Gustavo Loyola: Brasil flerta com o desastre fiscal

No comunicado divulgado pelo Banco Central após a última reunião do Copom, a instituição alertou que “um prolongamento das políticas fiscais de resposta à pandemia que piore a trajetória fiscal do país, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco”. Declarou ainda que “o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”.

Trata-se de mais uma advertência, desta feita vinda da Autoridade Monetária, de que a situação fiscal brasileira está exigindo resposta imediata. Lastimavelmente, com raras exceções, os políticos eleitos parecem que continuam subestimando os riscos fiscais que rondam o Brasil e que, se materializados, poderão jogar o país numa crise econômica de repercussões potencialmente desastrosas para a sociedade. Falta apoio, na classe política, a iniciativas para eliminar o déficit estrutural das contas públicas, ao tempo em que sobram apoios a iniciativas que aumentam o gasto público ou estendem benesses tributárias a grupos de contribuintes.

Após o esforço fiscal durante a pandemia da covid-19, as contas públicas encontram-se fragilizadas. Segundo cálculo da IFI (Instituição Fiscal Independente), ligada ao Senado Federal, os gastos do governo federal com a pandemia devem atingir 7% do PIB em 2020, elevando o déficit primário neste ano para 10,9% do PIB. Como consequência, ainda de acordo com projeções mais recentes da IFI, a dívida bruta do setor público chegará a cerca de 93 % ao fim deste ano, nível extremamente elevado para uma economia emergente. Vale notar que o crescimento da dívida somente não será maior porque a derrubada da taxa Selic pelo Banco Central amorteceu a carga das despesas de juros em 2020.

Até o momento em que escrevo este artigo, nada estava acertado entre o Congresso Nacional e o Executivo a respeito do Orçamento de 2021. Não há ainda meta para o resultado primário, sequer tendo sido votado o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que deveria servir – como o próprio nome diz – como base para a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA). Tudo indica até que o governo já desistiu de ver aprovada a LOA ainda este ano. Cabe recordar que o Executivo, ao encaminhar o projeto da LDO em abril passado, inovou para pior ao criar uma espécie de meta variável para o primário em 2021, alegadamente por causa das incertezas derivadas da covid-19.

Além disso, está praticamente paralisada a tramitação das iniciativas de ajuste estrutural das contas públicas propostas pelo governo em novembro do ano passado, como é o caso da PEC da Emergência Fiscal. E quando há algum “sinal de fumaça” vindo do Congresso, normalmente é na direção de diluir o impacto pretendido com as iniciativas de ajuste. É o caso, por exemplo, da discussão sobre a PEC emergencial no Senado, em que o parecer divulgado por seu relator prevê uma economia fiscal muitíssimo abaixo das expectativas iniciais.

As medidas citadas, se aprovadas de forma íntegra, flexibilizariam a execução do Orçamento, abrindo espaço para a redução dos gastos obrigatórios, viabilizando o cumprimento do teto de gastos e o aumento do investimento público. Sem essa flexibilização, vale insistir, o teto de gastos logo será letra morta e as dúvidas sobre a sustentabilidade do endividamento público aumentarão.

Desse modo, a entrada em 2021 com incertezas sobre o cumprimento do teto de gastos e da obtenção de um resultado fiscal que aponte para a redução do endividamento do setor público num horizonte de tempo razoável pode levar a dificuldades crescentes para a recuperação da economia. Em especial, as incertezas no campo fiscal podem influenciar a trajetória da taxa de câmbio, depreciando a moeda nacional e colocando pressão sobre a inflação, além de dificultar o financiamento da dívida pública. Cabe notar que o risco fiscal já está afetando a estrutura a termo das taxas de juros, assim como provocado o encurtamento do prazo médio da dívida pública federal em mercado.

Além dos aspectos relacionados ao equilíbrio orçamentário, a agenda fiscal relevante abrange também a reforma tributária. Há um profundo desentendimento entre o Congresso e o Legislativo sobre o que deve ser feito a respeito, sinalizando que muito provavelmente não teremos avanços substanciais no tema nos próximos meses.

É uma má notícia já que as disfuncionalidades do nosso sistema tributário são responsáveis maiores pela inexistência de um ambiente de negócios no Brasil que permita a alocação eficiente de capital, fator primordial para o crescimento da produtividade e do PIB.

O Brasil já está perdendo o impulso de crescimento trazido pelo bônus demográfico e passa a depender cada vez mais do aumento da produtividade para acelerar o crescimento econômico. Ausentes medidas de ajuste estrutural, o desempenho da economia em 2021 e nos anos futuros continuará a ser pífio. (Valor Econômico – 14/12/2020)

Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo

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