MANCHETES
O Globo
Fux suspende juiz de garantias por prazo indeterminado
Bolsonaro diz que Ministério da Segurança Pública pode voltar
Contágio se amplia, e mundo reage ao coronavírus
Cientistas descobrem caminho para eliminar HIV do corpo
Medicina do Viajante ajuda evitar problemas de saúde nas férias
Abandono toma o entorno do MAM
Começa hoje uso de carvão ativado na água de Guandu
Valor de venda da Eletrobras deve sair do Orçamento
MPF recomenda que MEC suspenda inscrições do Sisu
O Globo termina 2019 na liderança entre jornais do país
Príncipe saudita é suspeito de hackear dono da Amazon
O Estado de S. Paulo
Liminar de Fux desautoriza Toffoli, Bolsonaro e Congresso
Pelo menos 5 países detectam o coronavírus
TCU deve exigir civis para conter filas no INSS
Amazônia ganha destaque em Davos
Aprovação do governo sobe, aponta pesquisa
Anvisa simplifica entrada de canabidiol
Estresse causa cabelo branco
Hackeamento de Bezos vai à ONU
Folha de S. Paulo
Sem cargo oficial, irmão de Bolsonaro medeia verba
Mortos por vírus sobem para 17; Brasil descarta caso
Procuradoria recomenda que MEC suspenda Sisu
Receita intima mais de 30 artistas da Globo
Por prazo indefinido, Fux suspende juiz de garantias
Grow suspende bicicleta e reduz patinete no país
Maior negócio de locadora é revenda de carro seminovo
Associação não detalha dados contestados sobre as venda no Natal
Homicídios têm queda no RJ; mortes pela polícia batem recorde
Pesquisadores conectam estresse a surgimento de cabelos brancos
Investidor sinaliza que voltou a ter confiança no Brasil
Cerimônia de Auschwitz vira palco para a disputa Rússia-Ocidente
Al Gore contesta fala de Paulo Guedes que ligou desmate à pobreza
Valor Econômico
União economiza R$ 417 bi com juros em quatro anos
BBDTVM será privatizada até junho
Guru de Buffett vê bolsas caras e riscos elevados
Governo quer tirar Juizados de aeroportos
Brasil ‘exporta’ executivas para os EUA
Frustração de negócios pode ferir imagem de governador
EDITORIAIS
O Globo
Indiciamento de jornalista é afronta
Procurador denunciar Greenwald, não responsabilizado pela PF, significa investir contra a Carta
A Operação Lava-Jato, lançada a partir de Curitiba em março de 2014, seria um marco histórico e atrairia apoiadores apaixonados e críticos ferozes. Não deixaria de causar ruidosas e duradouras repercussões uma força-tarefa criada entre Justiça, Ministério Público, Polícia Federal e Receita capaz de desmontar, entre outros esquemas de corrupção, aquele batizado de petrolão, montado dentro da Petrobras num conluio entre PT, legendas aliadas (PMDB e PP), empreiteiras e dirigentes da estatal. O caso se desdobrou em investigações e processos na Suíça, nos Estados Unidos e em vários países latino-americanos. Bilhões foram devolvidos ou pagos em multas pela estatal para não ser indiciada pela Justiça americana. Um ex-presidente da República, Lula, foi preso.
Ainda se sucedem implicações geradas pela Lava-Jato, como intensas escaramuças no Legislativo e na própria Justiça entre os que desejam domesticar uma repressão mais firme à corrupção e correntes que mesmo admitindo alguns exageros nas investigações querem preservar a espinha dorsal deste modelo de trabalho contra o roubo do dinheiro público, inédito no país, e que vem sendo construído há muito tempo.
Dentro deste contexto, um procurador da República, Wellington Divino de Oliveira, do Distrito Federal, acaba de denunciar o jornalista americano Glenn Greenwald, radicado no Brasil, pela invasão de caixas postais de autoridades, dentro do sistema de mensagens russo Telegram. Greenwald, do site Intercept, recebeu de hackers, devidamente investigados e sendo processados, uma grande quantidade de mensagens trocadas entre o ainda juiz da Lava-Jato Sergio Moro e procuradores, entre eles, Deltan Dalllagnol, chefe do MP na operação.
