MANCHETES
O Globo
Governo propõe a mais ampla reforma do Estado desde a Constituição de 88
Governo desiste de ‘golden share’ da Eletrobras
Crivella libera de novo pedágio da Linha Amarela
Para agência, Vale omitiu problema em barragem
Pesquisadores veem litoral do país vulnerável a desastres
Piñera aceita mudar Constituição promulgada na ditadura
O Estado de S. Paulo
Proposta de Guedes muda lógica dos gastos públicos
Multa do FGTS sobre demissão deve cair a 20% em alguns casos
Fachin rejeita pedido da PF para prisão de Dilma
Câmara aprova projeto de armas esvaziado
‘Se eu encontrar por aí o sr. Olavo de Carvalho nem vou reconhecer’, diz general Heleno
Folha de S. Paulo
Pacotaço do governo propõe revisão profunda do Estado
União quer extinção de município que não se mantém
Cai monopólio sobre papel-moeda e passaportes
Leilão do pré-sal terá nova rodada se houver encalhe
Defensoria Pública consegue rever 48% das sentenças no STJ
Polícia tinha registro de portaria de Bolsonaro havia quase 1 ano
Fachin nega pedido da PF para prisão temporária de Dilma
Presidente afirma que agirá contra queima de máquinas de garimpo
Centro-direita ameaça Frente Ampla em eleição uruguaia
Valor Econômico
Plano faz ‘reforma do Estado’ e prevê contenção do mínimo
Patamar da dívida será a âncora fiscal
Extinção de municípios é ‘bode na sala’
Guerra comercial fez país exportar US$ 451 milhões
Montadoras puxam a desaceleração global
Rejeição à cisão de fundo coloca a portabilidade na berlinda
Cresce receita de empresas de consumo
‘Herdeiros’ da Ypióca
EDITORIAIS
O Globo
Uma rota para ajustar o peso do Estado brasileiro
Nos últimos três anos, setor público passou a consumir quase metade de toda a riqueza produzida no país
O pacote de medidas econômicas apresentado ontem ao Senado contém a ambição de uma reforma da Federação. Sua crítica política será feita durante o processo legislativo que, pela abrangência e pelo impacto das alterações constitucionais, tende a se prolongar no calendário de 2020, ano marcado pelas eleições municipais.
É necessário, desde já, considerar a relevância e o caráter emergencial de algumas das propostas agrupadas nesse “pacto federativo”. Uma delas é o fim do reajuste automático, pela inflação, nos gastos estatais classificados como obrigatórios.
Trata-se de uma desindexação dos orçamentos, prescritível em circunstâncias de extremas dificuldades fiscais e financeiras da União, estados e municípios.
No Brasil de hoje seria aplicável de imediato a pelo menos 12 estados: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Eles estão financeiramente combalidos, fragilizados porque suas despesas com servidores já ultrapassaram 60% da receita corrente líquida (apurada depois de descontadas as transferências obrigatórias aos municípios). Há estados, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que já consomem cerca de 70% da receita líquida apenas com a folha de pessoal.
Pelo projeto, quando a soma das despesas atingir 95% da receita corrente líquida de qualquer um dos entes federativos, o ajuste das contas públicas se torna obrigatório. O prazo para reequilíbrio estaria limitado aos 12 meses seguintes.
Os “gatilhos” seriam acionados automaticamente para estados e municípios e, no caso da União, com autorização do Congresso. Isso retira dos governantes a opção da omissão por razões políticas. Ou lidera o processo de reequilíbrio fiscal ou se submete aos “gatilhos”.
Enquanto houver desequilíbrio, ficariam proibidos: promoção de servidores; concessão de reajustes; criação de cargos; reestruturações de carreiras; novos concursos e aditivos na folha de pagamentos, como indenizações. Proíbe-se, também, a criação de outras despesas constitucionais e mais benefícios tributários.
