É fundamental melhorar a qualidade dos gastos sociais no País
O senador Tasso Jereissati acaba de propor uma Lei de Responsabilidade Social (LRS). O PL 5.343/2020 é a etapa final de um trabalho de advocacy, que reuniu a academia, o Livres, o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) e um grupo de parlamentares envolvidos com o tema da renda cidadã, infância e educação. A sociedade civil se organizou e ocupou o vácuo deixado pelo Executivo em assunto da maior importância.
Algumas ideias já vinham sendo estudadas desde o início da pandemia. Várias propostas circulavam em seminários e artigos, incluindo desde a ampliação do programa Bolsa Família até a criação de uma renda mínima universal.
Muitas delas esbarraram na falta de fontes de financiamentos. Era preciso buscar uma solução que melhorasse a qualidade das despesas, respeitando os limites fiscais. O Brasil não gasta pouco com social, quando incluídos no total os programas de transferência e aposentadorias – priorizando mais idosos que crianças.
O auxílio emergencial foi feito às pressas para atender aos efeitos humanitários, econômicos e sociais da covid-19. Seu redesenho se apresenta como uma oportunidade para a criação de um projeto permanente, mais eficaz no combate à pobreza.
Em maio, o Livres, do qual sou presidente do Conselho Acadêmico, realizou um debate com dois de nossos conselheiros, Ricardo Paes e Barros e André Portela, especialistas em políticas sociais. O Livres é um movimento suprapartidário e defende uma agenda liberal, que vai além da pauta econômica. É conhecido como “liberal por inteiro”, porque entre seus princípios estão a busca de igualdade de oportunidades e inclusão, o que abarca tanto o combate à pobreza quanto a redução de desigualdades e maior mobilidade social.
Desse encontro, surgiu a ideia de montar uma proposta de unificação de diferentes políticas de transferência, com melhor focalização dos gastos sociais. Hoje, se reconhece que se desembolsou mais do que o necessário com o auxílio emergencial, o que, de um lado, permitiu relativa recuperação de certos setores da economia, mas gerou uma piora dramática nas contas públicas.
Para sugerir uma alternativa, o Livres buscou outros especialistas, que sugeriram um trabalho em três dimensões. A primeira, a focalização e a unificação de benefícios. A segunda, uma atenção ao mercado informal de trabalho, cujo problema não é tanto de baixa renda, mas de volatilidade da renda. E, por fim, um projeto que respeitasse os limites fiscais do teto de gastos. Vinicius Botelho, Fernando Veloso e Marcos Mendes aceitaram o desafio.
Bom lembrar que, no início dos trabalhos, o presidente já havia interditado qualquer ideia de unificação de benefícios, que previa revisão do salário família e abono salarial, com a frase populista e de grande impacto político: “Não vou tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.
Independentemente da decisão do governo, a proposta foi levada ao CDPP, que, através de seu diretor e sócio fundador, Ilan Goldfajn, abraçou a ideia de imediato e deu todo apoio financeiro e logístico. Uma contribuição fundamental para a viabilização do projeto. Foi então desenhada uma proposta de Lei de Responsabilidade Social.
Para isso, foram realizados debates preliminares com outros especialistas da área social, que trouxeram boas contribuições. Reuniões mais amplas se seguiram até a versão final. O trabalho completo pode ser encontrado no site do CDPP. Ele traz também sugestões legislativas para sua implementação.
Foi organizado com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, uma apresentação a alguns parlamentares, que já se empenhavam na busca de uma política de transferência de renda nova e permanente, entre eles o senador Tasso Jereissati, autor do PL da Lei Responsabilidade Social.
Não só os efeitos da pandemia ainda serão sentidos em 2021, como é fundamental melhorar a qualidade dos gastos sociais. O País vem enfrentando há anos as consequências de políticas fiscais irresponsáveis, que geraram recessão, desemprego e aumento da desigualdade.
A mobilidade social no Brasil é muito baixa, filhos de pobres e de pais com baixa escolaridade já nascem com seu destino marcado. Uma das propostas do estudo é incentivar a conclusão do ensino médio com a criação da Poupança Mais Educação. Além disso, é necessário enfrentar questões de desigualdade que começam já na primeira infância, sem abandonar a responsabilidade com as contas públicas.
O PL apresentado por Tasso Jereissati traz, como é natural na busca de viabilização política, algumas modificações. Entre elas, a previsão de redução de 15% nas renúncias tributárias caso as metas de redução da pobreza não sejam atingidas.
A Lei de Responsabilidade Social, com relatoria do senador Antonio Anastasia, se aprovada, mostra a importância da advocacy, um movimento que se inicia na sociedade civil para sugestões de políticas públicas. Foi um trabalho conduzido por muitas mãos. (O Estado de S. Paulo – 11/12/2020)
ELENA LANDAU, ECONOMISTA E ADVOGADA