Há um debate e enorme divergência em torno da importância jurídica do material, sem dúvida usado por interessados em degradar a imagem de Moro e ajudar investigados. Há também, deve-se reconhecer, quem de boa-fé se preocupa com o respeito aos espaços de privacidade e de atuação do Estado definidos pela Constituição. E há também má-fé.
Mas agora o que importa é rechaçar o ataque ao jornalista, protegido pelo direito de informar e do sigilo da fonte. Mesmo que ela já seja conhecida, é afrontoso tentar acumpliciar Glenn Greenwald com os hackers, com base em interpretações forçadas de frases soltas em diálogos travados entre Glenn e Walter Delgatti Neto, obtidos pela Polícia Federal. Que, por sinal, nada viu nas investigações que identificasse a “participação material” do jornalista nos crimes de interceptação e roubo dos diálogos.
É preciso separar o que é importante daquilo que só atrapalha o entendimento do que aconteceu. Investigar o que esteve por trás da invasão de privacidade e tudo o mais não pode avançar sobre o espaço da liberdade constitucional de imprensa e, por decorrência, do jornalista. Que não pode é propagar mentiras, calúnias e difamações. Moro e Dallagnol não reconhecem o material vazado, que não serve de prova na Justiça por ter sido roubado. Já as implicações políticas são livres numa sociedade que se pretende aberta. Inaceitável é o MP, por meio de um procurador, buscar vingança no uso do cargo.
O Globo
Tragédia de Brumadinho, que faz um ano, não pode ficar impune
Investigações mostram que empresa omitiu informações sobre fragilidade de barragem
Há quase um ano, brasileiros assistiam, em estado de choque, às cenas de horror provocadas pelo rompimento da barragem da Mina do Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG). Os rios de lama, a paisagem devastada, o desespero de parentes de vítimas e sobreviventes, o heroísmo dos bombeiros, tudo parecia reprisar o pesadelo vivido três anos antes, na catástrofe de Mariana, que matou 19 pessoas e causou danos ambientais incalculáveis. Não havíamos aprendido com a tragédia. E veio outra, em escala muito maior — nos últimos 12 meses, bombeiros recolheram 259 corpos, e 11 pessoas ainda estão desaparecidas.
Mas o desastre, o maior desse tipo já ocorrido no país, não é obra do acaso. Ao contrário. Resulta de uma avalanche de erros cometidos pela empresa, que desprezou normas de segurança e omitiu dados sobre a fragilidade da barragem; por governos, generosos na concessão de licenças e negligentes na fiscalização; por consultorias que se especializaram em forjar laudos; por parlamentares, que fizeram lobbies para travar leis mais rigorosas para a mineração, e por agências que falharam no controle dessas estruturas, muitas delas erguidas com métodos obsoletos.
À medida que as investigações avançam, fica evidente que a tragédia, mais do que previsível, era só uma questão de tempo. Denúncia do Ministério Público de Minas Gerais aponta que a Vale tinha um sistema, o GRG, com informações sigilosas sobre dez barragens em situação de “risco inaceitável” — Brumadinho entre elas —, dados que foram omitidos da sociedade, de acionistas, investidores e do poder público.
Na terça-feira, o MP de Minas denunciou 16 pessoas por homicídio duplamente qualificado e crime ambiental. Entre elas, o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman, dez funcionários da mineradora e cinco da consultoria Tüv Süd, que emitiu laudo atestando a estabilidade da represa. Esta é apenas uma das investigações sobre o desastre.
Após o rompimento, mudaram-se normas sobre barragens, protocolos para retirada das populações em risco, e sugiram propostas para tornar a legislação mais rigorosa. De fato, é preciso passar tudo a limpo, para melhorar a regulação do setor e impedir as falhas gritantes de Brumadinho, onde instalações da empresa, como um restaurante, ficavam na rota da lama. Mas é fundamental que se punam os responsáveis, indo na contramão de outras tantas tragédias brasileiras que não apontaram culpados. A impunidade é o maior estímulo para que surjam outros Brumadinhos e Marianas.
