As dificuldades para aprovar o pacotaço são imensas, mas continua aberta a janela
Demorou mas o que importa agora é que o governo Bolsonaro colocou diante do País a mais ambiciosa proposta de reforma do Estado das últimas décadas. A de Fernando Henrique ficou pela metade,– e Lula foi desistindo à medida em que a bonança do super ciclo das commodities o convenceu de que não precisaria fazer muita coisa. Vai dar certo com Jair Bolsonaro?
As dificuldades políticas são monumentais. Começando pelas mais óbvias e imediatas, a dissolução do PSL é apenas um exemplo das consequências negativas para os planos do governo quando o Executivo renuncia a construir uma base ampla e bem coordenada no Legislativo. O governo vai sentir falta dessa plataforma e corre perigo de cair na ilusão de que a aprovação da reforma da Previdência se repita nos mesmos termos, isto é, na base do “deixa que vai”.
O adversário escolhido para um ataque frontal é o mais poderoso: o funcionalismo público e suas corporações, extraordinariamente bem sucedidas em se defender. Na verdade, sequestraram para si o Estado. Vai vir chumbo grosso. As dificuldades políticas de articulação em sentido amplo também assustam. Basta como exemplo o emaranhado que se conhece das discussões sobre a reforma tributária, que ficou para depois, e o problemão que é fazer convergir todos os entes da federação.
Dito isso, grupos organizados da sociedade civil aprenderam com a luta pela aprovação da Previdência e estão avançados na tarefa de ajudar a equipe econômica e conseguir a reforma administrativa, através de corpo a corpo com legisladores e o empenho em “conscientização” da sociedade. Dividem com a equipe de Paulo Guedes o mesmo cálculo político: o de que um “reaquecimento” da economia no começo do ano que vem garanta um clima político favorável à aprovação de pelo menos partes do pacotaço.
Há notável semelhança entre essa aposta política e a que foi feita pela equipe econômica de Temer – torpedeada por uma gravação e a irresponsável conduta de grupos de mídia causada por sua medíocre visão jornalística, padrão que se repete. Ou seja, mais um exemplo de como a política é o campo do imponderável. O tal cálculo político da atual equipe econômica pressupõe a ajuda de forças organizadas, além da dedicada cooperação dos chefes das casas legislativas, enquanto a marca de Bolsonaro é a preferência por forças políticas simpáticas galvanizadas. Portanto, difusas, e às vezes dirigidas contra quem ele precisa de ajuda.
Paira ainda outro grave risco político “estrutural” (além do nosso sistema de governo), que é o da insegurança jurídica. Recente evento promovido pela Escola Superior do Ministério Público de Goiás, reunindo figuras de proa dos tribunais superiores eleitoral, trabalhista e de justiça, traçou um quadro horroroso: ativismo judicial, politização das decisões do STF, normas jurídicas ultrapassadas ou contraditórias e descaso dos legisladores compõe um sufocante ambiente que desanima, surpreende e golpeia quem toma decisões, pois a imprevisibilidade está aumentando.
Somando-se à nossa esquizofrenia tributária, fica claro que o nó brasileiro não tem uma ponta só a ser desatada. Precisa de várias mãos e de um claro sentido de conduta e direção políticas. A avaliação correta de Guedes e sua equipe é a de que o principal freio ao crescimento sustentável do País é um balofo e perdulário Estado patrimonialista suportado por elites dirigentes acomodadas e que carecem de qualquer sentido de urgência do que significa uma agenda de produtividade e competitividade, a verdadeira saída para combater os mesmos males de sempre: ignorância, miséria, e desigualdade. A janela histórica para destravar o País continua aberta. Mas vamos precisar daquilo que Maquiavel chamava de Fortuna. (O Estado de S. Paulo – 07/11/2019)