NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE
Os programas de tevê que fazem a cobertura policial no estilo “bandido bom é bandido morto” foram a principal causa do fechamento do jornal Notícias Populares, ligado ao Grupo Folha, que circulou de 1963 a 2001 na capital paulista e se notabilizou pelas manchetes “se-espremer-sai-sangue”e fotos de mulheres nuas. Criado pelo romeno Jean Nelle, abusava do que hoje seria chamado de fake news, como a história do Bebê Diabo, uma série fantasiosa de reportagens sobre uma criança que nasceu com deformações físicas, e o desaparecimento de Roberto Carlos, que, na verdade, estava em viagem aos Estados Unidos e, por isso, não havia sido localizado pelos repórteres do jornal.
No Rio de Janeiro, o jornal Luta Democrática, fundado pelo político fluminense Tenório Cavalcanti, que circulou de 1954 a 1980, também abusava de manchetes sensacionalistas, como “Violada no Auditório”, a propósito do fato de o cantor Sérgio Ricardo ter quebrado o violão durante uma apresentação musical, e “Cachorro fez mal à moça”, um caso banal de infecção intestinal por causa de um sanduíche de salsicha, ambas de autoria do jornalista Carlos Vinhaes. Sexo, sangue, dinheiro e poder eram os quatro pilares dos jornais policiais norte-americanos da década de 1950 que serviram de paradigma para o NP e a Luta.
O escritor norte-americano James Ellroy, autor de Los Angeles — Cidade Proibida, se inspirou no noticiário policial para escrever sua trilogia sobre a política norte-americana, que começa com Tablóide Americano, sobre os bastidores do assassinato do presidente John Kennedy, continua com Seis Mil em Espécie, a operação de “queima de arquivo” da conspiração, e termina com Sangue Errante, no qual narra a derrocada norte-americana no Vietnã e os bastidores do governo de Richard Nixon. Todos foram publicados no Brasil pela Editora Record. Ellroy é um dos grandes escritores “noir”, gênero de literatura policial que surgiu nos Estados Unidos na época do macarthismo. Sua narrativa se baseava em pesquisas sobre personagens reais e muita literatura, ou seja, a fusão de realidade e ficção.
A morte do ex-capitão do Bope do Rio de Janeiro Adriano da Nóbrega, que estava foragido no interior da Bahia, é um prato cheio para um escritor “noir”. Embora a versão oficial seja a de que resistiu à prisão, as circunstâncias de sua morte alimentam suspeitas de que teria havido uma “queima de arquivo”. Adriano não estava sendo investigado no caso do assassinato da vereadora do PSOL Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, mas era um dos chefões do chamado Escritório do Crime, grupo de extermínio da milícia do Rio de Janeiro, do qual faziam parte o sargento reformado da PM Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz, suspeitos do assassinato de Marielle.
Adriano era um dos denunciados da Operação Intocáveis, coordenada pelo Gaeco do Rio de Janeiro. Quando foi deflagrada, em janeiro de 2019, foram presos cinco homens acusados de integrar a milícia que atuava em grilagem de terra, agiotagem e pagamento de propina em Rio das Pedras e na Muzema, na Zona Oeste do Rio. Segundo a polícia baiana, estava sendo investigado por envolvimento em operações de compra e venda de gado e de fazendas na Bahia, para lavagem de dinheiro.
Parceiros
Primeiro, a operação ocorreu na Costa do Sauípe. Adriano não foi achado no local. Entretanto, o Bope da Bahia o localizou na chácara do vereador Gilson Lima, do PSL de Esplanada, município a 165 quilômetros de Salvador, irmão do deputado estadual Alex Lima, ex-PTN, hoje filiado ao PSB. Os dois são irmãos de Rodrigo de Dedé, ex-prefeito de Esplanada. O secretário de Segurança da Bahia, Maurício Barbosa, sustenta que os policiais abriram fogo contra Adriano porque ele resistiu à abordagem.
Adriano sempre teve ligações com Fabrício Queiroz, amigo do presidente Jair Bolsonaro e ex-assessor parlamentar do senador Flávio Bolsonaro, então deputado na Assembleia Legislativa fluminense. Os dois trabalhavam juntos no 18º Batalhão da Polícia Militar, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, quando mataram Anderson Rosa de Souza, durante uma ronda na Cidade de Deus. No mesmo ano, por iniciativa do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, a Assembleia Legislativa do Rio aprovou uma moção de louvor a Adriano “pelos inestimáveis serviços” prestados à PM.
Adriano foi condenado por homicídio em 2005. Mesmo assim, na Câmara, o então deputado federal Jair Bolsonaro discursou em sua defesa. E a Assembleia Legislativa do Rio concedeu a Adriano a Medalha Tiradentes, sua mais alta honraria, por iniciativa de Flávio. À época, Adriano já era ligado aos milicianos. Chefe de gabinete de Flávio na Assembleia, Queiroz empregou a filha e a ex-mulher de Adriano, que são acusadas pelo Ministério Público de terem devolvido a Queiroz R$ 203 mil, parte dos seus salários. Queiroz e Flávio são investigados por envolvimento com a chamada “rachadinha” da Alerj. (Correio Braziliense – 11/02/2020)