Na emergência, os servidores poderiam ter a jornada reduzida em até 25%, com corte proporcional nas remunerações. No caso da União, além disso, ficariam suspensos os repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
É, em síntese, uma proposta para debate e decisão no Congresso que, certamente, vai adaptá-la à realidade política. Na essência tem o mérito de sinalizar a rota para ajustar o peso do Estado no bolso dos 209,3 milhões de brasileiros. Nos últimos três anos o setor público passou a consumir 49% do Produto Interno Bruto, quase metade de toda a riqueza produzida no país.
O Globo
Encampação da Linha Amarela é ameaça a investimentos no Rio
Depois de Crivella mandar quebrar cabines da via expressa, Câmara aprova retomada da concessão
A Câmara de Vereadores do Rio aprovou ontem, por 47 votos a zero, a encampação da Linha Amarela, rodovia de 17,4 quilômetros que liga a Barra à Ilha do Governador. Tal insensatez acrescenta mais um round ao embate do prefeito Marcelo Crivella com a concessionária Lamsa, que administra a via expressa.
No fim do mês passado, Crivella decidiu romper unilateralmente a concessão. Alegou um prejuízo de R$ 1,6 bilhão — valor contestado pela empresa —, apurado numa auditoria feita pela própria prefeitura, que é parte no contrato. A falta de uma agência reguladora municipal potencializou o impasse, que, mais uma vez, foi parar na Justiça.
Sem uma ordem judicial, funcionários da prefeitura, com ajuda de uma retroescavadeira, quebraram cabines de pedágio, derrubaram cancelas e danificaram câmeras e sensores, num vandalismo oficial sem precedentes.
Segundo a Lamsa, 142 equipamentos foram destruídos, gerando um prejuízo de R$ 3 milhões. Contabilizados os dias sem pedágio, a conta sobe para R$ 8 milhões — valor que será cobrado do município e terá de ser pago por todos os cariocas. A destruição foi tanta que a tarifa só pôde ser restabelecida uma semana depois do quebra-quebra.
Mesmo com o aval da Câmara, a prefeitura não poderá assumir a via de imediato. Liminar da juíza Regina Lúcia Chuquer de Almeida de Castro Lima, da 6ª Vara de Fazenda Pública, impede o município de retomar a concessão sem abertura de processo administrativo e indenização à concessionária.
De qualquer forma, a decisão dos vereadores torna a situação dramática. Primeiro porque aumenta a insegurança dos contratos, ameaçando novas parcerias público-privadas, importantes para o Rio. Quem vai querer investir numa cidade em que a prefeitura vive em guerra com as concessionárias? A imagem da retroescavadeira quebrando cabines na Linha Amarela é emblemática. E não se trata de caso isolado. Impasses com as empresas que administram concessões do BRT, do VLT, dos ônibus e do Porto Maravilha, por exemplo, são rotineiros na gestão Crivella. Rasgam-se contratos, quebram-se regras, não se respeitam acordos.
No caso da Linha Amarela, há um outro contrassenso. Por que a prefeitura quer assumir a via expressa se não consegue dar conta da conservação das ruas da cidade? Para deixá-la com o mesmo padrão de indigência?
Os usuários da via expressa devem desconfiar de falsas bondades. O valor do pedágio (R$ 7,50) pode até baixar, mas todo mundo sabe que serviços como manutenção, operação, socorro médico etc. numa via complexa como a Linha Amarela têm um custo. E a prefeitura, com os cofres vazios, não pode bancá-los. A conta desse populismo eleitoreiro não tardará a chegar.
O Estado de S. Paulo
A prudente distância dos militares
Diante de um governo que não poupa esforços em acirrar ânimos, é meritório o empenho das Forças Armadas para não se imiscuírem nas picuinhas políticas
Diante de um governo que não poupa esforços em criar polêmicas, acirrar ânimos e provocar adversários, é meritório o empenho das Forças Armadas, bem como dos militares da reserva que integram o governo, para não se imiscuírem nas picuinhas políticas, evitando, assim, criar novos atritos. Confirma-se uma vez mais que, à diferença de alguns civis, os militares têm sido exemplares no respeito à Constituição de 1988. Os arroubos autoritários a que vez ou outra o País assiste, como, por exemplo, manifestações pedindo fechamento do Congresso, ou a reedição do AI-5, ou achacando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), não nascem nas casernas.
