O Congresso tem feito o seu papel para construir um novo Fundeb. As entidades da sociedade civil, também. Quem tem errado consistentemente é o governo. O risco será de todo o país, caso os prazos se esgotem sem que haja um projeto aprovado. O Fundo é formado por recursos dos estados, municípios e governo federal, e ele complementa o financiamento para a educação básica no Brasil. Este será o último ano de vigência. O assunto está tramitando no Congresso há três anos, e agora, na reta final, o Ministério da Educação surpreendeu todo mundo dizendo que mandará uma nova PEC.
A deputada Professora Dorinha (DEM-TO) explicou para a coluna o risco desse “começar de novo” inventado pelo governo:
—Tive essa informação de envio de um novo texto por meio da entrevista coletiva do ministro. Essa ideia não tem cabimento nem lugar. Como é uma PEC, estamos trabalhando neste texto desde a legislatura passada. É complexo. Não votamos porque ficamos parados em 2018 sem poder votar mudança constitucional por causa da intervenção no Rio, mas o debate e as audiências públicas aconteceram. Nesta legislatura o texto teve que ser reapresentado e continuei como relatora.
No fim de semana, a presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz, reagiu indignada a essa volta à estaca zero anunciada pelo ministro Abraham Weintraub. Ela acha que isso é uma tentativa de “desmonte” do Fundeb. Priscila escreveu em rede social que isso coloca em risco a existência do fundo e desrespeita três anos de trabalho do Congresso: “Governar não deveria ser para amadores, diversionistas e oportunistas”, disse.
Um assunto constante das entrevistas com os candidatos em 2018 era como resolver o Fundeb. E não houve por parte do então candidato, hoje presidente, qualquer resposta coerente sobre o assunto. Os jornalistas pareciam apressados ao perguntar, em 2018, sobre um fundo cuja validade vai acabar apenas no fim de 2020. Mas quem acompanha o assunto sabe que esse fundo virou a espinha dorsal do financiamento educacional brasileiro. Acabar com ele, ou não tomar decisões a tempo, é instalar o caos na educação básica no começo do ano que vem.
Essa política pública nasceu no governo Fernando Henrique. Era o Fundef. Cobria o Fundamental. Mas sempre teve o mesmo desenho: os três níveis da Federação contribuem para que o valor seja depois distribuído com critérios que buscam a redução das desigualdades. No governo Lula, virou Fundeb, depois das críticas de praxe às propostas do governo anterior, mas que eram tão boas que foram ampliadas para o ensino médio.
Desde o começo da atual administração todo mundo da área tenta explicar a urgência de uma decisão. O Ministério da Educação ignorou o assunto por muito tempo. Depois passou a participar. E agora surpreende com a notícia do envio de nova PEC.
Como existem três textos sobre o assunto tramitando — no Senado o relator é o deputado Flávio Arns (Rede-PR) — para ganhar tempo, desde maio do ano passado, foi feito um trabalho conjunto com as consultorias das duas Casas para assim uniformizar o texto.
— Não dá para imaginar alguém começando do zero com uma nova PEC agora. Na verdade eu não consigo entender de onde ele (o ministro) tirou isso — diz a deputada Dorinha.
Hoje o fundo representa 63% do financiamento da educação básica. O fundo ultrapassa R$ 150 bilhões, mas atualmente só 10% são depositados pelo governo federal. A ideia é ampliar paulatinamente o percentual que é de responsabilidade do governo federal. Há uma discussão com a área econômica que tem sido construtiva. Eles propuseram elevar para 15%, usando recursos dos fundos regionais. O problema mesmo é a atitude do MEC.
— Quando 49% das escolas não têm esgoto. Cerca de 29% das escolas não têm água, tudo é básico. E a parte escolar mesmo, biblioteca, sala de aula, a estrutura é muito ruim — diz a relatora.
O Congresso está propondo o uso de recursos do fundo social de petróleo e gás natural que em 2019 arrecadou R$ 19 bilhões, e o direcionamento de fundos que estavam parados e estão sendo extintos pelo governo.
— O Fust nós votamos e só serviu para fazer superávit — diz a deputada.
A deputada acha que a Câmara tem que votar até abril, no plenário, porque precisa ir para o Senado e ser votado no primeiro semestre, porque o segundo terá que ser dedicado às regulamentações. Ela acha que o texto na verdade já deveria estar votado. Essa é a urgência máxima da pauta da educação no país hoje. (O Globo – 14/01/2020)