Caso do chefe da Secom é teste para autonomia de Ministério Público e órgãos de controle
Na única vez em que se manifestou pessoalmente sobre suas relações público-privadas, o chefe da comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, afirmou não ter apego mesquinho ao cargo. “Quando o Fabio tiver errado, eu pego a minha malinha e vou embora”, afirmou. Disse ainda estar no governo por ter se apaixonado por um então deputado que se destacava pela ética, sinceridade e humildade. Como não revelou o nome, ficamos sem saber quem diabos era esse ser sublime.
Afetados por essa lacuna, nos confortamos, porém, ao ouvir que Wajngarten diz tratar a coisa pública com o máximo de “ética, transparência e modernidade”. Se se manter dono de uma empresa com clientes que se beneficiam de verba liberada por ele insere-se nesse esforço ético e moderno, estamos mesmo lascados.
Longe de avaliar mover a sua malinha de lugar, o chefe da Secom chamou jornalistas na quarta (15) para um festival de arrogância só possível em uma era em que até neonazistas se sentem à vontade para colocar as asinhas de fora. Não, o tom indignado de Wajngarten não era contra a sua audácia de patrocinar um típico caso de conflito de interesses, era contra a Folha. Com notável destemor, o chefe da Secom diz que 100% das receitas de sua empresa estão à disposição de qualquer um. Ele só não se preocupou, até agora, em cumprir a bravata.
Também se negou a responder perguntas dos repórteres —como qualquer defensor da “transparência” agiria, é certo.
A sua incrível fala foi encerrada com uma ameaça. “Se determinados grupos de comunicação ou institutos de pesquisa tinham em mim a tentativa de uma construção de diálogo, essa ponte foi explodida hoje. Fica aqui o meu recado.” Uma bela indicação de que trata o dinheiro da Secom como sendo dele ou do deputado por quem se apaixonou.
Falta-lhe noção clara do que é a coisa pública, a impessoalidade constitucional. Um campo fértil para o Ministério Público e os órgãos de controle cujas espinhas ainda não se dobraram. Fica aqui o recado. (Folha de S. Paulo – 21/01/2020)