Nesse quadro de saudável distanciamento por parte dos militares das polêmicas do presidente Jair Bolsonaro e de seu entourage, cabe ressaltar uma exceção. Nos últimos meses, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, tem se aproximado da chamada ala ideológica do governo Bolsonaro. Na semana passada, por exemplo, o general Heleno foi uma das raras vozes que apoiaram a manifestação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) favorável a “um novo AI-5” para conter uma possível “radicalização” da esquerda no País.
No entanto, em vez de representar uma tendência das Forças Armadas, o comportamento do general Heleno apenas evidencia, por contraste, a atitude oposta tanto do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, como dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A disparidade entre o comportamento dos militares e o da ala ideológica do governo pôde ser vista no caso do vazamento do óleo, que chegou às praias do Nordeste. As Forças Armadas evitaram cuidadosamente alimentar teorias conspiratórias ou reforçar discursos políticos.
No fim de outubro, o presidente Jair Bolsonaro escreveu, em sua conta no Twitter, que era “no mínimo estranho o silêncio de ONGs e esquerda brasileira sobre o óleo nas praias do Nordeste. O apoio desses partidos ao ditador Maduro fortalece a tese de um derramamento criminoso”. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a insinuar que o Greenpeace estaria envolvido no derramamento do óleo. Segundo ele, um navio da ONG não se voluntariou para ajudar o governo.
Já as Forças Armadas optaram por dar ao vazamento de óleo um tom completamente diferente, fugindo das polêmicas políticas. Por exemplo, os militares fizeram questão de ressaltar que a origem venezuelana do óleo, comprovada nos testes químicos, era apenas um dado geológico, não podendo ser considerada como prova ou mesmo indício da participação da Venezuela no vazamento. Além disso, no trabalho de coordenação da limpeza das praias, a Marinha trabalhou lado a lado com diferentes governos estaduais, sem discriminar os Estados governados por partidos de oposição.
Outro episódio que ilustra o cuidado dos militares em se ater ao seu papel institucional se deu por ocasião do julgamento do STF sobre a prisão depois da condenação em segunda instância. Questionado se haveria incômodo das Forças Armadas em relação a uma possibilidade de o STF rever sua jurisprudência e soltar o ex-presidente Lula, o ministro da Defesa foi enfático. “O problema jurídico do STF é com o STF. Está em pleno julgamento e esse assunto está com eles”, disse ao Estado. Lembrou ainda que os comandantes de Força e o pessoal da ativa não haviam se pronunciado sobre o caso. “Quanto ao pessoal da reserva, eu não tenho ingerência em relação a isso”, disse o general Fernando Azevedo e Silva.
Em tempos nos quais escasseiam vozes de moderação e prudência, e de baixo apreço pelas instituições, em que tudo parece ganhar cores e tons raivosos e personalistas, é especialmente significativo que as Forças Armadas se atenham, de forma exemplar, às esferas de atuação definidas pela Constituição. Trata-se de um compromisso democrático que deve servir de exemplo para muitos civis que, esquivando-se de sua responsabilidade cívica, buscam nos quartéis a resolução dos problemas políticos e sociais do País. Com esse cuidadoso distanciamento das questões políticas, as Forças Armadas são uma fonte de paz e de estabilidade. Cumprem, assim, seu papel constitucional.
O Estado de S. Paulo
Paixão e pragmatismo
A manutenção do veto à importação de carne bovina brasileira é o segundo revés imposto pelo governo dos Estados Unidos aos interesses do Brasil em menos de um mês
Os Estados Unidos anunciaram a manutenção do veto às importações de carne bovina do Brasil, decretado em 2017 na esteira da Operação Carne Fraca. Naquele ano, a Polícia Federal revelou um esquema de adulteração do produto e de obtenção fraudulenta de certificados sanitários. A decisão de Washington frustrou o governo brasileiro. “A nossa expectativa era a de que o veto não se mantivesse”, disse o porta-voz do Palácio do Planalto, general Otávio do Rêgo Barros.
