Nos últimos anos houve uma grande alteração na alimentação dos brasileiros. Com uma rotina de vida cada vez mais intensa e estressante, as pessoas passaram a buscar maior comodidade e agilidade, sendo que muitas vezes deixam de prestar atenção no alimento que estão comendo. Com a entrada massiva da indústria de alimentos processados e ultraprocessados no mercado, a forma de consumo foi modificada, com a redução da quantidade de alimentos naturais e o aumento do consumo de fórmulas alimentares produzidas em laboratório. E o pior, esse tipo de alimentação passou a ser oferecido para as nossas crianças.
Com sabores agradáveis e em embalagens convidativas, somos atraídos para consumir alimentos que fazem mal à saúde. E o pior é que já colhemos os frutos dessa mudança brusca de consumo. 33% das crianças entre cinco e nove anos têm excesso de peso, sendo que 14% são obesas. Nos adolescentes, a incidência de excesso de peso é de 17% e de obesidade, 8%. Sendo que as crianças que têm obesidade têm grande chance de serem adolescentes e adultos obesos. A obesidade infantil é algo muito sério, podendo acarretar quadros de diabetes, doenças cardiovasculares e câncer.
Como a alimentação ultraprocessada é feita em larga escala, ela tem um menor custo, ou seja, é mais barata. Muitas pessoas que fazem consumo de grande quantidade de comida industrializada vão parar no Sistema Único de Saúde (SUS), o que também acarreta consequências para a própria sociedade.
O verdadeiro absurdo é vermos nas prateleiras dos supermercados alimentos industrializados com personagens infantis, que povoam o imaginário das nossas crianças. Um exemplo desse apelo absurdo do marketing das grandes empresas é a utilização da Turma da Mônica em alimentos ultraprocessados ofertados para crianças. Eu mesma cresci lendo os gibis da Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão. Mas jamais poderia imaginar que eles pudessem estampar produtos que fazem mal para a saúde dos meus filhos. Uma grande decepção!
Existe, no mínimo, um grande conflito de interesses. Como a Maurício de Sousa Produções, que se comunica por décadas tão bem com as crianças, sendo nossos principais personagens infantis genuinamente brasileiros, entram nesta seara completamente mercadológica? Realmente me causa espanto não pararmos para fazer essa reflexão.
São alimentos de péssima qualidade nutricional, extremamente nocivos para a dieta das nossas crianças. Defendo o empreendedorismo, a livre iniciativa e que o Estado intervenha o mínimo possível na vida dos empresários, mas não posso fechar os olhos para os malefícios que o uso de personagens infantis em alimentos industrializados causa à sociedade.
Não se trata de criticar simplesmente as empresas, mas questionar o latente desequilíbrio que acontece hoje. Observamos uma oferta, e aqui digo publicidade, muito mais ostensiva de produtos que não são saudáveis para o consumo infantil. Neste ponto, defendo o fim da publicidade de alimentos industrializados para crianças camuflados por personagens admirados e amados.
Tanto a Maurício de Souza Produções, quanto tantas outras, deveriam se constranger em licenciar seus personagens para que sejam estampados em qualquer produto industrializado destinado ao consumo infantil. É imoral permitir que a indústria de alimentos processados continue fazendo publicidade de seus produtos utilizando personagens infantis. Aonde foi parar a ética e o bom senso dos nossos velhos amigos das histórias em quadrinho?
É preciso nos protegermos. Não vamos permitir que a credulidade e confiança das nossas crianças nos personagens infantis sejam usadas abusivamente por aqueles que querem apenas lucrar de forma obscura com a venda de alimentos que não são saudáveis. Mas o que mais nos assusta é a esperteza com que estas empresas se infiltram entre os formadores de opiniões, no próprio Congresso Nacional, no Executivo e em milhares de ações educacionais em escolas de todo o país.
Faço um apelo para uma verdadeira reunião da sociedade juntamente com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como com os pediatrias e psicólogos e institutos em defesa das nossas crianças, para travarmos uma verdadeira cruzada contra esse abuso que nos deparamos todos os dias nas gôndolas dos supermercados. Não vamos permitir que projetos de leis sejam barrados e nem que ações por uma alimentação mais saudável não recebam incentivo.
Uma coisa é ganhar dinheiro com o imaginário das crianças. Outra coisa bem diferente é ganhar dinheiro com venda de produtos que fazem mal, se utilizando do imaginário infantil.
Vamos cada vez mais ensinar os nossos filhos a escolherem alimentos que tragam mais saúde e uma vida boa. (Correio Braziliense – 15/03/2020)
Paula Belmonte, deputada federal pelo Cidadania-DF