O novo mix de política econômica baseado em uma política monetária expansionista e uma política fiscal mais apertada está começando a surtir efeito na economia. O resultado do PIB do terceiro trimestre veio acima das expectativas de analistas (0,6% no trimestre contra trimestre com ajuste sazonal, expectativa de 0,4%) e os primeiros indicadores setoriais para o 4º trimestre, como a produção industrial de outubro, que cresceu 0,8% em relação ao mês anterior, são animadores. O ano de 2019 deve apresentar crescimento de 1,2% similar aos anteriores, mas a política monetária deve ajudar a economia a acelerar no próximo ano. Mas, afinal, quão expansionista realmente está a política monetária e quão duradoura será essa nova realidade de juros mais baixos no Brasil.
Para termos uma noção do grau de expansão que a política monetária é capaz de transmitir à economia, precisamos uma medida de uma taxa que seria neutra para a inflação. Portanto, o grau de estímulo da política monetária é mensurado pelo diferencial dos juros reais efetivos em relação e essa variável latente, os juros reais neutros ou de equilíbrio. Assim como o PIB potencial, esses juros são um conceito abstrato e difícil de ser mensurado. Apresento a seguir, portanto, duas maneiras distintas de calcular essa variável.
A primeira metodologia é baseada num modelo macroeconômico que calcula as variáveis latentes, produto potencial e juros de equilíbrio, através de uma técnica econométrica que utiliza Filtro de Kalman. Segundo uma mensuração de Moreira e Portugal (2019)1, os juros de equilíbrio estariam em 1,8% no segundo semestre de 2019. Em um modelo similar ao a se calcular um filtro estatístico, assumindo valores exógenos para o PIB potencial, o resultado fica sensível a medida do hiato do produto (diferença entre o PIB efetivo e o potencial). Os juros de equilíbrio estão acima de 3% ao ano nos modelos em que o hiato é próximo de zero (economia próxima ao potencial). Diferentemente, no caso de hiatos que tem uma folga maior na economia, como o estimado pelo Ipea, que é negativo em 3%, o resultado dos juros de equilíbrio fica entre 0 e 1%.
A segunda metodologia compara o diferencial das curvas de juros de curto prazo e de longo prazo para extrair os juros de equilíbrio. O FMI (2019)2, ao utilizar da estrutura a termo de taxas de juros e sua inclinação até o final de 2017 encontrava uma taxa média para 2017 de 5,25%. Uma possível atualização da metodologia baseada na inclinação da curva de juros de mercado de curto e longo prazo pode ser feita estendendo a amostra até mais recentemente. A taxa de juros medida pela NTN-B 2027 estava ligeiramente acima de 10% em 2017, porém atualmente para esse mesmo vértice, a taxa de juros está ao redor de 6,8% ao ano. No curto prazo, a queda da Selic foi de cerca de 150 pontos básicos ao se comparar a Selic de 6,5% ao ano com 5% ao ano atualmente. O spread, portanto, caiu cerca de 190 pontos. Moreira e Portugal (2019), medindo os juros de equilíbrio utilizando essa mesma metodologia, encontra um resultado de 1,5% em meados desse ano.
Mesmo sendo uma variável latente, que não é observável diretamente, baseado nas metodologias acima, um intervalo razoável para se considerar os juros de equilíbrio é entre 2% e 3%. Portanto, considerando uma taxa efetiva em termos reais de 1%, como está no final de 2019, a política monetária é expansionista nessa métrica, pois os juros estão abaixo da minha estimativa dos juros de equilíbrio.
Além de se comparar os juros efetivos com os juros de equilibro, é também possível comparar esses mesmos juros reais efetivos com uma regra automática de fixação dos juros. Essa regra, batizada de Taylor, indica que os juros devem reagir positivamente à desvio da inflação da meta e do produto em relação ao potencial. Com base nessa regra, os juros de 2020 da Selic deveriam estar ao redor de 5,75% ao ano, portanto provavelmente a Selic estará mais baixa do que isso. Com a Selic ao redor de 4,5% ao ano e ao se comparar com uma medida de juros nominais de equilíbrio de cerca de 6,6% ao ano (juros reais de equilíbrio de 3% ao ano adicionando a expectativa de inflação de 2020 de 3,6% ao ano), pode também se assegurar que a política monetária é expansionista.
O ambiente de queda da inflação e dos juros em todo mundo pode ser apontado como uma das causas para a redução aqui no Brasil de toda a estrutura dos juros. Além disso, houve também contribuição para a redução dos juros das reformas e também redução do crédito direcionado, como alteração da taxa de juros dos empréstimos do BNDES. O mix de políticas com fiscal mais apertado e a monetária mais relaxada pode se consolidar, mas sem abolir, entretanto, eventuais flutuações cíclicas dos juros básicos. Portanto, é razoável supor que o estímulo à economia dado em 2019 pela política monetária perdure durante o próximo ano, mas os juros podem voltar a subir no médio prazo.
O Copom pode ter feito o último corte do ano nessa semana, terminando o ano com a Selic em 4,5%. Mesmo que tenha deixado a porta aberta para novas quedas em 2020, dado que a inflação não deve ficar tão abaixo da meta com o câmbio mais pressionado e a economia recuperando, considero reduzidas as chances de novos cortes em 2020. É razoável também supor que a recuperação mais robusta da economia e um crescimento acima de 2,5% ao ano nos próximos dois anos exigirá a elevação da Selic de volta para um patamar entre 6 e 7% ao ano em 2022, como já precificado pelo mercado e pela próprio Relatório Focus do BC. (Valor Econômico – 13/12/2019)
- Moreira, João R e Portugal Marcelo (2019) “Natural Rate of Interest Estimates for Brasil: After Adoption of the Inflation Targeting Regime”.
- IMF (2019) Brazil: Boom, Bust, and Road to Recovery Chapter 14 The Conquest of Lower Interest in Brazil – Where Does the Neutral Stand.
Marcelo Kfoury Muinhos é professor e coordenador do Centro Macro-Brasil da FGV-EESP