O Estado de S. Paulo
Uma boa iniciativa
Criação do Conselho da Amazônia e da Força Nacional Ambiental, se concretizada, tem tudo para ser um bom passo na direção da formulação de uma política ambiental realista
Depois de um ano de bravatas, caneladas e falta de rumo na área ambiental, o governo de Jair Bolsonaro afinal tomou uma iniciativa que, se for conduzida com propriedade, pode ajudar a reverter o desastroso desempenho do Brasil nessa seara, considerada crucial para o desenvolvimento.
Trata-se do anúncio da criação do Conselho da Amazônia, cujo objetivo, segundo o presidente, será coordenar as ações de vários Ministérios em projetos para a proteção e o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Na mesma linha, o governo informou que será criada uma Força Nacional Ambiental, em articulação com os Estados da região, destinada a combater o desmatamento e outros crimes ambientais.
São ações de quem parece ter entendido a gravidade do problema – mesmo que tenha sido mais por pressão do que por convicção. O desmatamento na Amazônia vem batendo recordes, mas esse desastre foi tratado com desdém pelo presidente Bolsonaro e por seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. As críticas ao governo foram interpretadas ou como intriga de países europeus interessados em prejudicar o agronegócio brasileiro ou simplesmente como invenções destinadas a alimentar uma conspiração internacional com o objetivo de violar a soberania nacional.
O simples fato de que o governo tomou alguma atitude com contornos institucionais para enfrentar o problema deve ser, portanto, comemorado, ainda que quase nada se saiba sobre o formato do Conselho da Amazônia.
Até ontem, não havia informações sobre o que norteou a criação do Conselho nem como será composto ou como funcionará. Também não se sabia qual o volume de recursos necessários para bancar a empreitada. O que se sabe oficialmente é que o Conselho será coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e que a estrutura da nova entidade ficará na própria Vice-Presidência.
Parece prudente entregar essa tarefa a Mourão, que conhece bem a região amazônica e ademais mostrou-se até aqui bem mais ajuizado que o ministro do Meio Ambiente. Pode soar estranho que uma iniciativa tão importante na área ambiental não tenha à testa o ministro da área, mas, nesse caso, a decisão faz todo o sentido, pois o ministro Ricardo Salles é um dos grandes responsáveis pela forte degradação da imagem do Brasil em relação à questão ambiental, graças principalmente a seu comportamento às vezes intempestivo em encontros internacionais sobre o clima. É preciso, portanto, aumentar o teor de serenidade no comando de ações governamentais destinadas a mitigar o desastre ambiental na Amazônia, e o vice-presidente Mourão em princípio atende a esse requisito.
Não parece ser coincidência que o anúncio da criação do Conselho da Amazônia tenha ocorrido no momento em que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está em Davos (Suíça), no Fórum Econômico Mundial, para apresentar a investidores estrangeiros oportunidades de negócios no Brasil. Como era esperado, esses investidores cobraram do governo brasileiro uma política ambiental séria, pois atualmente não se concebem negócios, em qualquer lugar civilizado do mundo, sem levar em conta a questão da preservação do planeta, hoje a principal preocupação de parte significativa dos consumidores.
O típico discurso bolsonarista adotado pelo ministro Guedes em Davos, segundo o qual “o pior inimigo da natureza é a pobreza, as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”, tem cada vez menos espaço num mundo que rejeita a destruição das florestas em nome do desenvolvimento econômico dos países emergentes. E, no caso do Brasil, porque a devastação não é feita por famélicos, mas por criminosos em busca de ganhos fáceis e rápidos.
Pouco importa se a intenção de Bolsonaro, ao anunciar a criação do Conselho da Amazônia, seja a de tentar melhorar a imagem brasileira no exterior, desgastada pelo próprio presidente em reiteradas declarações hostis ao lidar com o problema ambiental desde que tomou posse. O que interessa é que a iniciativa, se passar do discurso à prática, tem tudo para ser um bom passo na direção da formulação de uma política ambiental realista, conjugando os interesses econômicos com os imperativos climáticos, condição sem a qual é impossível pensar em desenvolvimento sustentável.