O presidente Jair Bolsonaro acalentava a ideia de que o veto à carne brasileira seria suspenso pelas autoridades dos Estados Unidos por conta de um alegado estreitamento de sua relação com o presidente Donald Trump, talvez acreditando que seu charme pessoal pudesse se sobrepor às fortes pressões do lobby do setor agropecuário daquele país. O presidente fará bem a si e ao Brasil se deixar o terreno da fantasia e entrar no mundo real do comércio exterior e da diplomacia.
A relação entre as nações – o presidente já teve tempo para aprender no exercício do cargo – é movida por interesses, não amizades. Se houve frustração entre as autoridades brasileiras, que esse sentimento logo se transforme em aprendizado a fim de reorientar rapidamente a condução de nossa política externa, em especial a relação do País com os Estados Unidos, que há de ser mais pragmática e menos apaixonada.
A manutenção do veto à importação de carne bovina brasileira é o segundo revés imposto pelo governo dos Estados Unidos aos interesses do Brasil em menos de um mês. Em outubro, a Casa Branca não endossou o início imediato do processo de ingresso do País na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O presidente Jair Bolsonaro havia tratado o suposto endosso norte-americano à pretensão brasileira como o maior triunfo diplomático de sua visita ao presidente Donald Trump, em março.
A motivação alegada pelas autoridades norte-americanas para a manutenção do veto à carne foi de ordem técnica. A decisão teria sido tomada após inspeção realizada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês) em frigoríficos no Brasil. Não é improvável que uma ou outra irregularidade tenha sido encontrada. Mas o Brasil é o maior produtor mundial de proteína animal, tem reconhecidas algumas das melhores práticas na gestão do setor agropecuário e um veto total ao produto brasileiro implica o reconhecimento de vulnerabilidades que nem de longe têm amparo nos fatos. É lícito inferir, pois, que outros interesses tenham pautado a decisão. O presidente Donald Trump está em campanha por sua reeleição, que, ao que tudo indica, será bem mais acirrada do que a de 2016. Levantar o veto às importações de carne do Brasil poderia significar a abertura de um foco de tensão com os produtores locais.
Desde a eclosão da Carne Fraca, restou evidente que as fraudes e adulterações foram cometidas por uma parcela bastante restrita de frigoríficos. O espalhafato da operação da Polícia Federal não condizia com a realidade e o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento à época, Blairo Maggi, percorreu o mundo em um hercúleo trabalho de esclarecimento. Deu resultado. A carne brasileira hoje é consumida em vários cantos do planeta.
Em recente visita à China, Bolsonaro surpreendeu e deu mostras de pragmatismo ao firmar importantes acordos para a importação do produto brasileiro. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, anunciou que o governo chinês habilitou sete plantas frigoríficas de Santa Catarina para a exportação de miúdos ao país asiático.
O governo federal espera que uma nova inspeção seja realizada pelas autoridades norte-americanas e o veto seja suspenso, o que será muito bom para o Brasil, não só pela abertura do mercado dos Estados Unidos, mas porque a chancela da Usda facilitará a abertura de outros países à nossa pecuária. Mas não há data para isso acontecer. O País há de buscar novos mercados por meio de uma diplomacia pragmática, não ideológica.
O Estado de S. Paulo
O motor ligado nos juros
O Banco Central continua sendo a principal fonte oficial de estímulo à recuperação da atividade no Brasil
Mais um impulso ao crescimento, com nova redução de juros, será dado no fim do ano pelo Banco Central (BC), se nenhum desastre inesperado impedir a redução da taxa básica para 4,50%. Baratear os financiamentos tem sido a principal iniciativa do poder federal para reanimar os negócios, ainda muito fracos, três anos depois do fim da recessão. Um novo empurrão deverá ser dado em dezembro, com mais um corte de 0,50 ponto porcentual. A intenção foi confirmada pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, na ata de sua última reunião. Depois disso virá, muito provavelmente, uma pausa para avaliação dos efeitos e da evolução da cena econômica. Mas vale a pena lembrar mais um detalhe.
