Eliziane Gama: CPMI para garantir a democracia

É inadmissível desmantelar o Estado e colocá-lo ao lado de interesses particulares

Para boa parte da opinião pública – e para muitos políticos também, infelizmente –, comissão parlamentar de inquérito está diretamente relacionada a denúncias e a procedimentos para colocar alguém atrás das grades. Ou seja, as comissões, por esse ângulo torto de visão, se vinculam mais à ideia de show midiático do que a uma investigação propriamente dita, de interesse real dos brasileiros e da República.

Uma comissão parlamentar de inquérito, seja ela em uma só casa, ou nas duas, quando mista, a rigor pode se voltar à apuração de fato definido e, ao final, gerar punição para aqueles que são flagrados em desvios aos textos legais brasileiros. Porém, ela também é instrumento para apurar profundamente certos temas e fatos de modo a produzir relatórios e sugestões de políticas públicas e de projetos para aperfeiçoar a Constituição e outros marcos legais.

Tivemos ao longo da história do Congresso comissões parlamentares, mistas ou não, que se transformaram em shows pirotécnicos do ponto de vista político e que não redundaram em nada. Outras, ao contrário, desnudaram situações, processos de corrupção, imperfeições legais, deficiências de gestão, trazendo benefícios ao país e ao fortalecimento da democracia. Com esse entendimento mais geral é que as lideranças do Cidadania apresentaram proposta de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI – para investigar denúncias formuladas pelo ex-ministro Sergio Moro, da Justiça.

Principalmente aquelas que trazem insegurança ao Estado democrático, como o possível alinhamento mecânico e sem princípios da Polícia Federal ao presidente da República para tentar estancar investigações que estariam em marcha contra alguns de seus filhos e relacionadas ainda a movimentos de caráter fascista e saudosistas da ditadura militar. Tudo é possível a um governo eleito democraticamente pelo voto dos eleitores brasileiros – uma nova visão de desenvolvimento, redefinição de prioridades, escolha de ministros e outros colaboradores, indicações para se ocupar cargos dispostos no texto constitucional.

O que é inadmissível é a adoção de ações para desmantelar o Estado e colocá-lo ao lado de interesses particulares, em afronta direta à Constituição. O mundo está cheio de situações desse último tipo. Em vários países e em todos os continentes dirigentes eleitos pelo voto, amparados em uma parafernália de manipulação da opinião pública, sobretudo por meio de redes sociais criminosas, se voltam contra a democracia, denigrem imagens, sufocam as liberdades e aos poucos tentam levar seus governos ao beiral do arbítrio. O mal atinge grandes democracias, até a considerada a maior delas no chamado mundo ocidental.

Dividir o país entre uma suposta extrema direita arcaica em valores e o resto da sociedade, este entendido por governantes e milicianos como integrado por gente do mal, não condiz com as amplas liberdades conquistadas nos últimos três séculos, sobretudo no Ocidente. Liberdade é um valor sagrado, cristão, não pode correr risco sob nenhuma hipótese. Com a CPMI que propomos, queremos analisar fatos e responsabilidades ante possíveis desvios de autoridades, mas queremos, isso sim, definir com clareza e com base no que existe de melhor na teoria política os limites da ação de governo e os primados permanentes do Estado.

Afinal, governo passa, o Estado fica. E um não pode destruir o outro. Acreditamos, concretamente, que a CPMI sugerida pode ser um bom instrumento para o Brasil superar a sua crise política e econômica atual, agravada pela eclosão da pandemia do novo coronavírus. Democracia e liberdade, sempre!

Eliziane Gama (MA) é líder do Cidadania no Senado Federal.

Artigo publicado no site do jornal O Globo em 13/05/2020

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