Bücherverbrennung! Isto não é um trava línguas, não é um treinamento fonoaudiológico, nem tampouco uma palavra retirada de alguma língua ficcional, criada por autores de histórias fantasiosas ou estelares. Bücherverbrennung é o termo alemão utilizado para definir a ação de queimar livros instituída pela Alemanha nazista em 1933, meses antes da subida de Adolf Hitler ao poder.
As cenas horrendas de seguidores do fascismo germânico em volta das fogueiras de obras literárias tornaram-se símbolo da intolerância. As imagens são tão impactantes que encontraram espaço para se consolidar como uma alegoria da estupidez, mesmo em um regime que produziu memórias nefastas como a desumanidade nos guetos, os campos de concentração e o holocausto.
Eliminar a memória, impedir o contraditório, reafirmar sua força cultural no caminho da instituição de um modelo totalitário e, por fim, extirpar tudo o que não fosse condizente com a “superioridade racial ariana” – que buscava estilizar uma nova forma de pensar e representar – eram os principais objetivos dos mentores das queimas de livros.
No entanto, em um processo dialético, o Bücherverbrennung ao mesmo tempo em que preconizava uma homogeneização cultural – demonstrada brilhantemente no documentário “Arquitetura da Destruição”, do sueco Peter Cohen, 1989 – impunha severos limites ao acesso a livros durante o regime do Terceiro Reich.
O pesadelo real, vivido na Alemanha na primeira metade do século passado, permearia o imaginário de autores nas décadas seguintes. Não à toa, é possível elencar diversas obras que reproduzem na literatura, no teatro e no cinema a proibição à leitura como pano de fundo de sociedades distópicas. Este seria um dos principais meios de controle cultural e de pensamentos dos cidadãos.
De George Orwell, em “1984”, passando por Ray Bradbury, com “Fahrenheit 451”, chegando em “The Handmaid’s Tale”, de Margaret Atwood, diversas reflexões literárias, que abordam os piores pesadelos de indivíduos que se encontram no campo democrático e progressista, apresentam a proibição da posse de livros ou mesmo do ato de ler dos cidadãos.
Outro aspecto em comum nas obras citadas é que sempre nos deparamos com um líder, ou um grupo, que, a despeito de preconizar a ideia de que a leitura seria um “perigo para a vida em sociedade”, de forma hipócrita e sigilosa, escondem bibliotecas em suas casas e comitês. Desta forma, falamos aqui que o ato de dificultar o acesso à leitura da maioria da população configura, em último caso, a perpetuação do privilégio das elites ao acesso a livros.
O Brasil bolsonarista flerta, assume, volta atrás, reafirma e confirma, ora simbolicamente, ora de maneira literal, tentativas de estabelecer um regime distópico no país. Pensando de forma estrita sobre o acesso à leitura, nosso último passo no caminho de nos tornarmos uma “Gilead da República das Bananas”, reproduzindo os EUA ficcional pós-golpe de fundamentalistas da obra de Atwood, foi dado na última semana.
Paulo Guedes, o “superministro” restante de Bolsonaro, anunciou, com pompa e circunstância, a necessidade de taxar livros como caminho para impulsionar a economia do Brasil. Dizia ele estar sendo republicano e democrático, já que são os mais ricos aqueles que lêem e que compram livros. Infelizmente, embora cínica, a frase traz um fundo de verdade. Ler é um privilégio.
Confessamos ter dificuldade em conceituar o que representa este pensamento em um país que não taxa grandes fortunas, ou que não recolhe imposto no recebimento de lucros e dividendos, ou, ainda, que não possui uma cobrança semelhante ao IPVA para lanchas, helicópteros, jatinhos e afins. E o surrealismo desta ideia é que, em vez de buscar democratizar a leitura, o livro vira inimigo e a sua taxação torna-se a “solução” para a nossa economia.
Paulo Freire afirmava que “a educação não transforma o mundo, a educação muda pessoas, pessoas transformam o mundo”. Assim, citando ainda o nosso Patrono, “aprender é um ato revolucionário”. Taxar livros é manter distante dos menos favorecidos, dos periféricos, dos alunos de escola pública, dos moradores de favela, dos mais pobres o direito à armarem-se contra a desigualdade social.
Caminhamos para um regime distópico. No entanto, como ainda há luta contra este movimento, queimar e censurar livros poderia não soar muito bem para quem é saudosista de regimes de exceção, mas que precisa, vez por outra, manter um verniz democrático.
Nós, da Bancada do Livro, sonhamos com uma realidade diametralmente oposta a esta, fazendo da cidade do Rio de Janeiro um expoente e um exemplo no que se refere ao número de leitores. Por isto, repudiamos veementemente qualquer tipo de taxação sobre obras literárias ou ainda as que onerem a produção cultural no Brasil.
Se a extrema-direita tenta criar uma distopia, nós, ao contrário, somos utópicos, alicerçados nas palavras do escritor Victor Hugo, em “Os Miseráveis”: “utopia hoje, carne e osso amanhã”.
Bancada do Livro: Gledson Vinícius, Vanessa Daya, Ygor Lioi , Eliseu Neto, Eliza Moreno, José Couto Jr, Paloma Maulaz e Caroline Guedes