Fabio Graner : Teto e gatilhos no país dos ruídos políticos

Imbuído da tarefa de defender o teto de gastos diante das crescentes pressões para sua flexibilização, o ministro da Economia, Paulo Guedes, demonstra segurança e otimismo com as chances de sustentar sua agenda.

Ao Valor, ele fez um balanço sobre a ruidosa última semana, que teve a “debandada” de dois importantes auxiliares e especulações sobre sua permanência, mas também gestos contundentes em defesa do limite de despesas por parte do presidente Jair Bolsonaro e dos chefes da Câmara e do Senado, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).

“O resumo da semana passada, é que a Câmara, o Senado e o Presidente da República disseram: estamos todos sob o mesmo teto e vamos retomar as reformas”, disse Guedes, reforçando o aspecto simbólico daquele encontro. Bolsonaro, aliás, na sexta-feira e no sábado passados voltou a defender o teto, depois de ter admitido, na quinta-feira, que houve discussão no governo para flexibilizar o dispositivo.

O ministro reconhece que há méritos em algumas propostas que implicam mais gastos, como obras de saneamento no Nordeste ou projetos mais típicos de infraestrutura. Mas salienta a necessidade de que isso seja feito dentro dos limites, retirando-se, portanto, de outras rubricas de despesas. E diz que há compreensão sobre isso no governo, a despeito das discussões que vieram à tona. “A equipe está unida em torno disso, é natural que haja pleito de recursos para água no Nordeste e para obras críticas de infraestrutura e isso tem que vir de remanejamento de recursos”.

Assim, sua mensagem continua enfática: é preciso rebaixar e travar o piso e não destruir o teto. Nesse sentido, o ministro ficou contente com o manifesto de um grande grupo de economistas, divulgado no domingo, em defesa do dispositivo constitucional e apoiando a tese da pasta sobre a necessidade de se aprovar uma emenda constitucional que permita acionar os chamados “gatilhos” de controle de despesas obrigatórias, que têm ocupado espaço dos gastos livres, como os investimentos.

O texto reconhece que, efetivamente, o instrumento que vai liberar espaço para outros gastos é a redução de jornada e salário de servidores públicos em 25%. As contas apontam para uma economia de R$ 15 bilhões no ano que vem para a União, número que encontra correspondência em cálculos internos da área econômica.

Os demais “gatilhos”, como proibição de concursos, reajustes salariais e progressões automáticas de carreiras não dão espaço novo para as despesas, mas impedem perda adicional de terreno nas discricionários. E isso, em tese, daria alguma sobrevida ao teto sem inviabilizar a máquina pública.

O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa alerta, contudo, que o acionamento das medidas não será suficiente para garantir a sobrevivência do teto, dado os defeitos que haveria na concepção do mecanismo. Ele lembra que iniciativas como o corte de salários e jornada são temporárias, por dois anos, e não enfrentam a fragilidade estrutural do mecanismo.

“A abertura de R$ 15 bilhões no ano que vem não é suficiente para manter o teto. Você abre esse espaço para evitar cortar os investimentos nessa magnitude, mantendo no nível atual que já é deprimido. Mas não está resolvendo porque a Previdência vai continuar crescendo, mesmo com a reforma”, comentou Barbosa. “Só vai se manter o teto com corte grande de folha de pagamentos, mas as PECs não proporcionam um corte grande o suficiente por seis anos para sustentar o teto”, acrescentou.

Por isso, na visão dele, seria melhor o governo encampar uma discussão organizada para redesenhar o dispositivo, garantindo o controle de gastos obrigatórios, principalmente de pessoal, mas discutindo um volume mais adequado para outras despesas, como investimentos, saúde e educação.

“Sou favorável a discutir reforma administrativa e algum ajuste de folha… Você tem que ter um teto. Pode-se fazer um acordo, definindo-se um valor [maior] do investimento e os gastos da área social… É uma regra de limite, mas não é congelamento”, disse. Se não organizar a discussão de reformar o teto, Barbosa avalia que ele pode desabar completamente e os grupos corporativos se apropriarem mais rapidamente do orçamento, com aumentos salariais para grupos fortes, como militares e servidores do Judiciário.

O ex-ministro alerta ainda para o risco econômico de se promover uma contração fiscal no ano que vem, quando o estado de calamidade em tese deixa de existir e o teto de gastos é retomado. E lembra que pode se repetir 2017, quando houve forte restrição fiscal e a recuperação do crescimento ficou comprometida.

Nesse ponto é grande a controvérsia. Para a atual equipe econômica, não retornar para o regime fiscal ancorado no teto de gastos em 2021 terá efeito contrário na economia, abortando um processo de recuperação que já estaria em curso. A leitura dos técnicos da pasta é que o abandono desse compromisso vai gerar forte estresse, elevando juros e taxa de câmbio, e aumento na incerteza.

Para o especialista em contas públicas Guilherme Tinoco, a questão do crescimento econômico será decisiva para os rumos fiscais do país. “Se a economia não cresce, é natural que mais gente questione a política fiscal e o governo seja pressionado por mais gastos”, explicou ao Valor. “O crescimento poderia ajudar na política fiscal e na redução das pressões sobre o teto de gastos”.

Tinoco defende que o teto ajuda a controlar a trajetória fiscal e a dívida, permitindo melhora na confiança na economia. E também aponta necessidade de reformá-lo. Mas avalia que essa discussão não deveria ser feita de forma açodada, a poucas semanas do envio do projeto de orçamento.

“O ideal seria primeiro haver medidas de ajustes, como redução de altos salários, e, depois de aplicadas, revisar seu desenho. Um dos benefícios do teto é que, em momentos restritivos, ele obriga a se fazer reformas. Flexibilizar na primeira oportunidade não seria bom”, disse. Ele tem proposta de, a partir de 2023, retirar parte dos investimentos do limite e permitir aumento real de despesas totais.

O debate em curso não é trivial. Entre defensores e opositores, é importante que qualquer decisão sobre a política fiscal seja tomada sem paixões eleitoreiras, com pragmatismo, realismo e, principalmente, preocupação em não deixar desamparados aqueles que menos força têm para se defender na eterna disputa por espaço no orçamento público. (Valor Econômico – 18/08/2020)

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