O bolsonarismo foi um movimento político concebido em 2018 a partir da articulação do conservadorismo moral, sobretudo aquele de orientação religiosa, com o lavajatismo e o liberalismo econômico.
Os dois primeiros tinham uma base social mobilizada sobre a qual se construiu a campanha eleitoral. Apesar de afinidades internas, a aliança se desfez com a saída do governo do ex-ministro Sergio Moro. Será que a aliança com o liberalismo, que é de conveniência, consegue resistir às pressões sobre Paulo Guedes?
A força de mobilização do lavajatismo vinha da grande popularidade da Operação Lava Jato e da vitoriosa campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff. A força do conservadorismo moral, por sua vez, vinha do punitivismo penal, que é muito popular, e da campanha das igrejas cristãs contra a ideologia de gênero.
Já o terceiro componente, o liberalismo, não tinha base social significativa. Mas era fundamental porque conferia a um projeto político insurgente legitimidade junto às elites econômicas.
A aliança do conservadorismo com o liberalismo de Guedes não está ancorada em afinidades doutrinárias —como as que existiam com o lavajatismo com quem compartilhava uma inclinação punitivista. Além disso, não dispõe dos laços históricos de compromisso que conservadorismo e liberalismo econômico desenvolveram nos Estados Unidos.
À medida que Bolsonaro compreende que sua popularidade depende da expansão dos programas sociais, Guedes está cada vez mais em perigo. Moro parecia mais indemissível e partiu sem fazer grande estrago.
O radicalismo doutrinário de Guedes tem feito com que reiteradamente busque financiar programa social com cortes em outros programas sociais e que busque compensação fiscal com a introdução de um imposto regressivo parecido com a CPMF.
Quando uma abordagem de senso comum recomendaria financiar uma expansão do sistema de proteção social com um pequeno aumento da carga tributária sobre os ricos ou com um corte nas renúncias fiscais, Guedes tirou do seguro desemprego para financiar o primeiro emprego; agora está querendo tirar do abono salarial para dar ao Renda Brasil e não desiste da obsessão de criar um imposto como a CPMF. Se política social traz popularidade, não faz sentido tirar de uma para dar para outra.
Cedo ou tarde, Bolsonaro vai perceber que não precisa de um ultraliberal na pasta da economia —e que, como Lula demonstrou, é perfeitamente possível combinar uma política econômica razoavelmente responsável, do ponto de vista fiscal, com políticas sociais de impacto. (Folha de S. Paulo – 25/08/2020)
Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia