Luiz Carlos Azedo: Abrolhos, a tragédia continua

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

A notícia de que as manchas de óleo que estão chegando às praias do Nordeste desde o início de setembro já se aproximam de Abrolhos, no sul da Bahia, é um espanto. O arquipélago detém os bancos de corais de maior diversidade do Atlântico Sul, protegidos pelo Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, a primeira unidade de conservação marinha do Brasil, um santuário para a reprodução das baleias franca e jubarte, cuja passagem pela costa brasileira do Sul e Sudeste são uma atração à parte. Em Vitória, por exemplo, há passeios turísticos de barco para ver a dança das baleias.

O Arquipélago de Abrolhos é formado por cinco ilhas, distantes 75 quilômetros da costa de Caravelas. Foi visitado por Charles Darwin em 1832, a bordo do veleiro HMS Beagle. Desde essa aventura científica, Abrolhos é uma referência para o estudo de biologia e da reprodução dessa espécie mamífera. A Ilha de Santa Bárbara, onde está o farol da Marinha, é a única habitada. As outras quatro são áreas proibidas. As ilhas ocupam 913 km². Conheci o arquipélago num dos raros carnavais nos quais não saí no bloco carioca Simpatia É Quase Amor, do qual sou folião desde o primeiro desfile, sempre na bateria.

Conheci Abrolhos graças a um convite do meu falecido amigo Bruno Fernandes, arquiteto e velejador, que me ligou de Cabo de São Tomé para pedir uma orientação de como proceder diante do forte vento Nordeste que sopra naquela região da costa fluminense. A 40km a sudeste da cidade de Campos dos Goytacazes, a península é formada por sedimentos depositados pelo Rio Paraíba do Sul. Foi avistada pela primeira vez em 1501 e perturba a vida dos velejadores que tentam atravessá-lo a meia distância da costa, por causa das ondas e do bordo negativo que torna infindável a travessia.

A melhor saída é fazer a travessia a motor entre a praia e o banco de areia, quando o tempo está bom, ou rumar para o alto mar. À noite, a referência é o Farol de São Thomé, localizado na Praia do Farol, em Campos, projetado pelo engenheiro francês Gustave Eiffel, o mesmo da construção da Estátua da Liberdade, em Nova York (1888), e da Torre Eiffel, em Paris (1889). Tem 45 metros de altura e 216 degraus. Construído por uma empresa francesa, foi inaugurado em 1882, no aniversário da Princesa Isabel.

Tão logo chegou a Vitória, com Luciene Ruiz, arquiteta e velejadora como ele, Bruno me convidou para ir a Abrolhos, no veleiro Bar a Vento, um Brasília de 32 pés. Fui com meus filhos Rodrigo e André, uma velejada inesquecível. Depois, o casal recém-casado seguiu viagem, num périplo transatlântico que durou alguns anos.

Abrolhos tem esse nome porque era um local traiçoeiro para os navegantes. É conhecido pelos navegadores portugueses desde o século 16: “Quando te aproximares de terra, abre os olhos…” já alertavam aos desavisados, para que, quando avistassem as ilhas do arquipélago, abrissem bem os olhos para os seus recifes, que são um grande perigo para a navegação no local. Em 1631, a área foi palco da Batalha de Abrolhos, em que a esquadra luso-espanhola venceu os holandeses. Em 1861, ainda na época do Império, Santa Bárbara, a maior ilha, recebeu o Farol de Abrolhos. Administrada pela Marinha, a ilha é área de segurança nacional.

Santuário

Entre 1865 e 1867, os cientistas Louiz Agassiz, Charles Frederick Hartt e outros realizaram estudos geológicos em Abrolhos e seus recifes, publicados em 1870. Entre as espécies marinhas encontradas em Abrolhos destacam-se a baleia-franca, o tubarão-limão, tartarugas, a anêmona-gigante, a gorgônia, entre outras. Várias espécies de aves habitam as ilhas, como atobás-brancos e marrons, grazinas, fragatas e beneditos. É permitido o desembarque nas ilhas Siriba, que possui uma trilha ecológica de 1,6km, uma pequena praia com muitas conchas e piscinas naturais onde se observam peixes colorido

Na ilha de Santa Bárbara, é possível conhecer o Farol de Abrolhos. As baleias chegam para acasalamento no período de julho a novembro. O mergulho nas áreas de corais e naufrágios é um luxo, pois é o local de maior variedade da biodiversidade marinha encontrada no Atlântico Sul. As visitas são controladas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMBio e o Centro de Visitantes de Abrolhos, que ficam na Praia do Kitongo, em Caravelas, no sul da Bahia.

Não por acaso, o plano estratégico da Marinha do Brasil se intitula Amazônia Azul. Com cerca de 5,7 milhões de km², equivalente a metade da nossa massa continental, das águas territoriais brasileiras são retirados 85% do petróleo, 75% do gás natural e 45% do pescado produzido no país. A rica biodiversidade do nosso litoral, porém, é um tesouro inexplorado. No Nordeste, está sendo agredida por essa tragédia que expõe o descaso e a incompetência do governo na questão ambiental. (Correio Braziliense – 24/10/2019)

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