MANCHETES
O Globo
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Eleito faz homenagem a Lula e irrita o Planalto
No Uruguai, boca de urna indica 2º turno
Lula insiste em nomes só do PT para prefeituras
Em novo áudio, Queiroz reclama de falta de apoio
Prefeito Bruno Covas é diagnosticado com tumor no sistema digestivo
Crivella rompe contrato e abre pedágio da Linha Amarela
Bolsonaro governa só para um terço do país, diz cientista político
O Estado de S. Paulo
Governo quer lei para forçar a adesão de Estados à Previdência
Aposentadoria de militares abre cisão no bolsonarismo
Esquerda vence eleição na Argentina com peronista
Pecuária digital revoluciona campo
São Paulo reforça vigilância eletrônica
Alberto Safra deixa o banco da família
Exames detectam tumor em Covas
‘Informação é poder’, diz editor do NYT
Líder do EI morre em ação dos EUA
Folha de S. Paulo
Alberto Fernández é eleito presidente da Argentina
MP tem cometa para ‘enterrar a gente’, afirma Queiroz
Não dá para prever fim do vazamento de óleo, diz Ibama
Centro-direita e esquerda vão ao 2º turno no Uruguai
Bruno Covas tem tumor no trato digestivo, aponta exame
Saneamento com mais participação privada é falácia
Benefício a idosos carentes recua no governo Bolsonaro
Trump anuncia a morte do líder do Estado Islâmico
Valor Econômico
Ação de empresas nacionais volta a atrair estrangeiros
Divergências fazem Alberto deixar o Safra
Alberto Fernández vence em 1º turno na Argentina
A nova face das compras na China
Planalto teme ‘contaminação’ de sua imagem
Transtornos mentais afligem o meio jurídico
EDITORIAIS
O Globo
Partidos avançam na judicialização da agenda política
Legendas têm transferido aos tribunais conflitos não resolvidos no Legislativo ou com o Executivo
Uma das queixas mais recorrentes de parlamentares e dos líderes partidários é a chamada judicialização da política. Criticam uma suposta intromissão do Judiciário em assuntos cuja resolução deveria caber ao Legislativo.
A realidade, porém, é outra. Os partidos têm transferido aos tribunais parte significativa dos seus conflitos não resolvidos no Legislativo ou com o Executivo. As consequências são prejudiciais à segurança jurídica, um princípio geral do estado de direito que não aparece de forma expressa no texto constitucional, mas permeia toda a Constituição, sobretudo naquilo que fundamenta a confiança da sociedade nos atos, procedimentos e condutas estabelecidos pelo Estado — como, por exemplo, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido.
Na contramão da História e da racionalidade, um partido político foi ao Supremo Tribunal Federal na semana passada pedir a nulidade dos fundamentos da política de privatizações dos últimos 24 anos. Incluiu os atos recentes para desestatização de Dataprev, Serpro, Ceitec, Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Casa da Moeda.
Pretende, também, a anulação da aliança entre duas empresas privadas, a americana Boeing e a brasileira Embraer. Como se sabe, a Embraer se tornou caso de êxito estatal no investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação num setor industrial até então dominado por um restrito clube de países ricos. Foi privatizada no governo Itamar Franco, há 24 anos. Em fevereiro passado, selou a aliança com a Boeing.
Alega o PDT na ação que o governo federal não usou seu poder de veto para impedir uma “transferência do controle acionário” da Embraer à Boeing. Refere-se a um tipo de ação especial (golden share) que concede ao Estado prerrogativas específicas em decisões de empresas privatizadas para resguardo de interesses estratégicos do país.
A aliança entre essas duas empresas foi anunciada há 16 meses, como forma de autodefesa mútua, diante do avanço da concorrência da francesa Airbus e da canadense Bombardier, que se associaram. Boeing e Embraer garantem que “não houve” e “nem haverá” transferência de controle acionário. A União, por óbvio, não se omitiu, até porque o negócio contou com aval público de dois governos, o de Michel Temer e o de Jair Bolsonaro.
