Presidente reconhece que projeto político é incompatível com parte da agenda de Guedes
Jair Bolsonaro tinha gostado da ideia de turbinar o Bolsa Família e pegar carona no auxílio emergencial do coronavírus. A decisão de abater a proposta do Renda Brasil mostra que, embora seduzido pelo plano de cimentar sua popularidade entre famílias de baixa renda, ele não está disposto a perder apoio em outros segmentos.
O slogan involuntário da política econômica do presidente resume a lógica. Nas últimas semanas, ele disse duas vezes que não pretendia “tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos”. A frase tem peso político, mas falha na matemática, já que o governo nunca demonstrou interesse em cobrar essa conta dos mais ricos.
Atrás de recursos para o Renda Brasil, a equipe do ministro Paulo Guedes quis cortar o abono salarial, endurecer as regras de benefícios para idosos miseráveis e congelar aposentadorias. Bolsonaro enxergou o risco de se tornar vilão para ao menos 50 milhões de pessoas que são atendidas por esses programas.
O presidente se mostra indisposto a comprar essa briga enquanto ainda tenta consolidar suas curvas de popularidade. Embora a avaliação do governo tenha disparado entre trabalhadores informais e desempregados, com a ajuda do auxílio de R$ 600, houve uma queda de cinco pontos entre os aposentados desde o fim do ano passado –de 39% para 34%.
Bolsonaro sabe que é politicamente lucrativo dar um benefício a quem não tem nada, como mostrou a experiência do auxílio emergencial. Tirar de quem tem pouco e recebe alguma coisa, por outro lado, pode ser desastroso.
Ao desistir do novo programa, o presidente reconhece que seu projeto político é incompatível com uma parcela considerável da agenda de Guedes. Ao dar uma bronca na equipe econômica, o chefe tentou se distanciar das propostas mais recentes do time e as descreveu como ideias de “gente que não tem o mínimo de coração”.
Caso esteja realmente incomodado com essas propostas, Bolsonaro deve continuar com problemas. Guedes gosta de oferecer soluções desse tipo e ainda não explicou como vai amortecer o fim do auxílio emergencial. O presidente pode ter enterrado a crise do Renda Brasil, mas esses conflitos repousam em cova rasa. (Folha de S. Paulo – 16/09/2020)