Luiz Carlos Azedo: Parasitologia

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Na ciência, a parasitologia estuda os parasitas, seus hospedeiros e a relação entre esses organismos. Não são apenas os animais que possuem parasitas, todos os organismos vivos podem ser parasitados. Até mesmo uma bactéria pode ser alvo desse tipo de relação, como é o caso dos vírus bacteriófagos que se reproduzem no interior desses organismos. No parasitismo, apenas um dos organismos envolvidos é beneficiado. Isso, porém, não gera necessariamente a morte do hospedeiro.

O parasita pode se instalar tanto fora (ectoparasita) como dentro (endoparasita) do corpo do hospedeiro. Piolhos e carrapatos são exemplos do primeiro; as lombrigas, do segundo. Já o parasitoidismo é a situação na qual se observa a morte do hospedeiro: As vespas, por exemplo, colocam os ovos no interior de alguns artrópodes. Após eclodirem, as larvas alimentam-se do hospedeiro ainda vivo. Depois de algum tempo, elas matam o hospedeiro e emergem de seu interior.

Para os neodarwinistas, como o biólogo Richard Dawkins (O gene egoísta), o organismo humano é apenas uma “máquina de sobrevivência” do gene, cujo objetivo é a sua autorreplicação; a espécie na qual ele existe é a “máquina” mais adequada a essa perpetuação. Analisando o comportamento de algumas espécies animais, Dawkins explica que o altruísmo que se observa em muitas espécies não é contraditório com o egoísmo do gene, mas contribui para a sua sobrevivência. A tese leva as ideias liberais ao terreno da história natural, pois o egoísmo seria uma característica básica dos indivíduos, sendo o altruísmo uma necessidade de sobrevivência, apenas.

Dawkins desenvolve o conceito de “meme” como o equivalente cultural ao gene, que seria uma espécie de unidade básica da memória ou do conhecimento que o ser humano transfere para os descendentes. A comparação da relação entre a administração pública e os que dela se aproveitam com o parasitismo faz todo o sentido, mas daí a classificar o servidor público de parasita, como fez o ministro da Economia, Paulo Guedes, há uma enorme distância. Mudando de paradigma, é tão equivocado como chamar de parasitas os operadores do mercado financeiro, categoria da qual o ministro faz parte, com muito êxito.

Duas éticas

Existe, sim, parasitismo na administração pública brasileira. A Operação Lava-Jato está aí mesmo para mostrar a plêiade de ectoparasitas e endoparasitas que tomou de assalto, por exemplo, as operações da Petrobras e a preparação da Copa do Mundo de 2014, mas comparar os servidores públicos às pulgas, aos carrapatos e às lombrigas é uma agressão alucinada e inaceitável. Não foi à toa que o ministro Guedes se viu obrigado a distribuir uma nota afirmando que a frase na qual chama os servidores públicos de parasitas foi retirada do contexto — a culpa das declarações infelizes é sempre dos jornalistas. Guedes levou um puxão de orelhas do chefe, o presidente Jair Bolsonaro, mantido pelo erário público desde a juventude, seja como militar, seja como político.

Às vésperas de uma reforma administrativa cujo objetivo é reduzir custos, aumentar a eficiência e eliminar privilégios na máquina pública, a frase de Guedes revela que, mesmo cercado de excelentes técnicos do setor público, não se deu conta de que não existe administração eficiente e moderna sem um corpo burocrático qualificado e motivado. Ou seja, não conseguirá dar seguimento às reformas que preconiza sem conquistar o apoio dos servidores públicos de carreira.

Aliás, o governo Bolsonaro começa a pagar o preço por subestimar e tratar com preconceito os servidores, como no caso dos desmontes das equipes técnicas do INSS e da Dataprev, hoje com uma fila de 2,6 milhões de pessoas esperando aposentadorias e benefícios. Não se trata de defender o corporativismo e ser contra a privatização de estatais, como a Eletrobras, os Correios, a BR Distribuidora e outras. Mas é um erro crasso desvalorizar os servidores e, inclusive, não reconhecer a existência de centros de excelência na gestão pública, como o BNDES, a FGV, o Inep, o Inpe, a Funai, a Polícia Federal e o Itamaraty. Isso não tem nada a ver com eliminar privilégios e mordomias.

O outro lado da moeda é a tensão permanente entre a ética das convicções, como a do ultraliberal Paulo Guedes, que persegue o “estado mínimo”, e a ética da responsabilidade, que serve de eixo condutor e moral da atuação da burocracia de carreira, responsável por zelar pela legitimidade dos meios empregados pelo governo. Talvez o grande incômodo de Guedes não seja propriamente a existência de servidores parasitando a máquina pública — eles também existem —, mas as exigências legais e institucionais que o governo precisa observar para viabilizar as reformas. Ou seja, o fato de que gostaria de impor a sua reforma administrativa a qualquer preço, colocando-se acima das instituições e do ordenamento democrático vigente. (Correio Braziliense – 09/02/2020)

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