Está claro que o partido político quer transferir à Justiça uma demanda que não conseguiu resolver no Legislativo, por ter ficado em posição minoritária. O vício da recorrência aos tribunais levou outra ação à 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, ainda não julgada. Devido a razões eleitorais, outra vez, o PDT fomenta aquilo que costuma criticar — a judicialização da agenda política nacional. Sem competência para resolvê-los na arena própria, o Legislativo, impõe o ônus de um aumento da insegurança jurídica a toda a sociedade.
O Globo
Banalização de CPI é perigosa para a credibilidade da Câmara e do Senado
Instrumento que já foi importante no Legislativo transforma-se em trunfo de barganhas entre políticos
Terminou em confusão, na semana passada, mais uma tentativa do Legislativo de investigar os mecanismos de corrupção que beneficiaram empresas privadas com recursos subsidiados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A terceira CPI do BNDES foi encerrada com a aprovação de um relatório pífio, depois de negociações escancaradas que resultaram na desidratação da lista de responsáveis por negócios suspeitos.
Por coincidência, enquanto essa CPI entrava em autocombustão, em outra ala da Câmara agentes federais cumpriam ordem de busca e apreensão emitida pelo Supremo Tribunal Federal. Naquela manhã, vasculharam o gabinete de um deputado que havia sido relator da CPI dos Fundos de Pensão, três anos antes.
Responsável pelo caso, o ministro do STF Celso de Mello afirmou no mandado a existência de ‘‘relevantes indícios que denotam propina de R$ 3,25 milhões’’ ao deputado Sergio Souza (MDB-PR), autor do relatório da CPI dos Fundos de Pensão em 2016. Ele teria recebido suborno para não convocar e nem indiciar os ex-presidentes dos fundos Petros (Petrobras) e Postalis (Correios). Ele nega, e a investigação segue.
São novos capítulos de um fracasso do Congresso — a criação de CPIs que terminam em pizza, inteira ou pela metade. Por trás do fiasco evidencia-se a banalização desse relevante instrumento parlamentar de investigação. Induz ao descrédito, seja pelos impasses propositais na votação de um relatório final ou pela corrupção de integrantes.
No caso da CPI do BNDES, houve um acordão no último dia. Durante meses, parlamentares coletaram testemunhos e documentos sobre negócios privilegiados com recursos do banco estatal sob circunstâncias suspeitas. Reuniram um acervo que ajuda a compreensão dos processos de decisão nos governos Lula e Dilma sobre o repasse de meio trilhão de reais dos cofres públicos ao setor privado, em parte para empresários amigos, aqueles ungidos como “campeões nacionais”.
Na hora de votar o relatório, partidos trocaram os representantes na CPI. E negociaram a listagem a ser enviada ao Ministério Público Federal. Das 64 pessoas anotadas como passíveis de responsabilização, ficaram 52. Foram retirados 12 nomes no balcão da barganha, entre eles os dos ex-presidente Lula e Dilma.
Câmara e Senado precisam, com urgência, rever a banalização e os métodos dos inquéritos parlamentares, assim como revisar padrões e o funcionamento dos respectivos conselhos de ética. Sem isso, só restará o descrédito.
O Estado de S. Paulo
A modernização no campo
A mecanização da lavoura alterou o perfil do trabalho no campo nos últimos 11 anos, com a redução da mão de obra utilizada, mas impulsionou a produtividade
A mecanização da lavoura alterou o perfil do trabalho no campo nos últimos 11 anos, com a redução da mão de obra utilizada, mas continuou a impulsionar de maneira notável a produtividade em diferentes setores. Entre 2006 e 2017, o rendimento médio da cultura de soja, por exemplo, passou de 2.583,67 quilos por hectare (kg/ha) para 3.357,66 kg/ha, uma evolução de praticamente 30%, como mostrou o Censo Agropecuário 2017 divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira passada.
O que torna ainda mais relevante esse avanço é o fato de que a cultura de soja vem registrando ganhos expressivos de produtividade desde sua consolidação no País, em 1970, e com maior intensidade a partir dos anos 1980. Também outras culturas importantes para o comércio exterior do Brasil e para a mesa dos brasileiros registraram aumentos substanciais de rendimento nos últimos anos. Entre essas estão as do milho em grão (a produtividade cresceu 56,3% entre 2006 e 2017), do arroz em casca (60,6%) e do feijão em grão (46,4%). Esses resultados comprovam que o crescimento da produção vem sendo alcançado com aumento bem menos intenso da área cultivada. Também a pecuária leiteira vem registrando ganhos expressivos. Em média, entre 2006 – ano do Censo Agropecuário anterior – e 2017, a produção anual de leite por vaca passou de 1.618 litros para 2.612 litros (aumento de 62%).
