Apostas da política externa ideológica do governo Bolsonaro começam a dar errado. Aliados se enfraquecem e correm riscos. O italiano Matteo Salvini é o primeiro da lista a sofrer um revés. O líder da Liga, partido de extrema direita, tentou um golpe arriscado ao romper a coalizão de governo para chegar ao cargo de premier em eleições. Fracassou e viu seus antigos parceiros do anti-establishment Movimento 5 Estrelas se aliarem aos seus rivais pró-União Europeia do Partido Democrático, de centro-esquerda.
Salvini seria o pilar mais importante do movimento da “nova” direita formulado pelo charlatão Steve Bannon, se somando ao Brasil, Hungria e Polônia. Bolsonaro o tratava como grande aliado. A avaliação era de que aos poucos estes soberanistas, como gostam algumas vezes de serem identificados, pudessem se tornar uma força superior ao multilateralismo, que eles chamam de “globalismo”, de Emmanuel Macron e Angela Merkel.
Como ministro do Interior, Salvini ainda possuía restrita capacidade de se envolver nas grandes discussões globais. Como premier, teria alcance bem maior. Caso houvesse eleição, talvez atingisse esta meta. Mas não haverá. Voltará para a oposição e pode perder o “timing” quando ocorrer nova votação para o Parlamento no futuro. E seu inimigo Matteo Renzi, com posições próximas ao francês Macron, está de volta à coalizão de poder.
Além desta “nova” direita, Bolsonaro, para agradar sua base evangélica, se tornou um cabo eleitoral de Benjamin Netanyahu. Confundiu ser aliado de Israel com ser aliado do primeiro-ministro israelense ao visitar Jerusalém às vésperas das eleições no início do ano. Até imaginou que esta aposta houvesse rendido frutos, quando o Likud, Partido do premier, saiu vitorioso. Mas Netanyahu fracassou na tentativa de formar coalizão. No dia 17 de setembro, haverá novas eleições. O premier pode perder ou mais uma vez não conseguir montar um governo se vencer. Mais grave, pode ser condenado por corrupção pela Justiça. Em qualquer um destes três cenários, a aposta de Bolsonaro em apoiar o premier poderá enfraquecê-lo inclusive nas relações com Israel. Opositores já deixaram claro que se distanciarão do líder brasileiro se ganharem.
Macri, na Argentina, se diferencia ideologicamente de Bolsonaro em questões comportamentais, mas ambos compartilham de posições próximas em economia. O problema, no caso, não está em manter uma boa relação com o presidente argentino. Isso é ótimo. O grave foi atacar o candidato opositor Alberto Fernández, favorito para ser eleito presidente em outubro. O presidente brasileiro fez uma aposta totalmente desnecessária na Argentina ao tratar a oposição como inimiga. Um gol contra de sua equipe de política externa.
A maior aposta de Bolsonaro, no entanto, está em Washington. O presidente brasileiro claramente se comporta como fã de Donald Trump. Se o presidente americano perder para um democrata, toda a estratégia de política externa do Brasil naufragará e o país ficará isolado. Nisso que dá ser ideológico, e não pragmático. (O Globo – 29/08/2019)