O comitê chegou a discutir, na sessão da semana passada, se conviria dar algum sinal “para além da próxima reunião”, isto é, se valeria a pena dar uma pista sobre a deliberação marcada para fevereiro. Seria imprudente, conclui o Copom, formado por diretores do BC. Preferiram reforçar a necessidade de cautela “em eventuais novos ajustes no grau de estímulo”. Motivos fortes foram apontados para essa orientação.
Com os juros básicos em níveis historicamente baixos, o BC, como disse um analista do mercado, aventura-se em mares nunca dantes navegados. Pode-se avançar com suficiente segurança até dezembro, quando se poderá podar mais uma vez a taxa básica, a Selic. Depois será preciso ver como evoluirá a inflação – e até mesmo como a atual política monetária se transmitirá pelos canais do sistema financeiro. A importância desses cuidados é ressaltada na ata divulgada ontem pelo BC.
A cautela na comunicação, no entanto, de nenhum modo implica um compromisso. A decisão do Copom na reunião de fevereiro deverá resultar, como tem ocorrido normalmente, de um exame dos novos dados. Não se descarta, portanto, uma nova diminuição de juros, se a inflação continuar avançando para um resultado abaixo da meta e se as expectativas estiverem bem firmadas. Pelas projeções atuais, uma taxa inferior a 4,50% seria razoável no próximo ano, mas a insegurança, neste momento, é do próprio BC.
Por enquanto, com base nas informações conhecidas, o Copom aposta nos efeitos saudáveis de uma taxa real de juros em declínio. Levam-se em conta, nessa avaliação, decisões baseadas na taxa real ex-ante, correspondente ao juro nominal menos a inflação esperada.
Todos os indicadores de inflação projetados até 2022 são muito mais baixos do que têm sido há muitos anos. Em alguns casos, são inferiores às metas oficiais. Mas, como os juros também declinaram desde o final de 2016, é possível projetar rendimentos muito menores para as aplicações em contas de poupança e em papéis com renda fixa. Para ganhar dinheiro será preciso aplicar em outros ativos. No caso dos empresários, haverá um estímulo para a renovação de máquinas e equipamentos. Mas esse estímulo também dependerá, é prudente lembrar, das expectativas de expansão dos negócios. Máquinas paradas também são aplicações pouco rentáveis, como têm sido, na maior parte da indústria, desde antes da recessão.
Algum otimismo quanto a esse ponto aparece na ata. Segundo o Copom, o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter crescido no terceiro trimestre e “alguma aceleração” deve ocorrer nos trimestres seguintes. O texto menciona possíveis efeitos positivos, concentrados neste fim de ano, da liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep. Crescimento sustentado só virá com reformas, ajustes e medidas para elevar a produtividade.
Com inevitáveis limitações, o BC continua sendo a principal fonte oficial de estímulo à recuperação da atividade no Brasil. Alguns efeitos, como o barateamento do capital de giro e o reforço de algumas linhas de consumo, já têm sido notados há mais de um ano. Estímulos fiscais continuam fora da possibilidade do governo, por causa do mau estado de suas contas. Outros tipos de estímulo – como a liberação de dinheiro do FGTS – só foram acionados depois de oito meses de agravamento da crise.
Folha de S. Paulo
O pior por vir
Despreparo do governo limita chances de identificar responsáveis por óleo vazado
Na véspera de um megaleilão para exploração de petróleo no mar, marcado para esta quarta-feira (6), o governo brasileiro prosseguia dando demonstrações de despreparo para suas responsabilidades na área. Dois meses após iniciar-se o maior desastre ambiental do setor, imperava a perene confusão.
“O que chegou até agora e o que foi recolhido é uma pequena quantidade do que foi derramado. Então, o pior ainda está por vir”, disse no domingo (3) o presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Em um país normal, declaração de igual teor do presidente da República estaria devidamente calçada em informação confiável fornecida por auxiliares lotados na coordenação da resposta ao derramamento. Faz algum tempo, contudo, que os limites da normalidade estão sob estresse no Brasil.