No período entre os dois últimos Censos Agropecuários, o número de estabelecimentos com tratores aumentou 50%. Aumentou também o número de estabelecimentos com semeadeiras/plantadeiras, colheitadeiras e adubadeiras/distribuidoras de calcário. É mais intenso também o uso de meios de transporte como caminhões, motocicletas e aviões.
O processo de mecanização, de acordo com o gerente técnico do Censo Agropecuário, Antonio Carlos Florido, é crescente e contínuo.
A consequência, além do aumento da eficiência dos estabelecimentos agropecuários, é a redução da mão de obra empregada. “Quanto mais automação, menos gente na produção”, observa Florido. “Isso tem acontecido em todos os setores da economia, não é algo restrito ao setor agropecuário.”
Também a qualificação dos que continuam a trabalhar no campo vem mudando. A substituição gradativa do trabalho braçal por máquinas agrícolas exige um número crescente de trabalhadores do campo qualificados para operar essas máquinas.
Há um exemplo especial da substituição do trabalho humano por máquinas, o da cultura de cana em São Paulo. A proibição da queima da cana como preparação para a colheita forçou a substituição do homem por máquinas. Florido estima que uma máquina substitua em média 100 trabalhadores. “Quem não se qualifica tem que fazer trabalho braçal e o trabalho braçal está terminando.”
O processo é longo e contínuo. Em 1985, os estabelecimentos rurais empregavam 23,9 milhões de trabalhadores (média de 4,03 empregados por estabelecimento). Em 2017, eram 15,1 milhões de empregados (3,0 por estabelecimento). Apesar da expressiva redução da mão de obra empregada na agropecuária, o IBGE não considera que esteja ocorrendo um êxodo rural.
O que se observa é o envelhecimento da população no campo. O porcentual de produtores com mais de 65 anos, por exemplo, aumentou de 18% para 23% do total entre 2006 e 2017. Na faixa etária oposta, a dos mais jovens, ocorre o inverso. Em 2006, 39,4% dos proprietários rurais tinham menos de 45 anos; em 2017, a proporção era pouco superior a 30%.
Nesse período, a agricultura familiar perdeu 9,5% dos estabelecimentos e 2,2 milhões de postos de trabalho (o número de empregados na agricultura não familiar aumentou 702 mil nos 11 anos considerados).
Quanto ao uso de agrotóxicos, o número de estabelecimentos que admitem o uso desses produtos aumentou 20,4%. Um dado considerado grave pelo IBGE nessa questão é que, dos produtores alfabetizados que utilizam agrotóxicos, apenas 30,6% declaram ter recebido orientação técnica a respeito da aplicação do produto. O que preocupa não é o agrotóxico, mas seu uso por pessoas não devidamente instruídas para isso.
O Estado de S. Paulo
Lições da Inquisição
Nos dias de hoje, em que com frequência se dá às delações um crédito irrazoável e desproporcional, é instrutivo recordar que foi esse tipo de testemunho que ocasionou, em muitos países, uma epidemia sangrenta de perseguição
Nos anos 80, o Estado publicou um artigo do professor John Tedeschi (A Outra Face da Inquisição, Suplemento de Cultura, 16/3/1986) apontando como, ao contrário do que se consolidou no imaginário popular, já havia na Inquisição romana do século 16 garantias processuais que depois seriam incorporadas pelas legislações nacionais. O artigo indica, por exemplo, que o Santo Ofício aplicava com frequência penas alternativas ao encarceramento, como trabalhos obrigatórios em prisão domiciliar. Ou que cabia ao inquisidor prover as despesas das testemunhas de defesa, caso o réu não dispusesse dos meios necessários.