O Estado de S. Paulo
Problema mascarado
A decisão de Dias Toffoli de equiparar o teto salarial dos professores das universidades estaduais e federais pode até ser justa, mas a solução dada pelo ministro é um equívoco dos grandes
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, decidiu liminarmente equiparar o teto salarial dos professores das universidades estaduais e federais. A causa pode até ser justa. Já a solução dada pelo ministro é um equívoco dos grandes.
A decisão foi tomada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), proposta pelo PSD, que tem por objeto o artigo 1.º da Emenda Constitucional 41/2003, que deu nova redação ao artigo 37, inciso XI, da Lei Maior. Em linhas gerais, este dispositivo estabelece que os salários dos servidores públicos federais, estaduais e municipais terão como teto, respectivamente, os salários recebidos pelos ministros do STF, governadores e prefeitos.
No âmbito do ensino público superior, a falta de isonomia na remuneração dos docentes é um sério problema. Tome-se como exemplo o que ocorre em São Paulo, Estado que tem quatro universidades públicas de excelência. Os professores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) têm seus proventos limitados ao subsídio mensal que é pago ao governador João Doria (R$ 23 mil). Já os docentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) têm o salário dos ministros do STF (R$ 39,2 mil) como teto, valor 70% maior. Esta discrepância pode ser ainda mais sensível em outras unidades da Federação, já que a média nacional do salário dos governadores é de R$ 19.867,00, abaixo, portanto, do valor que é pago em São Paulo.
O reitor da USP, Vahan Agopyan, saudou a decisão. Em nota, ele classificou a concessão da liminar como uma “grande manifestação de sensibilidade” do presidente do STF. “Em concreto, na USP, na Unicamp e na Unesp, o descompasso de remuneração ocasionado pela mencionada falta de isonomia vinha causando ‘fuga de cérebros’, comprometendo a excelência no ensino e na pesquisa das universidades paulistas e tornando a carreira desestimulante para os jovens docentes”, concluiu Agopyan.
A razão socorre o reitor da USP. Não se discute a justeza da causa. O problema está em mais uma manifesta exorbitância da competência do Poder Judiciário. Ao conceder a liminar, o ministro Dias Toffoli se imiscuiu em uma questão que, a rigor, deve ser tratada em nível estadual. O presidente do STF violou a um só tempo dois princípios régios da Constituição que ele tem por dever de ofício resguardar: a Federação e a separação dos Poderes.
A fim de fundamentar sua decisão, Toffoli estabeleceu uma analogia entre os pleitos dos professores e dos magistrados da Justiça estadual e federal, lembrando que em uma ADI interposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra o mesmo dispositivo da Lei Maior – o artigo 37, inciso XI – o STF decidira pela equiparação salarial entre juízes estaduais e federais por entender que a distinção seria “arbitrária”, tendo em vista o “caráter nacional do Poder Judiciário”. Ora, dois erros não produzem um acerto. Lá como cá, o STF desconsidera que servidores públicos podem pertencer a um sistema nacional – seja de educação, seja de Justiça – e ainda assim estarem sujeitos a orçamentos distintos. Esta confusão, aliás, é uma das responsáveis pelo descalabro nas contas públicas de muitos entes federativos.
A diferença entre os tetos salariais dos professores das universidades estaduais e federais se deve, em boa medida, à condição econômica de determinados Estados, que não têm condições de pagar a seus professores o que é pago aos ministros do STF, e ao pendor populista de governadores que reduzem a sua remuneração desconsiderando que, assim, provocam reação em cadeia que, ao fim e ao cabo, só serve para repelir o interesse de bons quadros profissionais em ingressar no serviço público.
Seja qual for a causa, o problema tem de ser enfrentado pelos governadores, e não pelo Poder Judiciário. Quando este vai além de sua competência constitucional, ainda que de boa-fé, a solução que apresenta nunca é uma solução, é um problema mascarado.
O Estado de S. Paulo
‘Vouchers’ para o ensino infantil
Ao anunciar plano, Paulo Guedes trouxe debate que envolve questões importantes
Ao anunciar em Davos que o governo adotará a política de distribuição de vouchers para que as famílias de baixa renda matriculem seus filhos em escolas particulares de ensino infantil, sob a justificativa de que esse é o caminho para combater a desigualdade social, o ministro da Economia, Paulo Guedes, trouxe a público um debate já travado no governo do presidente Michel Temer, e que envolve duas questões importantes.
