Economia está em suspenso e depende de acordos políticos do presidente
A política adiou para dezembro a grande decisão relevante da economia pelos próximos meses ou anos. Isto é, se vai ou não haver mexida ou gambiarra no teto de gastos. Como Jair Bolsonaro deixou o assunto para depois das eleições municipais, seria razoável especular que ele pretende financiar o Renda Brasil com algum arrocho de outra despesa social e de servidores. Mas Bolsonaro também continua a negociar o dote de seu casamento com o centrão. O acordo inclui conversa de desmembramento do ministério da Economia de Paulo Guedes, retoques na política econômica e a disputa do comando da Câmara em 2021. É política, política, política –e tem mais.
Até lá, fica malparada a situação das taxas de juros em alta, uma das duas notícias econômicas mais importantes desde meados do ano. A outra é a despiora da economia, que continua mais rápida do que se esperava, embora não se saiba se dura até dezembro.
Os resultados do comércio em agosto foram, na média, muito bons. Mas apenas daqui um ou dois meses vamos saber se a retomada econômica vai perder ritmo com a diminuição dos auxílios emergenciais e se o nível de emprego vai crescer o bastante para compensar o corte desses benefícios. Parte dessa retomada depende ainda de epidemia e da vacina.
Na política, o resultado da eleição americana e das disputas municipais podem indicar como anda o valor de mercado eleitoral da psicopatia política. No caso de derrota do trumpismo e de suas variantes periféricas, pode haver um desincentivo ao reacionarismo lunático, no entanto com efeitos de médio prazo.
De imediato, mais importante é saber se o casamento de Bolsonaro com o centrão vai lascar ainda mais poder de Guedes e do “programa liberal”. Importa saber o tamanho e o lugar do desprestígio. Vai envolver aumento de despesa? Vai apenas entregar a partidos aliados a negociação de lobbies de empresas, como ocorreria no caso da recriação de ministérios tais como o do Trabalho e do Desenvolvimento?
Ainda se entende mal como essa conversa de ministérios se relaciona a eleição do comando da Câmara em 2021. De qualquer modo, preste-se atenção. A palermice do comando político de Dilma Rousseff na eleição da Câmara em 2015 foi o começo do fim da presidente.
Na economia, não acontece mais grande coisa. Não há um grande ciclo de investimentos a ponto de deslanchar. As mudanças no gás, no petróleo, no saneamento e concessões dependem ainda de um monte de regulações adicionais, da confiança de que não são regras para inglês ver e da expectativa de algum crescimento para que apareça o dinheiro para o investimento. Não vai acontecer nada até 2022, e olhe lá.
Não há outro projeto que mexa decisivamente com a economia. Mesmo boas reformas, ainda que apenas do ponto de vista mercadista, vão demorar e teriam efeito incremental.
Sim, um pacote completo de arrocho fiscal e “reformas” poderia animar os donos do dinheiro, evitar um revertério decisivo nos juros e garantir uma das condições da continuação da despiora. Mas vamos saber da perspectiva dessas decisões apenas em dezembro, com algum resultado legislativo visível já bem entrado 2021 e consequências práticas ainda mais tardias. Isto é, se esse “programa reformista” der certo e se a economia não embicar para baixo com o corte de mais de meio trilhão de gastos do governo de 2020 para 2021.
Assim, afora novas ocorrências policiais na familiocracia, o Brasil de daqui a pouco depende do grande diálogo político de Jair Bolsonaro com o centrão. (Folha de S. Paulo – 09/10/2020)