Tedeschi alerta que seu estudo se refere à instituição estabelecida na Itália em meados do século 16, não devendo ser confundida “com a Inquisição medieval que entrara em vigor no início do século 13 (e da qual a Inquisição romana era a continuação) nem com o tribunal espanhol fundado em 1478 e cuja história é completamente distinta”. Também menciona que não deseja amenizar os abusos cometidos pelos tribunais da Inquisição, nas diversas épocas. Seu objetivo é, por meio de uma análise das fontes disponíveis, traçar um panorama fidedigno do funcionamento daqueles tribunais.
À parte as controvérsias inerentes a trabalhos dessa natureza, é interessante nestes tempos de indiferença às garantias penais – não raro tratadas como “filigranas jurídicas” – revisitar direitos e proteções que a Inquisição romana concedia aos acusados. Ainda que possa surpreender, talvez a Inquisição tenha algo a ensinar sobre o devido processo legal.
“A Inquisição romana fez total uso, a partir do século 16, de uma justiça legal (em contraposição a uma justiça moral). Pude mesmo verificar, em cada caso, que Roma mandava aplicar escrupulosamente os procedimentos adequados formulados pelos manuais para uso dos inquisidores”, relata John Tedeschi. Não havia espaço para idiossincrasias ou protagonismos arbitrários.
A respeito das razões para o sigilo processual – os inquisidores faziam um solene voto de silêncio relativo a todo o processo judicial –, o artigo aponta que, entre outros aspectos, “era preciso proteger a reputação do acusado”. Havia um cuidado de fato com o princípio da presunção de inocência.
No artigo, há documentos indicando que a Inquisição romana era prudente antes de deter um suspeito. “É preciso mostrar-se muito prudente no encarceramento de suspeitos, escreve Eliseo Masini num manual consagrado, Il Sacro Arsenale, pois o simples fato de ser aprisionado por crime de heresia é notavelmente infamante para a pessoa. Será, portanto, necessário estudar cuidadosamente a natureza das provas, a qualidade das testemunhas e o estado do acusado”, transcreve o professor Tedeschi.
O artigo menciona também a carta de um funcionário da congregação romana dirigida a um inquisidor de Bolonha: “Que Vossa Reverendíssima não se apresse em proceder a uma detenção, pois a simples captura, ou mesmo a bulha que ela possa provocar, causa um grave dano”, diz o documento redigido em 1573.
Ao elencar os motivos pelos quais não houve na Itália a “epidemia sangrenta de perseguição dirigida a bruxos que assolou a Europa setentrional no final do século 16 e durante boa parte do 17”, o artigo aponta que a Inquisição romana “insistiu fortemente no fato de que o testemunho de uma pessoa suspeita de bruxaria tinha uma validade extremamente limitada enquanto fundamento de uma perseguição visando outras pessoas”.
Nos dias de hoje, em que com frequência se dá às delações um crédito irrazoável e desproporcional, é instrutivo recordar que foi esse tipo de testemunho que ocasionou, em muitos países, uma epidemia sangrenta de perseguição. Esse dado histórico mostra a relevância para todos os cidadãos, e não apenas para as partes envolvidas num determinado processo penal, do respeito ao devido processo legal. Não são filigranas jurídicas. São nesses aparentemente pequenos detalhes que se infiltram insidiosamente grandes desequilíbrios e injustiças. Não convém ignorar as lições da história.
O Estado de S. Paulo
Um longo caminho
O Brasil não investe pouco em educação. Apesar disso, no PISA, amarga as últimas posições entre 70 países
Há um consenso no Brasil sobre as grandes demandas sociais. Por maior que seja a discórdia em relação aos meios, fins como educação, segurança, saúde e distribuição de renda são defendidos por todas as bandeiras. A educação é decisiva, porque a longo prazo é o melhor meio de consolidar os outros fins. O País não investe pouco em educação: cerca de 6% do PIB, o mesmo ou até mais que países desenvolvidos. Apesar disso, no programa de avaliação global (Pisa), o Brasil amarga as últimas posições entre 70 países. Para diagnosticar causas e consequências desta ineficiência, o Instituto Millenium realizou, em parceria com a Eight Data Intelligence, o estudo Educação e Desenvolvimento.