Uma é sobre os custos da universalização dos direitos consagrada pela Constituição. A outra é sobre o alcance e a eficácia das chamadas estratégias de focalização – programas economicamente orientados segundo padrões mínimos de inclusão social. Essas estratégias são defendidas há muitos anos por organismos multilaterais. Eles alegam que a universalização dos direitos provoca o inchaço do Estado e o descontrole dos gastos públicos. Também afirmam que a distribuição de recursos a um público-alvo pobre dá aos chefes de família condições para que sejam advogados mais eficientes de seus interesses.
Esse debate surgiu nas décadas finais do século 20, quando os países desenvolvidos tiveram de promover reformas estruturais para conter gastos e combater a inflação, por causa da crise do petróleo. As correntes mais conservadoras alegaram que cabe ao Estado apenas o dever de garantir um certo grau de segurança social, agindo de forma residual para suprir o que os pobres não são capazes de obter no mercado de trabalho. Assim, quem estiver acima da linha de pobreza deve pagar pelos serviços públicos e os que estiverem abaixo recebem um voucher. Já as correntes social-democratas defenderam a tese de que a universalização dos direitos – herança das Revoluções Americana e Francesa – é decisiva para a formação de pactos de solidariedade social e redistribuição de renda. Afirmaram, também, que as políticas de focalização não reduzem as disparidades sociais – no máximo, promovem uma inclusão social pontual e intermitente, aprofundando o assistencialismo.
O debate continua até hoje e permanece inconclusivo. Os conservadores têm razão quando lembram que a universalização de direitos tende a privilegiar os segmentos sociais e corporações com maior poder de articulação na defesa de seus interesses. Os social-democratas também têm razão quando afirmam que, diante da complexidade da vida econômica e social contemporânea, o Estado não pode abrir mão de determinadas funções públicas, entregando todo o ensino infantil para a iniciativa privada. Função e negócio são coisas distintas – se os negócios podem ser analisados em termos de rentabilidade financeira, a função pública tem de ser avaliada em termos de eficiência e responsabilidade, dizem eles.
Assim que Guedes anunciou em Davos que o governo lançará um “gigantesco programa de vouchers para o ensino infantil”, pedagogos e entidades educacionais reagiram, acusando o governo de transferir do Ministério da Educação para o Ministério da Economia a última palavra em políticas de ensino, privilegiando critérios exclusivamente financeiros. Com base em números, lembraram que, pela experiência internacional, o aprendizado dos alunos costuma ter resultados insatisfatórios quando recursos públicos são usados para financiar o ensino privado. “Não há nenhum caso de sucesso de voucher para ensino infantil no mundo. Ele prejudica a qualidade do ensino a serviço da expansão quantitativa”, afirma a presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz, lembrando o fracasso da política de focalização adotada pelo Chile no setor educacional.
O grande risco dessa polêmica é que ela acabe sendo minada pela radicalização que tomou conta da sociedade nos últimos anos. Por isso, em vez de privilegiar o ensino privado em detrimento do ensino público, ou vice-versa, o mais sensato seria o governo articular políticas que assegurem um equilíbrio entre eles, articulando-os com programas de assistência e saúde, como é o caso do programa já existente de visitação Criança Feliz, afirma Priscila Cruz. No que tem toda a razão.
Folha de S. Paulo
Caixa aberta
Auditoria no BNDES não vê evidência de crime, mas pode ajudar a definir papel do banco
A custosa auditoria contratada pelo BNDES para investigar algumas de suas operações durante os governos petistas de Lula e Dilma Rousseff concluiu que não há evidência direta de suborno ou corrupção no escopo do que foi analisado.
Com o exorbitante gasto de R$ 48 milhões, o trabalho encomendado no governo Michel Temer teve como foco oito operações, entre 2005 e 2018, com as empresas JBS, Bertin e Eldorado Brasil Celulose. Os valores chegam a R$ 11,4 bilhões.
Buscou-se determinar se houve pressão, interna ou externa, ou influência indevida no sentido de “alterar as opiniões e recomendações da equipe técnica do BNDES” de modo a beneficiar as empresas.
