NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILLIENSE
“Aquele que não sabe se adaptar às realidades do mundo sucumbe infalivelmente aos perigos que não soube evitar (…) Aquele que não prevê as consequências de seus atos não pode conservar os favores do século” (As Mil e Uma Noites). Desde a década de 1970, a Arábia Saudita manipula o fato de que o petróleo não tem uma fonte renovável, virando a mesa na relação com as grandes potências. O desenvolvimento da economia do carbono, com a industrialização e a ampliação do consumo, somente aumentou seu poder de barganha, liderando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Foi-se o tempo em que as chamadas “Sete Irmãs” (Standart Oil, Royal Dutch, Shell, Móbil, Gulf, BP e Standart Oil da Califórnia) controlavam os preços do mercado.
A primeira crise do petróleo ocorreu em 1956, quando o Egito nacionalizou o Canal de Suez, que era de propriedade anglo-francesa. A medida fez com que o abastecimento de produtos nos países ocidentais fosse interrompido, o que causou aumento dos preços do petróleo. O segundo momento foi em 1973, em protesto ao apoio que os Estados Unidos deram a Israel durante a Guerra do Yom Kipur: os países-membros da Opep novamente supervalorizaram o preço do petróleo. Entre outubro daquele ano e março de 1974, ou seja, em cinco meses, aumentou 400%, com reflexos nos Estados Unidos e na Europa, e desestabilizou a economia mundial.
Essa crise foi um fator decisivo para o colapso do chamado “milagre brasileiro”, durante o governo de Ernesto Geisel, o que colocou em xeque o regime militar. A resposta do governo foi criar o programa do álcool e iniciar a busca de petróleo no mar, para reduzir a dependência. Só recentemente o Brasil passou a ser autossuficiente na produção de petróleo. Nova crise ocorreu após a Revolução do Irã, cuja guerra com Iraque reduziu a produção de petróleo, eram os dois maiores produtores, e a oferta do petróleo foi bastante reduzida no mercado mundial. Em 1991, a Guerra do Golfo gerou outra crise. O Kuwait foi invadido pelo Iraque, os Estados Unidos intervieram no conflito e expulsaram os iraquianos do Kuwait, que, ao sair, incendiaram poços de petróleo.
Na crise financeira de 2008, iniciada no mercado imobiliário dos Estados Unidos, movimentos especulativos de escala global fizeram com que o preço do petróleo subisse 100% entre os seis primeiros meses do ano. Agora, estamos diante de nova crise, provocada pela Arábia Saudita, num cenário em que os preços do petróleo já estavam em baixa, por causa da epidemia de coronavírus, que desacelerou a economia global e afetou a demanda por energia. Os membros da Opep ainda são os maiores produtores de petróleo do mundo, juntos somam 27,13% da produção mundial.
Desabando
Na sexta-feira, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) sugeriu a diminuição da produção, estabilizando os preços da commodity. Mas a Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo, condicionou o corte à colaboração da Rússia, que não faz parte da Opep e rejeitou a medida. No domingo, a Arábia Saudita, em retaliação, anunciou uma redução no preço de venda e um aumento na produção a partir de abril, o que provocou uma nova crise. Ontem, os preços do petróleo desabaram cerca de 25%, para perto de US$ 30, na maior queda diária desde a Guerra do Golfo. As bolsas de valores derreteram, inclusive a de Nova York.
No Brasil, a Bovespa desabou 12,16%, sua maior queda em mais de 20 anos. Voltou ao patamar de 27 de dezembro de 2018, quando marcou 85.460 pontos. Logo na abertura da sessão, o índice despencou 10%, atingindo mínimas em mais de um ano, o que provocou a interrupção das negociações (circuit breaker). Às 10h32, o índice registrou queda de 10,02%, recuando a 88.178 pontos, quando as negociações foram interrompidas por 30 minutos. O Banco Central (BC) teve de intervir no câmbio, vendendo dólar, torrando R$ 3 bilhões em reservas. A Petrobras perdeu R$ 91 bilhões em valor de mercado, avaliada em R$ 215,8 bilhões, contra um valor de R$ 306,9 bilhões no fechamento dos mercados na sexta-feira.
Com o PIB de 1,1% de 2019, o Brasil já estava em marcha lenta, correndo risco de desaceleração, por causa do impacto no coronavírus na economia mundial, principalmente a chinesa. Com a nova crise do petróleo, a conjuntura econômica mudou completamente, mas parece que o presidente Jair Bolsonaro ainda não percebeu a verdadeira dimensão do problema. Briga com aqueles com os quais precisa contar para enfrentar o cenário mundial, sobretudo o Congresso. Precisa se dar conta das mudanças em curso e da gravidade do momento que o país atravessa. Os principais problemas do país são de ordem objetiva, ou seja, não se resolvem com narrativas ideológicas, num jogo de perde-perde. (Correio Braziliense – 10/03/2020)