O País provê relativamente bem o acesso a escolas, servindo 92% dos jovens dos 4 aos 17 anos. Contudo, 11,6 milhões de pessoas que chegaram aos 18 anos continuam analfabetas. O estudo confirma o que todos intuem: os piores desempenhos estão associados à baixa frequência escolar, por sua vez associada a outras carências estruturais, como saneamento básico. Isso também afeta os anos de estudo. A média do País, 7,8 anos, está abaixo da do Chile (10,3) em 32% e da dos EUA (13,7) em 70%.
No ensino superior, a taxa de formados entre a população com 25 anos ou mais está em 12,78%, praticamente um terço da média da OCDE (36,7%). A principal consequência é uma pressão negativa sobre os salários. Trata-se de uma estagnação crônica: nos últimos 40 anos, os índices de matrículas e de assiduidade foram baixos na comparação com outros países.
Se essa conjuntura educacional já é deprimente por si mesma, fica ainda pior à luz da estrutura socioeconômica que a mantém. O Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation mensura a correlação entre desenvolvimento e competitividade a partir do grau de autonomia de indivíduos e empresas de tomarem suas decisões econômicas sob impostos justos e a segurança do Estado de Direito. O grau de proteção à propriedade privada explica mais de 70% da variação do PIB per capita. Nos últimos 140 anos, os países mais livres do ponto de vista econômico foram os que mais incrementaram a renda e o desenvolvimento humano das suas populações – inclusive porque, quanto mais rico um país, melhor é sua distribuição de renda. Com mostrou a pesquisa, em termos de liberdade econômica o Brasil figura na 150.ª posição em 180 países.
Quando as variáveis de desempenho em Educação são conjugadas com as de Liberdade Econômica, de Setor Público (gastos do governo em porcentual do PIB; déficit público; e crescimento do PIB) e de Produtividade, vê-se o Brasil posicionado no 4.º e pior grupo, o dos países com baixo desempenho nas quatro variáveis, junto com Argentina, Bolívia, Nigéria, Senegal, Paquistão e outros. Em consequência, o PIB per capita nacional está na 75.ª posição no ranking mundial, 19% abaixo da média mundial, atrás do Uruguai, Chile e Argentina. Para piorar, o Estado gasta, tributa e se endivida como se fosse um país rico. Com o descontrole fiscal, hoje a sociedade paga mais impostos e o governo investe menos do que há 30 anos. E investe mal: os gastos com ensino superior, que serve 11% dos alunos do País, são 3,7 vezes maiores do que as despesas com educação básica.
Conclui-se que o abismo social que se forma não é exclusivamente uma questão de Educação, mas ela reflete a ineficiência do Estado em promover condições para o desenvolvimento, desde saneamento e energia ao ambiente de negócios. Em geral, o País custeia o excesso de gastos de poucos com a contribuição compulsória de muitos. Um exemplo cruel é a disparidade de gastos com ensino público superior, usufruído pela minoria mais rica, em oposição ao ensino fundamental, que serve à maioria mais pobre.
A pesquisa, como se vê, não traz nada realmente novo, mas dá certeza matemática às angústias dos brasileiros, impondo a necessidade de avaliar seriamente a qualidade dos investimentos em um cenário de graves problemas estruturais que não podem ser olhados de forma isolada nem solucionados com medidas paliativas.
Folha de S. Paulo
O alvo da CPI
Congresso pode combater milícias virtuais, sem prejudicar liberdade de expressão
A Comissão Parlamentar de Inquérito criada por deputados e senadores para investigar a disseminação de notícias falsas na internet durante a campanha presidencial do ano passado promete fazer barulho nos próximos meses.
Instalada em setembro, ela inclui entre seus objetivos a investigação de ataques cibernéticos contra a democracia, perseguições nas redes sociais e até casos de crianças que teriam cometido suicídio por influência de grupos virtuais.
Tudo indica que ações do governo Jair Bolsonaro (PSL) na área de comunicação merecerão atenção especial, em particular sua articulação com as legiões de agitadores que se dedicam a defendê-lo e a atacar seus adversários na internet.
Seis assessores do Palácio do Planalto já foram convocados para depor à comissão, entre eles o chefe da Secretaria de Comunicação, Fabio Wajngarten, e colaboradores que trabalham para o presidente desde a campanha eleitoral.
