Presidente não está confortável com proposta da Economia, pois avalia que desgaste político é inevitável, segundo fontes do jornal “O Globo” (Foto: Reprodução)
Bolsonaro indica a aliados que pode deixar reforma que mexe com servidor em ‘banho-maria’
Thais Arbex e Naira Trindade – O Globo
A insegurança do presidente Jair Bolsonaro sobre ser o fiador de uma reestruturação no funcionalismo público travou, ao menos por enquanto, o avanço da reforma administrativa.
Em conversas recentes, o presidente indicou a aliados não estar confortável com o texto proposto pelo Ministério da Economia e sinalizou que pode deixar a proposta em “banho-maria” por tempo indeterminado.
A hesitação de Bolsonaro e o consequente vaivém do governo em torno do envio de uma proposta própria de reforma administrativa ao Congresso tem como pano de fundo uma queda de braço entre a equipe econômica e ministros da “cozinha” do Palácio do Planalto.
A avaliação do entorno mais próximo ao presidente é que a proposta defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, pode acabar com carreiras de Estado.
Carreiras de Estado
Segundo aliados, tão logo recebeu o texto de Guedes, Bolsonaro pediu que os ministros da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira; da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário; e da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, avaliassem a proposta.
Nesse contexto, a atuação de Jorge Oliveira foi fundamental para segurar arroubos na proposta. Pessoas próximas ao ministro dizem que ele não é contra o projeto, mas está preocupado em preservar carreiras tidas como fundamentais para o Estado, como as jurídicas e as diplomáticas.
Depois de se debruçar sobre o texto por quase um mês, o time jurídico apresentou uma nova versão da reforma a Bolsonaro, destrinchando cada um dos itens modificados.
A avaliação levada ao presidente foi a de que a proposta da Economia abriria brecha para, entre outros pontos, entregar a empresas privadas a gestão de áreas estritamente públicas.
Disputa com Dória
De acordo com integrantes do alto escalão do governo, o parecer elaborado não agradou ao presidente. Tanto que, em uma reunião com a equipe econômica, Bolsonaro bateu na mesa e perguntou se alguém ali estava trabalhando para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) – que pretende disputar a Presidência da República em 2022.
A auxiliares, Bolsonaro demonstrou incômodo com o fato de sua equipe econômica usar a reforma gestada por seu governo para, em sua concepção, propor um redesenho do Estado que atenderia a aspirações de seu adversário político.
O GLOBO apurou que, mesmo com as mudanças feitas pelos auxiliares jurídicos, Bolsonaro tem dito que não se sente à vontade para tocar a reforma. A resistência se baseia na avaliação de que, apesar de o texto estar mais alinhado às demandas do funcionalismo, o impacto político da proposta é inevitável.
Essa análise é compartilhada pelos integrantes da ala militar do Planalto, principalmente pelos generais Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Eles estão no grupo de auxiliares que têm dito ao presidente que o texto não está redondo e que é preciso cautela antes de enviá-lo ao Congresso.
Desculpa para blindar servidor
No Ministério da Economia, a avaliação de pessoas próximas a Guedes é que o discurso do timing político é apenas uma desculpa para blindar os servidores públicos. Ou seja, que o Planalto estaria atuando de maneira corporativista para evitar regras que podem alterar, entre os outros pontos, o regime de contratação e planos de carreira.
Em conversas recentes, Guedes tem dito não acreditar que Bolsonaro vá desistir da reforma, uma vez que teria se comprometido com ela.
Como o impasse longe de ser solucionado, auxiliares de Bolsonaro no Planalto dizem ver as digitais do chefe da Economia nos movimentos da terça-feira, quando foi citada a possibilidade de o governo abrir mão de sua proposta própria e oferecer “sugestões” a outra Proposta de Emenda à Constituição (PEC) já tramitando no Congresso.
Guedes pressiona para que a reforma comece a tramitar no Congresso antes do carnaval. Na terça-feira, ele teria conversado com Bolsonaro para pedir que a proposta fosse enviada ao Legislativo no dia seguinte. O texto já estava concluído.
Preocupação eleitoral
A preocupação do ministro tem motivo: 2020 é ano eleitoral, e deputados e senadores dedicarão grande parte da agenda do segundo semestre à disputa. Assim, a discussão da reforma poderia ser prejudicada se não começasse imediatamente.
Além disso, como a reforma também atinge servidores de estados e municípios, há o temor de que parlamentares não estejam dispostos a tratar de um tema que pode prejudicá-los em suas bases eleitorais.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pressionou o Planalto, deixando claro que não aceitaria a alternativa proposta. O governo foi forçado a vir a público comunicar que vai mandar projeto próprio. Um dos argumentos é que haverá “vícios de iniciativa”, ou seja, só o Executivo teria competência para propor ao Congresso alterações nas regras da sua gestão.
Maia já disse que a reforma administrativa deve gerar impacto em dez anos de R$ 400 bilhões. Para especialistas, porém, a proposta não deveria ficar restrita a novos servidores.
Tentar mudar regras para novos servidores é medida de impacto em uma ou duas décadas. O país tem um problema grave, severo, de despesa com pessoal. Tem um problema atual com o gasto público crescente – avalia Marcos Lisboa, presidente do Insper. (Colaboraram Manoel Ventura e Cássia Almeida)
Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/bolsonaro-indica-aliados-que-pode-deixar-reforma-que-mexe-com-servidor-em-banho-maria-24245826