O ministro da Economia tem uma comunicação desastrada e vai criando polêmicas, pedindo desculpas quando uma frase causa mais estrago e, claro, sempre culpando a imprensa, por “tirar do contexto”. Parasita é nome do filme vencedor do Oscar e da última confusão em que Paulo Guedes se envolveu. Não há contexto que salve o que ele disse, ao se referir aos servidores públicos. Ele falava das reformas, em especial da PEC emergencial, para o ajuste em todos os níveis da federação:
— A notícia que eu quero dar. A primeira grande notícia é a seguinte: o Congresso abraçou as reformas, mesmo. O Pedro Paulo está lá com a PEC emergencial dele na Câmara, ela no início estava focada na União, eu tentei botar prefeitos, governadores, todo mundo no jogo, está aí a cláusula de emergência fiscal, o sujeito aperta o botão, é descentralizado.
Em vez de o governo dar ordem e controlar, não é o governo, nós somos uma federação. Se o prefeito quiser ir para o saco, deixa ele ir para o saco, ele foi eleito. Votaram nele, deixa ele depois fugir da polícia, correr lá da população. O problema é dele, se ele não quiser . Agora, se ele quiser, aperta o botão vermelho: Estado de Emergência Fiscal. Na mesma hora abre a porta do céu pra ele. Entra no programa de privatização, vem dinheiro do BNDES, ganha o direito de não dar aumentos automáticos de salários. O governo está quebrado, gasta 90% da receita toda com salário e é obrigado a dar aumento de salário. O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação. Tem estabilidade de emprego, tem aposentadoria generosa. Tem tudo. O hospedeiro está morrendo e o cara virou um parasita. O dinheiro não chega no povo e ele quer aumento automático. Não dá mais, a população não quer isso: 88% da população brasileira são a favor inclusive de demissão do funcionalismo.
Esse é o contexto. Há a necessidade de reforma administrativa, em todos os níveis de governo. Agora, a fala provocou tanta confusão que o governo pensa em desistir de ter uma proposta própria. O que ele precisa é se comunicar melhor. Naquele dia, ele fez outros estragos. Ainda sobre como funcionaria a PEC emergencial, Guedes deu o seguinte exemplo:
— Prefeito de Quixadá: Não consigo pagar nada à população, os 18 habitantes cercaram a minha casa, estão jogando pedra. Aperta o botão. Pararam os aumentos de salários por um ano e meio a dois. O país cresce 2,5%. Inflação, 4%. Receitas públicas, 7%. Em dois anos, acabou a crise fiscal. Ou seja, se você não fizer nada… Conversando com amigos políticos eu falo assim: se vocês forem para a casa dormir, está tudo certo, consertou tudo. Agora, para produzir uma crise fiscal, vocês têm que voltar e fazer merda sistematicamente. Tem que vir e aprovar. Se trabalhar, periga atrapalhar.
Vários erros numa única fala. Segundo o IBGE, Quixadá, no Ceará, tem 87 mil habitantes, e não 18. Se parar os aumentos de salários, a crise fiscal não acaba. O pior erro que se pode cometer é subestimar a complexidade da crise fiscal no Brasil. E por fim, o ministro ofende os políticos em geral, o que reitera logo depois ao falar de deputados no cargo de ministro:
— Fica meia dúzia de caras querendo se consagrar como ministro, cada um desenha o seu superplano. Eu estava pensando em fazer uma ponte para a lua. O outro queria fazer a transposição do Rio Amazonas para quem sabe desembocar no Pacífico e a gente pode então fazer uma comunicação direta com a China. Cada um pensa o seu negócio que vai torná-lo importante e ele vai virar governador no próximo mandato se a obra for importante. E se parar tudo depois? Problema de quem vier depois.
Em outro momento, ele falou do STF:
— No pacto federativo, desenhamos como um livro. Vamos criar um ritual fiscal. Ter a cumplicidade do TCE, do TCU, criando referências. O STF, que de vez em quando dá um parecer que custa R$ 100 bi. Importante que ele entenda.
Foi por falar assim que Guedes produziu outros atritos: ofendeu a mulher de Macron para confirmar o que Bolsonaro dissera, “ela é feia mesmo”. Em conversa com jornalistas em Washington, disse “não se assustem, então, se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”, disse ecoando Eduardo Bolsonaro. Em Davos, afirmou que “as pessoas destroem o meio ambiente para comer”. Ele se explica, às vezes pede desculpas, sempre culpa a imprensa. O problema é que os atritos que cria acabam se refletindo na economia. (O Globo – 12/02/2020)