Quando escrevi o título desse artigo me veio à mente nome de minissérie. Não de uma boa minissérie, aquelas que prendem você, que torturam, que não te deixam largá-la. Não. O que me veio à mente foram aquelas outras, com enredo mal feito, cheio de histórias paralelas que nada têm a ver umas com as outras, repletas de personagens fantoches, rascunhos de pessoas. Os Detratores de Guedes. Quem é Guedes mesmo para ter detratores? Ah é, ele é ministro da Economia. Mas ministro da Economia tem detrator? Detrator? Pessoas que vivem a falar mal de sua aparência, sua maneira de se vestir, seu corte de cabelo. Tem? Deve ter. Mas a lista que vi, a dos tais detratores, era um rol de pessoas que costumam criticar as medidas e as posturas de Guedes. Ora, pessoas públicas, como o ministro, têm críticos.
Os detratores de Guedes. Fizeram relatório e tudo, com 81 nomes. Para mandar material explicativo, disseram. Para enviar encartes do governo e papéis lustrados sobre os afazeres do ministério, suas batalhas, suas vitórias. Gastaram alguns milhões de reais para preparar o relatório. Haverão de gastar um tanto mais para a elaboração e o envio do extenso material supostamente elucidativo. Material para convencer os detratores a tratarem bem o ministro, pobre do ministro.
Disseram que esse tipo de documento é normal, que outros governos costumavam fazer o mesmo. Disso, confesso que nada sei. O que sei é que preparar um relatório identificando nominalmente jornalistas, acadêmicos e pessoas que participam do debate público, e, ainda por cima, sugerir no documento que alguns indivíduos sejam monitorados não pega bem. Senti uma lufada de intimidação, e olha que nem da lista constava. Sorte?
A minissérie da economia brasileira regida por Paulo Guedes, sobretudo durante a pandemia, de fato não é nada atraente. Declarações desconjuntadas, falta de estratégia, tentativas de inventar conceitos econômicos de todos os tipos. Claro, houve o auxílio emergencial, aquele mesmo que não foi apoiado por Guedes quando o pior se anunciava, aquele que ele tentou eliminar quando o pior ainda não tinha passado, aquele que deve ser extinto daqui a 30 dias se o governo nada fizer.
O que mais fez Guedes durante a pandemia? Se fosse um personagem de minissérie merecedor de detratores, um vilão, quais seriam as ações que o creditariam como protagonista? Porque vejam: fazer pouco ou quase nada durante a pandemia é razão para críticas, sim. Mas a rejeição visceral provocada pelos grandes vilões da ficção? Nada fazer não é eletrizante o suficiente. Pouco fazer não dá um enredo. Nada disso chega a ser trágico, mas claramente é tristonho. E, evidentemente, muito ruim para o País.
Enquanto Guedes identifica seus detratores e prepara material para, bem, não se sabe muito bem para quê, o Brasil padece com a nova onda da pandemia. Já não há leitos nos hospitais de cidades como o Rio de Janeiro, escassos estão em São Paulo. São Paulo que, no dia seguinte das eleições municipais, voltou ao alerta amarelo, que talvez devesse ser laranja, quase vermelho. Testes? Está dificílimo fazer um teste de covid até nas grandes cidades brasileiras, e digo-o com conhecimento de causa. Está difícil porque são tantas pessoas a serem testadas que o sistema público, privado, não importa, já não dá conta.
Nas favelas, nas periferias, o vírus voltou com força, como acontece mundo afora. Esse é o resultado de semanas e mais semanas de descaso e de falta de orientação adequada das autoridades públicas. Inclua-se nesse grupo o ministro da Economia. Afinal, se zeloso fosse, se estivesse realmente preocupado com a economia, estaria se esforçando para dar apoio às pessoas. Estaria se ocupando, por exemplo, da renovação urgente do auxílio emergencial. Mas, não. O ministro está ocupado com mudar cabeças a seu favor, para dizê-lo de forma mais suave. O ministro está preocupado em fazer projeções de PIB nas quais ninguém acredita, e nem acreditará, não importa quão bonito seja o papel.
Os detratores de Guedes. Guedes, quer mesmo não ser criticado? Quer mesmo não ter que distribuir material ou pedir relatórios? Quer ter a tranquilidade de não saber o que estão pensando de você? Essas perguntas nada têm de difícil. Portanto, vou deixá-las aqui. Vou deixá-las aqui para que o leitor e a leitora encontrem as formas mais criativas de respondê-las.
Como termina a temporada dessa lúgubre minissérie? (O Estado de S. Paulo – 02/12/2020)
MONICA DE BOLLE, ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY