Oposição recusa a autocrítica e insiste em atribuir a vitória de Bolsonaro a superpoderes externos
O discurso político da oposição foi tomado por diagnósticos sobre a ascensão de Bolsonaro que superdimensionam os fatores externos. Mesmo sendo pouco críveis, essas explicações se tornaram as interpretações dominantes sobre o sucesso da nova direita.
Embora diferentes entre si, têm em comum o fato de atribuir o sucesso eleitoral do presidente a superpoderes ou a violações das regras do jogo que desorganizariam a ordem natural das coisas, isto é, o sucesso eleitoral da esquerda.
Elas podem reivindicar superpoderes tecnológicos, como a alegação de que foi uma atuação clandestina da Cambridge Analytica ou disparos em massa de WhatAspp que desestabilizaram a eleição presidencial.
Não há nenhum indício de que a Cambridge Analytica ou alguma das empresas que a sucederam tenham atuado no Brasil. Além disso, há grande descrença entre especialistas na real efetividade do modelo de anúncios segmentados com base em perfis psicológicos. Finalmente, o modelo empregado nas eleições americanas não pode ser reproduzido fora do Facebook —e os gastos com publicidade eleitoral no Facebook são públicos e foram muito reduzidos.
A mesma coisa se pode dizer dos disparos de WhatsApp. Embora o esclarecimento sobre seu uso nas eleições tenha implicações para a justiça, por ser ilegal, é bem pouco provável que o expediente tenha tido um efeito eleitoral relevante, seja porque spam no WhatsApp é caro e ineficaz, seja porque amostras desse tipo de propaganda recolhidas por pesquisadores não mostraram nenhum conteúdo bombástico que pudesse virar o jogo.
Restam ainda as explicações sobre violações nas regras do jogo eleitoral, como o fato de que foi a desinformação que garantiu a vitória a Bolsonaro ou ainda a ridícula tese de que Bolsonaro forjou a facada para gerar simpatia e se afastar dos debates.
Embora desinformação tenha seguramente circulado em grande quantidade no WhatsApp e pesquisas de opinião tenham mostrado o seu alcance, pouco sabemos sobre sua capacidade de mudar votos e nada indica que aquelas que foram propagadas pela direita tenham tido mais efetividade do que as que foram propagadas pela esquerda.
Em vez de insistir em explicações conspiratórias que atribuem a vitória de Bolsonaro a fatores excepcionais externos, a oposição faria melhor se aproveitasse esse recesso fora do poder para refletir sobre os seus erros, assim como sobre os acertos da nova direita que conseguiu se conectar com a população e jogá-la contra uma esquerda apresentada como corrupta, inepta e elitista. (Folha de S. Paulo – 15/10/2019)
Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.