Num só dia, o Brasil recebeu três más notícias sobre a pandemia do coronavírus. O país registrou um novo recorde de mortes: 474 em apenas 24 horas. Isso fez o total de vítimas superar a marca dos cinco mil. Para completar, o Brasil ultrapassou a China no ranking de países com mais mortos pela Covid-19.
Diante desses fatos, qualquer presidente razoável se sentiria obrigado a reconhecer a gravidade da situação. Mas os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro, que preferiu fazer piada com a tragédia. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, disse, ontem à noite.
A mistura de indiferença e deboche virou marca das declarações do presidente. No domingo, ele foi questionado por uma eleitora sobre a decisão de entregar o comando da Polícia Federal a um amigo dos filhos.
“E daí? Antes de conhecer meus filhos eu conheci o Ramagem”, ele respondeu, numa rede social. Em seu idioma particular, o capitão queria dizer que conheceu o delegado antes dos herdeiros. Mesmo assim, ele não se julgou obrigado a esclarecer o conflito de interesses.
Hoje o presidente fez questão de reforçar que Alexandre Ramagem foi presenteado com o cargo porque “passou a ser um amigo”. “Tomava café junto, leite condensado no pão, tá? E daí? Eu devo escolher uma pessoa que eu nunca vi na vida?”, questionou.
Bolsonaro quer transformar o Brasil na República do “E daí?”. Seu desejo é viver num país em que o governante pode ignorar as leis e não precisa prestar contas do que faz. Por isso, ele detesta a imprensa e incentiva ataques ao Congresso e ao Judiciário.
Nesta segunda, a Justiça Federal atendeu a um pedido do jornal “O Estado de S. Paulo” e determinou que o presidente apresente o resultado de seus exames para a Covid-19. A informação é de interesse público, mas o presidente se julga no direito de sonegá-la.
Questionado sobre a ordem judicial, ele voltou a fazer graça. “Daqui a pouco querem saber se eu sou virgem ou não. Vou ter que apresentar o exame de virgindade. Dá positivo ou negativo, o que vocês acham?”, perguntou, na porta do Alvorada. (O Globo – 29/04/2020)