O mundo ficou muito mais conectado, a produção, mais distribuída pelos países, e as economias são mais dependente da China desde que uma epidemia — a Sars, em 2003 — provocou uma redução de 2% do PIB chinês. Hoje, a China é o grande fornecedor e também o grande comprador mundial. Se a paralisação das atividades se prolongar, o prejuízo será enorme e o impacto, muito maior. É o que dizem os especialistas da área de comércio.
Com o anúncio de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou emergência global para o novo coronavírus, e a informação de que houve transmissão entre humanos nos Estados Unidos, os mercados tiveram outro dia de volatilidade. O dólar no Brasil bateu R$ 4,27 e depois fechou em R$ 4,25. Esses movimentos de preços de ativos podem se reverter facilmente. No fim do dia, as bolsas do Brasil e dos EUA fecharam no equilíbrio, mas o Ibovespa chegou a cair mais de 2%. É que se considerou que a OMS não recomendou restrições duras como se temia. Mas o fato é que o mundo está diante de uma enorme incerteza e por isso continuará havendo dias de quedas e de altas súbitas em vários ativos. Há neste momento a consciência de que ainda não se sabe como conter o vírus e que o único remédio para mitigar seus efeitos é parar a economia mais dinâmica do planeta.
Um dos temores é a rapidez com que o vírus está se espalhando no mundo. “O número de casos reportados cresceu de 282 em 20 de janeiro para perto de 7.800 apenas nove dias depois. Neste mesmo tempo os quatro casos reportados fora da China continental multiplicou-se para 105”, registra a revista “The Economist”. Outro temor é que não se sabe como a doença se espalha e como contamina.
O empresário Paulo Castelo Branco, da Associação dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais, acha que só na semana que vem será possível calcular o tamanho do impacto econômico da crise. Como eclodiu no feriado do Ano Novo Lunar, que terminaria na segunda-feira, os compradores e fornecedores da China já estavam preparados para a suspensão dos negócios nesse período.
— Na segunda-feira encerraria as duas semanas que são a única data em que a China para de trabalhar. Mas a gente já percebe, tendo contato com empresas que importam de lá, que as entregas podem ser adiadas, já que o governo prorrogou por mais dez dias a paralisação. Como a China fornece para o mundo inteiro, haverá impacto na produção mundial. As empresas daqui estão tentando entender quais serão esses efeitos e em que intensidade — disse Castelo Branco.
Empresas que importam máquinas da Europa também sentem dificuldade, porque o que está parando é a cadeia de produção. Mesmo sendo proveniente da Europa, uma máquina pode ter inúmeros componentes chineses. O ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral diz que o mundo está tentando comparar com outros casos de epidemia global para prever o efeito econômico do vírus.
— Boa parte da aposta do mercado hoje é se vai ser um modelo mais parecido com o do Sars. Ou seja, de até 2% de queda no crescimento da economia chinesa, um impacto que vai diminuindo quanto menor for o grau de dependência que os países têm da China.
O cenário de uma paralisação prolongada é assustador pelos efeitos sequenciais sobre as cadeias de produção do mundo. Segundo Castelo Branco, são muitos os setores que importam da China, ou de outros países que dependem de fornecimento chinês. Só para citar um exemplo, a Volkswagen importa da Alemanha que por sua vez importa da China. Da indústria da construção civil ao setor de agricultura, da automobilística à indústria aeronáutica, todos compram dos chineses. A importação brasileira de produtos chineses chega a US$ 35 bilhões por ano, ou 20% de tudo que o país compra do exterior. A paralisia da China afeta o Brasil.
Já na exportação, há matérias-primas, como minério de ferro, que dependem do que a indústria chinesa esteja processando. Mas há demandas que são mais inelásticas, como os alimentos.
O mundo está no escuro diante dessa epidemia que ontem virou oficialmente uma emergência global. A corrida é para proteger a vida humana e evitar uma pandemia. Para isso, a economia será atingida. Pelo fato de ter se tornado mais globalizada, a economia depende mais hoje dos fluxos que estão interrompidos e das conexões que estão suspensas. O tamanho da crise será proporcional à paralisação. (O Globo – 31/01/2020)