Embora não sirva de salvo conduto às gestões petistas, na medida em que a investigação é apenas parcial e apresenta uma conclusão cheia de ressalvas, a ausência de prova direta de desvios importa para refutar as teses mais radicais de parte do governo Jair Bolsonaro de que o banco seria uma caixa-preta repleta de irregularidades.
Nesse contexto, a demissão abrupta de Joaquim Levy em função de suposta resistência em abrir as transações do banco (e também em antecipar a devolução dos empréstimos da União) fica ainda mais vexatória para o governo, inclusive para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que tolerou a humilhação pública de seu subordinado.
Por outro lado, o relatório final aponta possíveis lacunas na investigação, como o acesso apenas a documentos públicos ou internos, o caráter voluntário de conversas com a área técnica, a falta de acesso a executivos das empresas ou a políticos mencionados como possíveis receptores de pagamentos.
Além disso, segundo o relatório, em várias situações funcionários não seguiram as políticas do banco, usando de sua discricionariedade para alterar condições contratuais, embora se possa avaliar que frente às informações existentes na época as decisões tenham sido baseadas em razões legítimas.
Essa constatação joga luz em outra crítica usual à atuação do BNDES, relacionada à política de formação de campeões nacionais, da qual a JBS talvez seja o principal exemplo, e ao financiamento para obras em regimes amigos da esquerda, como Cuba e Venezuela.
Ainda que legalmente corretas, algumas dessas decisões foram mais baseadas em ideologia, ao custo de enormes subsídios, do que no interesse nacional. Tais erros não são revertidos pelo resultado da investigação.
Bolsonaro e alguns membros de seu governo deveriam aproveitar a oportunidade para adotar uma abordagem mais racional em relação ao papel do BNDES. Seria desejável que começassem a pensar fora de sua caixa-preta ideológica.
Folha de S. Paulo
Sem prévias
Por influência de Lula, cúpula do PT deve escolher candidato único em São Paulo
Houve um tempo em que o Partido dos Trabalhadores se orgulhava de ser a única legenda relevante que se pautava pela democracia interna, realizando prévias com os filiados sempre que houvesse mais de um postulante à mesma candidatura. Isso é passado.
Hoje, a sensação que se tem é que os destinos do partido são cada vez mais decididos em “petit comité”, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazendo as vezes de oráculo oculto e infalível.
Essa ao menos é a melhor interpretação da diretriz para a cidade de São Paulo, lançada pela recém-reempossada presidente nacional da sigla, Gleisi Hoffmann, após encontro com mandachuvas do partido. “Nosso esforço é para demover o diretório municipal de fazer prévias, e os pré-candidatos também”, decretou a dirigente.
O PT não tem nenhum nome de consenso para disputar a capital paulista neste ano, mas conta com pelo menos seis interessados. Um deles, o vereador Eduardo Suplicy, já contestou a orientação.
Compreende-se a preocupação dos dirigentes petistas em evitar que uma disputa intestina comprometa as chances do partido numa eleição que tende a ser difícil para a sigla. Custa crer, contudo, que calar a democracia interna seja a melhor forma de lidar com a questão.
Aliás, há alguns motivos para recear que o clima de polarização que se abateu sobre o planeta tenha afetado negativamente o comprometimento de alguns membros do PT com a democracia.
Figuras importantes do partido, incluindo sua presidente, foram às redes sociais para aplaudir ou pelo menos chancelar o cerco militar que o regime de Nicolás Maduro impôs à Assembleia Nacional da Venezuela no início do mês, impedindo representantes eleitos de entrar no prédio para uma votação importante.
E é interessante notar que esses petistas reiteraram apoio a Maduro mesmo quando governos de esquerda do continente, como o mexicano e o argentino, fizeram questão de condenar a nova investida autoritária do governo venezuelano.
O PT, apesar dos graves equívocos que cometeu e daqueles em que persiste, é um partido de oposição importante e que tem muito a contribuir para o país. Para fazê-lo de forma mais efetiva, porém, deveria ser capaz de enfrentar e superar os erros do passado. Não necessariamente o que é bom para a biografia de Lula é bom para o PT.
