A disputa do Senado parecia menos polarizada porque a Casa, tradicionalmente, faz uma política de conciliação entre o presidente da República, qualquer presidente, e os governadores, uma vez que o papel do Senado é representar os estados, de maneira equitativa, junto à União. A escolha de líderes governistas do MDB pelo Palácio do Planalto foi uma demonstração de que essa cultura se reproduzira na gestão de Alcolumbre, que havia derrotado o senador Renan Calheiros (MDB-AL), na onda de renovação política do Congresso, com um discurso contra o establishment do Senado.
Conciliação
O arranjo político estava tão consolidado que a eventual reeleição de Alcolumbre, caso fosse permitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com apoio do MDB e do PT, já era dada como favas contadas. Como o Supremo vetou a reeleição do comando do Congresso na mesma legislatura, com base em dispositivo da Constituição de 1988, o acordão de Alcolumbre com o MDB implodiu, mas se manteve com o PT, em torno do nome de Pacheco, que é um senador de primeiro mandato, mas um político mineiro, com muita cancha de negociação. Qualquer que seja o resultado da eleição, porém, a “política de conciliação” continuará predominando no Senado, que tem grande número de ex-governadores ou candidatos aos governos de seus respectivos estados.
Desde o golpe da maioridade de D. Pedro II, em 1840, durante o Império, liberais e conservadores se revezaram no conselho de ministros. Como tinham a mesma origem social — a maioria era formada por senhores de escravos —, havia muitos interesses comuns. Essa convivência começou logo depois das vitórias liberais nas províncias, porque os conservadores, em oposição aos governos locais, onde foram derrotados nas eleições, permaneceram leais ao Imperador. Em 1853, essa aproximação de interesses resultou no “Ministério da Conciliação”, encabeçado por Honório Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, com a presença simultânea de liberais e conservadores. Desse modo, o Segundo Reinado conseguiu manter a sua estrutura centralizada sem maiores sobressaltos na esfera política, até o fortalecimento do movimento abolicionista, que desaguou na proclamação da República (1889), logo após a Abolição. (1888).
Em momentos decisivos da História republicana, a “política de conciliação” renasceu das cinzas. Por exemplo, na posse do presidente João Goulart, em 1961 — que os militares tentaram impedir —, quando foi adotado o parlamentarismo. O restabelecimento do presidencialismo, por meio de plebiscito, em 1963, trouxe de volta a radicalização política que resultou no golpe de 1964. De certa forma, o presidente José Sarney (MDB), para garantir a transição à democracia, praticou essa política. De igual maneira, com sinal trocado, os presidentes Fernando Henrique Cardoso(PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). (Correio Braziliense – 14/01/2021)