Manter o fundo e garantir mais investimentos são desafios do Congresso em 2020 (Jonas Pereira/Agência Senado)
O fundo de financiamento da educação básica no Brasil tem prazo para acabar. No dia 31 de dezembro de 2020, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) perderá a validade.
Tornar permanente essa fonte de recursos depende do Congresso Nacional, que também analisa a possibilidade de aumentar a participação da União com mais investimento de verbas federais para manter o funcionamento de creches, educação infantil, ensinos fundamental e médio e educação de jovens e adultos nos estados e municípios.
Três propostas de emenda à Constituição em análise no Congresso (PECs 15/2015, 33/2019 e 65/2019), além de renovarem o Fundeb, convergem ao prever duas mudanças significativas no modelo atual (veja aqui).
Uma outra proposta (PEC 33/2019), de autoria do senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), destina novos recursos ao fundo, com um percentual, a ser definido por lei, dos royalties do petróleo. O texto estabelece ainda que 60% de cada fundo estadual seja destinado ao pagamento dos professores da educação básica pública em efetivo exercício.
“É uma forma de assegurar a prioridade da aplicação dos recursos dos fundos para a remuneração e valorização dos professores, que são, ao fim e ao cabo, os responsáveis diretos pelo sucesso das práticas de ensino e pela aprendizagem dos alunos. Em outras palavras, o foco deve estar na sala de aula e na valorização dos docentes e de seus saberes”, Kajuru (Cidadania–GO).
De onde vem os recursos
Só em 2019, dos R$ 248 bilhões aplicados nas escolas públicas do País, R$ 156 bilhões (65% do total) saíram do Fundeb.
O fundo recolhe verbas públicas e reparte o montante entre todas as 27 redes estaduais e 5.570 redes municipais de ensino. Ele é composto por 20% de diversas receitas, entre elas o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores).
Além disso, uma parte dos recursos recolhidos é reservada às redes de ensino que ficaram com os valores mais baixos, amenizando as desigualdades regionais no financiamento da educação.
O dinheiro extra da complementação federal é distribuído entre todos os estados desfavorecidos até que eles alcancem um mesmo patamar mínimo por matrícula. No ano passado, nove Fundebs ganharam esse reforço: no Maranhão, Pará, Amazonas, Piauí, Bahia, Ceará, Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Assim, esses estados atingiram o valor mínimo previsto por aluno, que foi de R$ 3.240. Sem o fundo, o investimento para cada estudante maranhense, por exemplo, seria de apenas R$ 1,7 mil (R$ 141 por mês).
Com duração de 14 anos, o Fundeb foi criado em 2007 para substituir outro fundo, dedicado somente à manutenção do ensino fundamental — o Fundef, que vigorou entre 1998 e 2006.
Para onde vai o dinheiro
Pelo menos 60% dos recursos do Fundeb devem ser usados na remuneração de professores, diretores e orientadores educacionais. O restante vai para despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino, como o pagamento de outros profissionais ligados à educação, a compra de equipamentos e a construção de escolas.
Entre as modalidades de educação para índios e quilombolas, por exemplo, o entendimento dos participantes de audiência pública promovida em novembro pela Comissão de Educação é de que o investimento público por aluno deve ser maior nas escolas dos povos tradicionais. É o Fundeb que garante a educação escolar em territórios marcados por alta vulnerabilidade, mas os recursos ainda são insuficientes.
Com salário atrasado, a professora Maria José Sousa Silva, representante dos quilombolas de Mirandiba (PE), ensina em uma sala de aula improvisada, sem banheiro nem cozinha. Também falta transporte para as crianças, que, de acordo com ela, caminham dois quilômetros debaixo do sol quente para receber uma merenda de baixa qualidade.
“Existe esse apartheid dentro das escolas. Se nós estamos em um município onde a maioria da população é negra, por que ainda não existe um olhar específico para resolver essa questão?”, questionou.
Para o antropólogo Gersem Baniwa, do Foro Nacional de Educação Escolar Indígena, o Fundeb garantiu a abertura de mais escolas para os índios, mas a distribuição dos recursos seria influenciada por um “racismo geográfico”.
“O aluno no extremo norte da Amazônia dificilmente terá o seu direito assegurado. Simplesmente porque ele nasceu numa região de tremendas dificuldades. Existem alunos que têm de arrastar canoas horas e horas, passar por cachoeiras para poder chegar a uma escola”, ressaltou Baniwa, que já foi professor bilíngue na sua aldeia, na Amazônia, e chegou a ocupar o cargo de secretário municipal de Educação.
Recursos
Nos últimos nove anos, os 10% do valor do fundo repassados pela União não alcançam um valor mínimo por aluno. Em 2019, essa participação representou R$ 14,3 bilhões. No texto substitutivo da Câmara (PEC 15/2015), apresentado pela deputada Professora Dorinha, a proposta é triplicar a participação federal em 10 anos: para 15% em 2021, com acréscimos anuais de 2,5 pontos percentuais até chegar a 40% em 2031. O impacto orçamentário total seria de R$ 279,8 bilhões ao longo desses anos.
O MEC (Ministério da Educação) é contrário ao aumento proposto pelo Legislativo dos atuais 10% para 40% na complementação da União no Fundeb.
“A gente é a favor de gastar mais com educação, principalmente no ensino fundamental. Queremos e apresentamos uma proposta factível, palpável e concreta para que isso acontecesse. Estamos dispostos a aumentar os gastos, mas dentro de critérios de desempenho técnicos”, afirmou o ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante coletiva de imprensa em setembro.
Em junho, o MEC propôs acréscimo progressivo até alcançar 15%, com a implementação de critérios que melhorem o desempenho da educação básica atrelados à eficiência na aplicação dos recursos. O aumento seria de um ponto percentual ao ano.
Segundo Weintraub, um modelo para o novo Fundeb está sendo construído junto com a Casa Civil e o Ministério da Economia. (Com informações da Agência Senado)