Paloma Amado: Trabalhando na Política

Nesses tempos turbulentos que vivemos, volta e meia me pego lembrando de quando trabalhei com política. Foi na transição da ditadura para a democracia. Primeiro contei votos dos parlamentares para a eleição do doutor Tancredo. Ele me pediu que mandasse o fechamento da minha contagem na véspera do Colégio Eleitoral votar,  acertei na mosca! Muita gente ganhou o bolão às minhas custas, menos eu que não confiava tanto.

Fui com o Presidente Sarney para o Planalto, trabalhar na Casa Civil. Logo nos primeiros dias, recebi a visita de um casal de conhecidos de meus pais, os russos Bóris e Marina, que eles haviam conhecido em Moscou. Inicialmente confundi com os queridos amigos diplomatas, que serviram no Brasil nos anos 60, do mesmo nome, com quem viajei uma vez de carro da Bahia para o Rio. Perguntei a papai, toda feliz em revê-los, mas não eram eles.

O casal veio muito amável, queriam se fazer de íntimos, pediram para conhecer Roseana, que também trabalhava na Casa Civil. Apresentei, conquistaram as assistentes dela, felizes por poderem finalmente fazer amizade com russos.  Um dia nos convidaram para um chá ou uma vodka, mas eu não fui, pois corria a boca pequena (ou grande) que eram da KGB, coisa confirmada tempos depois. De qualquer maneira achava que a situação era bem delicada, uma transação difícil, com um Presidente morto antes de poder assumir efetivamente. Não queria pisar em falso.

Bem, um dia recebo um telefonema do SNI. O General Ivan de Souza Mendes queria marcar uma hora comigo, que eu fosse a seu gabinete. Marquei e me tremi. Não fazia praticamente tempo nenhum em que SNI era bicho de sete cabeças, que fazia a gente tremer. O que teria acontecido? Fui à sala de Rose, ao lado da minha, saber das assistentes se elas também tinham sido chamadas? Afinal, elas tinha ido ao chá/vodka, tinham adorado, comentado com todo mundo as maravilhas russas que tinham visto. Elas tinham recebido um aviso de um subalterno sobre o casal ser da KGB, que tivessem cuidado, mas nada do General pessoalmente. Fiquei conversando com meus botões, eu, filha de comunista conhecido, ía ser o bode espiatório da história.

Chegou o dia do encontro. O General Ivan veio em minha direção de braços abertos:

– Como vai você, Paloma?

Achei estranha a intimidade, eu mal o conhecia.
Foi então que ele me revelou que tinha uma encomenda para papai, de Fidel Castro!

Fiquei de boca aberta: Encomenda de Fidel Castro via SNI? Que coisa mais complicada.

Não tinha nada de complicado. O General era sogro do escritor e roteirista Doc Comparato, muito amigo nosso, que estava chegando de Cuba. O Comandante aproveitara a vinda do amigo em comum e pedira que trouxesse a encomenda.  Ali estava o General Ivan de Souza Mendes, todo alegrinho, me entregando o pacote. Não tenho certeza, mas acho que além de longa carta, vinha uma goiabeira (camisa de preguinhas) que papai adorava. Um mimo para o amigo.

Essa foi uma história de muitas. Algumas foram difíceis de digerir, as propostas de suborno, as ameaças de morte; outras só cômicas, como os dois garçons do Alvorada (no último período do governo passei a trabalhar no gabinete pessoal do presidente), ambos militares e do tempo da ditadura, que deixaram de me servir cafezinho quando eu coloquei no meu Fiat Uno os adesivos de propaganda de Roberto Freire, candidato à Presidência da República. Este foi meu primeiro voto, votei comunista com orgulho e nem me importei em ir buscar o café na copa. Sempre quis o melhor para o Brasil.

Fidel Castro

(A ilustração é a mais bela foto que alguém já fez de Fidel Castro. A fotógrafa foi Zélia Amado – assim ela assinava sua fotos, a Gattai era escritora).

Bom domingo a todos.

FELIZ NATAL!

Paloma Amado, filha de Jorge Amado, é escritora, artesã, redatora e ilustradora.

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