“Seria, de novo, uma tentativa de acabar com o abono. Conseguimos votação expressiva. O governo precisava de 49 votos e teve só 41”, disse a senadora (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)
Abono salarial poderá ser negociado ano a ano com o Congresso Nacional
Proposta do governo prevê que benefício deixe de ser pago em períodos de restrição fiscal
Gabriel Vasconcelos – Valor Econômico
O governo deve insistir em modificar a legislação relativa ao abono salarial por meio de uma das propostas de emenda constitucional (PEC) do Pacto Federativo. Segundo fontes próximas à preparação do pacote, a ideia, desta vez, é que o benefício seja “desobrigado”, com a política sendo discutida a cada exercício pelos congressistas, à luz do cenário fiscal.
Hoje o programa do abono salarial garante o valor de um salário mínimo (R$ 998) por ano para trabalhadores de carteira assinada com salário inferior a dois salários. Para ter acesso, o beneficiário deve constar no PIS/Pasep há cinco anos e ter trabalhado 30 dias no ano-base do cálculo. A obrigatoriedade, o valor e o teto que dá acesso ao benefício têm previsão constitucional. As demais regras foram definidas por lei de 1990. Portanto, “desobrigar” o benefício requer emenda à Constituição. Em junho, havia 24,6 milhões de elegíveis ao benefício, segundo Banco do Brasil e Caixa, gestores do programa. Neste ano o gasto do governo com o abono deve ficar em R$ 17,9 bilhões, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), número que deve chegar a R$ 19 bilhões em 2020 e a R$ 20,4 bilhões em 2021.
No escopo do terceiro “d” do mantra do ministro Paulo Guedes – “desvincular, desindexar e desobrigar” -, a proposta de mudança no abono salarial deve chegar pelo Senado. No início do mês, foi rejeitada na Casa investida do governo sobre o benefício. Após votação do primeiro turno da reforma da Previdência, o trecho que restringia o benefício a quem recebe até R$ 1.364,43 por mês foi suprimido via destaque sugerido pelo Cidadania. A mudança retirou R$ 76,4 bilhões da economia prevista com a reforma em dez anos e, por isso, Guedes teria determinado à equipe econômica compensações na reforma do Pacto Federativo.
O diretor de macroeconomia do Ipea, José Ronaldo Castro, confirmou que o tema tem sido abordado em reuniões da equipe econômica, mas preferiu não detalhar o texto. Castro afirma que eventual supressão do abono significaria economia média de R$ 20 bilhões por ano nos próximos dez anos. Ele se baseia nos resultados de um algoritmo desenvolvido pelo Ipea para mensurar a progressão dos gastos públicos e que tem sido usado pelo Ministério da Economia.
Castro diz que a política do abono salarial prejudica a distribuição de renda ao ignorar, por exemplo, o trabalhador informal. Técnicos do instituto calculam que 59% do montante envolvido no abono vai para a metade da população com a maior renda per capita domiciliar. Ele afirma que eventual supressão do benefício traria economia “relevante e imediata”, liberando espaço no orçamento para investir.
A equipe econômica têm os textos prontos desde a semana passada, mas, para que o pacote tenha viabilidade no Congresso, debaterá o que vai ou não entrar até o último instante. A mudança em estudo não instituiria gatilhos automáticos para suspensão do abono, mas deixaria a discussão aberta no Congresso a cada exercício. Em anos de restrição fiscal, o governo poderia se ver livre deste gasto com o aval dos parlamentares.
A senadora Eliziane Gama, líder do Cidadania, disse que não há espaço político para retomar a discussão sobre o benefício.
“Seria, de novo, uma tentativa de acabar com o abono. Conseguimos votação expressiva. O governo precisava de 49 votos e teve só 41”, disse.
O Ministério da Economia não comentou.