Carlos Alberto Di Franco: Audiência em alta. Até quando?

A população está cansada do jornalismo birrento, mas que não busca novas propostas

A curva não é exponencial. E provavelmente não chegará a ser. Mas em tempos de coronavírus o interesse da população por notícias vem crescendo de maneira significativa em todo o mundo. Um conforto para os meios de comunicação, que, regra geral, há anos observam, atônitos, a retração de sua audiência.

O estudo Media Consumption and Sport, da Global Web Index, foi um dos que registraram o aumento após ouvir 4 mil pessoas dos EUA e do Reino Unido para verificar como o isolamento social vinha alterando seus hábitos de consumo de mídia. O resultado é pra lá de animador: 87% dos norte-americanos e 80% dos britânicos que participaram do levantamento afirmaram que desde o estouro da pandemia vêm recorrendo mais à televisão aberta, aos sites de notícia e às emissoras de rádio para se manterem informados sobre a doença.

Porcentagens animadoras, mas não necessariamente surpreendentes. Apenas reforçam o que sempre soubemos: notícias relevantes e histórias bem contadas atraem e a população, independentemente do contexto, deseja estar informada. O que chama a atenção é que, mesmo tendo outras fontes de informação digitais possíveis, o público tenha escolhido as tradicionais emissoras de TV e os portais de notícias para se manter atualizado e protegido da boataria.

Sem dúvida, há muito a comemorar. Estourada a pandemia, os meios de comunicação que mantinham conteúdos exclusivos para assinantes derrubaram seus muros. Estavam conscientes de seu papel social e do serviço que deveriam prestar aos cidadãos fragilizados pelos efeitos diretos e indiretos da doença. Foi como o renascer do verdadeiro jornalismo e o reencontro de sua razão de existir.

Mas não basta noticiar. É preciso que as notícias incidam diretamente na vida da audiência. É o que diz o estudo Consumo de informações sobre o coronavírus no Brasil, publicado há dias pela Orbis Media Review, um hub de produção de conhecimento e análise de tendências no jornalismo que tive a alegria de ver nascer recentemente como um desdobramento do Master em Jornalismo. “O fato de quase a metade da amostra dizer que gostaria de saber mais sobre a situação do coronavírus em seu bairro e na sua cidade evidencia um problema maior que o jornalismo vem registrando mais amargamente nos últimos meses: a crise do jornalismo local”, pontua o informe, que entrevistou 240 pessoas.A população está cansada do jornalismo birrento, que mostra os dentes ao poder público, mas não busca novas propostas. Apenas com a aposta numa abordagem local, que escancare, sim, as mazelas sociais, mas também mostre possíveis soluções, é que os veículos serão capazes de dar à cobertura um diferencial perceptível. Só assim conseguirão dar o passo seguinte no processo de reconciliação com o público e transformar esses novos leitores em assinantes. Esse seria o mundo ideal para as empresas de comunicação que há anos vêm quebrando a cabeça para conciliar dois objetivos opostos: garantir o direito à informação e, ao mesmo tempo, buscar receitas para que o negócio siga em pé.

Os dois estudos mencionados não são tão otimistas em relação a esse ponto. O relatório do Global Web Index alerta sobre as fragilidades dos veículos ante as plataformas de entretenimento, por exemplo. Enquanto 30% dos entrevistados da geração x (16 a 23 anos) disseram cogitar de assinar os serviços da Netflix, apenas 5% se mostram dispostos a pagar pelo New York Times. “As pessoas consideram as notícias como um recurso gratuito que será consumido durante o surto”, afirma.

No Brasil, o tamanho do abismo entre o consumo de informação e a propensão a pagar para acessar esse conteúdo é similar: embora porcentagem bastante significativa diga estar dedicando mais tempo às notícias, apenas uma mínima parte projeta pôr a mão no bolso quando a poeira da pandemia baixar. No levantamento realizado pela Orbis Media Review, apenas 5% dos entrevistados que ainda não pagam por produtos de mídia pretendem tornar-se assinantes. A imensa maioria (75%) não pensa em estreitar relações com os veículos. “O desafio da indústria, portanto, vai além de entregar informação de qualidade e credibilidade. É preciso trabalhar a percepção do público diante de produtos editoriais, com foco no restabelecimento da confiança e no fortalecimento de uma proposta de valor.”

Não há como negar que os tempos são propícios ao fortalecimento do jornalismo. Mas para que os frutos sejam duradouros há muito a ser feito. É urgente que cada meio de comunicação avalie integralmente seu trabalho e busque fórmulas para uma cobertura mais serena, propositiva, relacionada aos problemas reais da população. Ainda lhes falta conhecimento aprofundado da audiência e, consequentemente, se faz um jornalismo que não é percebido como relevante. A falta de adesão do público a um modelo de pagamento talvez não seja apenas uma questão de prioridade financeira.

Audiência bombando. Notícias em alta. É um fato positivo. Mas até quando? O jornalismo não é uma via de mão única. Para fidelizar é preciso conhecer, ouvir, admitir críticas, interagir. (O Estado de S. Paulo – 20/04/2020)

CARLOS ALBERTO DI FRANCO, JORNALISTA – E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

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