A CPI deverá apreciar em breve um requerimento para que seja ouvido também o vereador Carlos Bolsonaro (PSC), filho do presidente que desde sempre exerce grande influência na definição da sua estratégia de comunicação digital.
Defenestrados há uma semana pelo presidente das posições de liderança que ocupavam na Câmara, os deputados Joice Hasselmann (SP) e Delegado Waldir (GO) foram convidados a falar e se prontificaram a contar à comissão tudo que sabem sobre a atuação do governo e de seus seguidores nesse campo.
As redes sociais se tornaram nos últimos tempos terreno fértil para a proliferação de verdadeiras milícias virtuais, que usam a internet para espalhar desinformação e confundir o debate público.
A CPI cumprirá bem seus objetivos se contribuir para o entendimento desse fenômeno e para o desenvolvimento de instrumentos capazes de conter os danos que esses grupos causam ao bom funcionamento do regime democrático.
Essas atividades parecem ter se tornado corriqueiras no interior da máquina de propaganda oficial e mesmo em gabinetes parlamentares. Caberá certamente um exame rigoroso do emprego de recursos públicos no financiamento dessas ações, e o Congresso fará bem se apertar controles para coibi-lo.
Mas a comissão certamente afundará no descrédito se seus integrantes a transformarem em mais um palco para a guerra entre o governo e seus opositores, ou para acertos de contas entre as facções em conflito nas hostes bolsonaristas.
Cabe aos parlamentares evitar um perigo ainda maior, o de que a CPI seja usada para impor limites à liberdade de expressão e à circulação de ideias na internet, a pretexto do combate às fake news.
Se é certo que a atuação de grupos inescrupulosos no ambiente virtual merece escrutínio, seria inaceitável que os políticos usassem a CPI apenas como mais um instrumento para combater seus adversários e silenciar os críticos.
Folha de S. Paulo
Óleo sobre o fogo
Desastre ambiental no Nordeste se soma a salto de cerca de 40% na área desmatada
O petróleo derramado em 233 praias de todo o Nordeste como que obliterou o desastre anterior, com as queimadas e o desmatamento que lhes dá origem. Deixar as manchetes, porém, não significa que o governo de Jair Bolsonaro (PSL) tenha controlado a devastação.
É verdade, o número de queimadas caiu. Após o pico de focos detectados por satélite em agosto (53,3 mil) e setembro (53,8 mil), o frenesi incendiário arrefeceu neste mês. Até quinta-feira (24), pouco mais de 16 mil pontos haviam sido registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Não há o que comemorar, contudo. Primeiro, porque ainda houve mais queimadas do que em julho (quase 15 mil). Depois, porque a estação seca se aproxima do fim e os incêndios tendem mesmo a diminuir em quantidade.
O governo Bolsonaro menosprezou as queimadas alegando que ocorrem todos os anos, são práticas de indígenas e não têm relação com desmatamento. Não é verdade: queimam-se pastagens que um dia foram floresta, e um aumento significativo de focos indica o uso do fogo para limpar resíduos em áreas recém-derrubadas.
Não por acaso os recordes de avisos de desmatamento na Amazônia emitidos pelo sistema Deter do Inpe ocorreram em julho e agosto. Nesses dois meses logo anteriores aos picos de queimadas, as áreas devastadas totalizaram respectivamente 2.295 km² e 1.859 km².
O total de alertas do Deter nos últimos 12 meses soma quase 8.600 km². Não é ainda a taxa oficial completa de desmatamento do país, medida para cada ano no período de agosto a julho pelo sistema Prodes, também do Inpe.
O Prodes tem mais precisão e indica sempre uma taxa anual superior à somatória dos avisos do Deter. Dá-se por certo que o ano de 2019 deve ultrapassar os 10 mil km², o que já representaria um salto de 38% sobre os 7.230 km² de 2018 –e a primeira cifra de quatro dígitos desde 2008 (13,3 mil km²).
Com o habitual diversionismo, Bolsonaro chegou a culpar ONGs pelas queimadas (e depois alegou ao Supremo Tribunal Federal não ter feito acusação específica, mas “discurso político”). Reitera agora a denúncia vazia, desta vez insinuando complô da Venezuela.