Como desgraça pouca é bobagem e nunca vem desacompanhada, a pandemia da Covid-19 mudou os modos de vida, contaminou maleficamente as esferas da produção, distribuição, comércio, finanças, processo de trabalho, emprego, renda, saúde, lazer, cultura, esporte, Estados nacionais, organismos multilaterais, comércio mundial – enfim, toda a arquitetura da sociabilidade humana local, nacional, regional e global – e aprofundou a distância entre dois polos quantitativo e qualitativamente opostos: o da riqueza concentrada e o da pobreza ampliada.
O relatório Riding the storm, do banco suíço UBS e da consultoria PwC, mostra, por exemplo, que os 2.189 magnatas globais somados (em julho deste dramático ano de 2020) aumentaram seu patrimônio líquido para U$ 10,2 trilhões, em plena pandemia.
Os Estados Unidos lideram o ranking. A fortuna dos seus bilionários chegou a US$ 3,6 trilhões. Depois vem a China (US$ 1,7 trilhão), Alemanha (US$ 594,9 bilhões), Rússia (US$ 467,6 bilhões), França (US$ 442,9 bilhões), Índia (US$ 422,9 bilhões), Hong Kong (US$ 356,1 bilhões), Reino Unido (US$ 205,9 bilhões), Canadá (US$ 178,5 bilhões) e, em décimo lugar, o Brasil (US$ 176,1 bilhões. Coexistindo com o crescimento dessa riqueza concentrada está o decréscimo da renda da pobreza ampliada. O terreno da desgraça é longo e fértil em frutos maléficos.
O Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) aponta 1,3 bilhão de pessoas no mundo vivendo na pobreza. O Banco Mundial diz que até 2021 a pandemia levará mais 150 milhões à extrema pobreza (renda diária de até US$ 1,90 ou cerca de R$ 10). A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima quase 690 milhões de famintos no mundo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que 1,6 bilhão de pessoas estão na precarizante informalidade trabalhista. O Brasil tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados, 40 milhões de trabalhadores informais e precarizados.
Foi na seção 4 do capítulo XXIII do Livro 1 de O Capital (1867) que Karl Marx (1818-1883) expos que, sob o capitalismo, a acumulação de riqueza num polo é ao mesmo tempo acumulação relativa de miséria no polo oposto. Tal tendência acentua-se! Não basta, portanto, aplicar uma vacina segura que elimine a Covid-19. É preciso erradicar sua herança nefasta. E não será com caridade/filantropia que se faz isso ou se desativa o mecanismo da acumulação da riqueza, de um lado, e da miséria, de outro.
O infarto econômico mundial causado pela Covid-19 demanda, mais do que as atuais terapias intensivas, uma nova arquitetura socioeconômica global via uma Conferência Mundial pela Produção e pelo Emprego, sob a responsabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU), visando harmonizar os fluxos monetários e financeiros internacionais de modo a canalizar a poupança pública e privada em investimentos produtivo-reais.
Daí pode sair uma vacina democrático-civilizatória de modo a anular e superar a força gravitacional da recessão mundial tenebrosa e de um futuro sinistro e sombrio e permita a construção de um embrião de um novo padrão global de desenvolvimento neste século XXI. (Voz de Guarulhos – 29/10/2020)
Eduardo Rocha é economista