Valor Econômico
Davos debate desigualdade, mas faltam soluções eficazes
A desigualdade foi um dos temas recorrentes na reunião deste ano do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. O fórum começou, na terça-feira, já sob o impacto de dois novos relatórios nada auspiciosos a respeito do assunto, um deles da rede de organizações não-governamentais Oxfam, e outro da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A Oxfam constatou, dramaticamente, que “a desigualdade econômica está fora de controle”, depois de calcular que apenas 2.153 bilionários detêm mais riqueza do que 60% da população mundial, o equivalente a 4,6 bilhões de pessoas. Mais do que isso, 22 deles possuem mais dinheiro do que todas as mulheres da África juntas.
Já a OIT salientou que, apesar do desemprego estar relativamente baixo na média mundial, em 5,4%, muitas pessoas estão no trabalho informal. Segundo a organização, somam 188 milhões os desempregados no mundo, dos quais 12 milhões no Brasil. Outras 165 milhões de pessoas têm emprego, mas gostariam de trabalhar mais; e 120 milhões não são considerados desempregadas, mas só marginalmente vinculadas ao mercado de trabalho. E há cerca de 2 bilhões de trabalhadores informais, 61% da força de trabalho mundial.
Em termos de salário, que tem impacto direto na desigualdade, mais de 630 milhões de trabalhadores no mundo continuam vivendo na pobreza extrema ou moderada, que a OIT define quando se recebe menos de US$ 3,2 por dia em termos de paridade de poder de compra. Além disso, a renda do trabalho diminuiu para o equivalente a 51% dos ganhos dos detentores de capital, abaixo dos 54% de 2004. Na análise da organização, tensões comerciais e geopolíticas deprimem a confiança de empresários e investidores, influenciando negativamente as cadeias globais de produção.
Não foram apontadas soluções novas para o problema. A Oxfam voltou ao tema da tributação de fortunas. Enquanto os salários médios cresceram 3% de 2011 a 2017 nos países do G-7, os dividendos para acionistas saltaram 31%. Nos mercados emergentes a diferença deve ter sido ainda maior. Segundo a associação, apenas 4% das receitas tributárias globais provêm da taxação de fortunas, e a evasão fiscal escamoteia 30% da renda dos muitos ricos.
O próprio Fórum Econômico Mundial divulgou estudo que projeta ganho de até 4,4% no PIB global caso as economias dessem oportunidades iguais a seus cidadãos. Levando em conta salários, sistema de proteção social, condições de trabalho e educação continuada, a lista dos dez países entre 82 analisados com maior mobilidade social no mundo engloba somente os europeus Dinamarca, Noruega, Finlândia, Suécia, Islândia, Holanda, Suíça, Áustria, Bélgica e Luxemburgo. Os Estados Unidos aparecem em 27º lugar; e o Brasil está na 60ª posição.
Perguntado em um painel, em Davos, a respeito do que o Brasil estava fazendo para combater a desigualdade e apoiar os jovens, o ministro da Economia, Paulo Guedes, avaliou que a desigualdade de renda tem duas origens principais no país. A primeira delas é a educação deficiente, que dificulta o acesso dos jovens de origem pobre aos bons empregos; e a segunda, a falta de competição no mercado interno. Segundo o ministro, países asiáticos que evoluíram economicamente, como a Coreia e o Vietnã, investiram na educação em seus primeiros estágios e abriram seus mercados. Sem dar detalhes, Guedes informou que o governo vai apoiar um “gigantesco [programa de] vouchers para educação nos primeiros estágios” (Valor 22/1). Disse ainda que a reforma da Previdência aprovada no ano passado foi totalmente focada nos jovens, e lembrou a agenda de desoneração de salários para a contratação de jovens. Em relação aos mercados, reclamou que “temos cartéis para todos os lados porque não gostamos do capitalismo, odiamos competição”.
Guedes não acenou com nada mais direto em relação ao mercado de trabalho. Não falou em programas sociais, reconhecidos como eficientes para reduzir a desigualdade até pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A preocupação do ministro com a educação “nos primeiros estágios” chama a atenção uma vez que é responsabilidade das autoridades municipais. Além disso, sabe-se que o principal problema da educação no país está no ensino médio, cujas deficiências provocam evasão e resultam no fraco desempenho dos jovens nos exames internacionais.