Para chegarmos à democracia sob a qual vivemos, com todas suas falhas e limitações, foram necessárias muitas lutas: alguns sacrificaram a própria vida, outros tiveram de amargar um longo exílio. Em certos momentos, predominou o desespero, eclodiu o desânimo, criou-se a terrível sensação de que nada se podia fazer diante da opressão e do terror que tomaram conta do país. Quase não tínhamos mais esperanças de que seria restabelecido um clima de normalidade democrática, com restauração dos direitos individuais, da liberdade de expressão, da prerrogativa de escolha dos governantes pelo voto direto e secreto. As trevas foram se espessando cada vez mais.
A crítica ao governante de plantão era tida como ato subversivo, a divergência como ameaça às instituições, a mobilização de pessoas ou grupos para manifestações contrárias ao regime como crime contra a segurança nacional. Tudo isso ensejava prisão, tortura e até mesmo morte, disfarçada, para evitar incômodas repercussões internacionais, em mal engendrado suicídio, como aconteceu com o jornalista Vladimir Herzog. Não era fácil opor-se, naquela época, ao arbítrio, à opressão, aos desmandos, às baionetas, aos tanques. Não era fácil exercer o magistério e o jornalismo de opinião.
Agora, temos uma Constituição liberal, atenta aos direitos dos cidadãos, às conquistas sociais, à organização e atuação dos partidos políticos, ao funcionamento dos Poderes, à liberdade de expressão. Como se pode aceitar, a esta altura, uma pregação que objetiva regredir, reimplantando um regime ditatorial? Quais os pretextos e subterfúgios com que se pretende defender e justificar uma solução teratológica como essa? A ideia é incrementar o combate à corrupção? É resgatar a eficiência dos serviços públicos? É fomentar o crescimento nacional? E, para isso, é preciso reingressar no obscurantismo da autocracia, destruindo os valores democráticos tão duramente reconquistados?
Ivan Maciel, professor de Teoria Geral do Direito da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)