“Nós não sabemos a quantidade derramada, o que está por vir ainda”, contradisse o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. O militar maximizou a incerteza durante uma entrevista coletiva dos vários órgãos federais envolvidos no esforço de remediação, com a Marinha à frente.
Desinformação cabal: eis a melhor descrição do que se observou até aqui. Depois de apontar o dedo para a Venezuela e uma ONG, insustentavelmente, o governo federal enfim se valeu de alguns dados técnicos para centrar a suspeita sobre o navio grego Boubolina, da empresa Delta Tankers Ltd.
Mesmo esse movimento comporta alguma precipitação. Baseia-se na presença da embarcação em área compatível com o setor oceânico indicado por modelos de dispersão como origem provável das mais de 4.000 toneladas de óleo retiradas de três centenas de localidades nordestinas. Mas ainda não há provas concretas para corroborar um indiciamento.
A Delta Tankers nega o acidente e diz que cabe ao Brasil comprovar que o derrame partiu do Boubolina. A quantidade recolhida até aqui corresponde a 27 mil barris de petróleo cru, que teria no mercado o valor de US$ 1,5 milhão (R$ 6 milhões) e representa 1/40 da capacidade de carga do navio grego.
Tal prejuízo empalidece diante do custo da operação de limpeza dos contaminantes, sobretudo agora que a Marinha, só dez semanas depois, mobilizou suas maiores embarcações —sem contar as perdas para a saúde pública, a pesca e o turismo, que o Ibama agora projeta na casa de bilhões.
Em retrospecto, a descoordenação exibida pelo governo Bolsonaro sugere que o país será incapaz de montar um caso jurídico robusto contra os causadores do derramamento e que o custo social e econômico da descontaminação recairá sobre os brasileiros. O pior, com efeito, ainda está por vir.
Folha de S. Paulo
Desafios do Enem
Cotas poderiam ser vinculadas à prova para aumentar a adesão de alunos
No último domingo (3), cerca de 5 milhões de estudantes realizaram a primeira etapa do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, que será concluído no fim de semana.
Criada em 1998, e desde 2009 o principal meio de acesso às universidades públicas, a avaliação teve um caminho acidentado desde a posse de Jair Bolsonaro, suscitando receios de atraso no cronograma e intervenção em seu conteúdo.
O início conturbado no Ministério da Educação, tomado por disputas entre grupos rivais, levou a trocas sucessivas no comando do Inep, órgão que promove o Enem. De janeiro a maio, quatro presidentes passaram pela instituição.
Havia, ademais, justificada preocupação quanto às questões que constariam no exame, consideradas as invectivas de Bolsonaro a perguntas que, no seu entender limitado, seriam ideológicas.
O governo chegou a criar uma comissão incumbida de realizar triagem do conteúdo da prova, embora não se saiba exatamente como ela funcionou nem que intervenções produziu no exame.
Fato é que pela primeira vez desde 2009 o Enem não contou com questões relativas à ditadura militar, um dos períodos definidores da história brasileira. A despeito disso, a prova, no geral, foi elogiada por professores e não deixou de abordar temas sociais relevantes.
Entre os desafios do exame nos próximos anos, o maior talvez seja o de elevar a participação de estudantes da rede pública. Levantamento desta Folha mostrou que vem aumentando o total de alunos concluintes dessas instituições que não se inscrevem para a prova. O percentual atinge 30%; na rede privada, o índice foi de 5%.
Embora seja difícil avaliar todas as causas por trás do fenômeno, não é descabido considerar que a maior dificuldade das camadas pobres de ingressar em universidades públicas conte como um fator importante de dissuasão.
Assim, o uso de cotas exclusivamente sociais, como defende esta Folha, deveria contribuir para aumentar o acesso de jovens carentes ao ensino superior. O mecanismo poderia ser vinculado aos que cursassem o ensino médio em escolas públicas e fizessem o exame.
Em 2022, aos dez anos da Lei de Cotas, que estipula critérios mistos, sociais e raciais para o preenchimento de metade das vagas em universidade federais, prevê-se a reavaliação da política. Trata-se de boa oportunidade para discutir a implementação de tal alternativa.