A pressão sobre o presidente Bolsonaro devido à lei de abuso de autoridade, que está na sua mesa para sanção ou veto, total ou parcial, resume a “sinuca de bico” em que as circunstâncias políticas o meteram.
Há uma ameaça de derrubar o veto caso ele seja integral. A deputada federal Bia Kicis, umas das lideranças políticas mais próximas a Bolsonaro, já anunciou que será apresentada outra lei sobre o tema, “sem os absurdos dessa”. O que insinua um veto total, considerado improvável pela maioria.
Se não vetar pelo menos pontos importantes da lei, Bolsonaro estará indo contra as corporações que se consideram prejudicadas. Associações de policiais, juízes, integrantes do Ministério Público e da Receita Federal foram convocadas pelo líder do governo, Major Vitor Hugo, para discutir como pressionar o presidente a vetar a lei de abuso de autoridade.
As crises em que o próprio presidente Bolsonaro se envolveu com a Polícia Federal e a Receita Federal, ao pressionar para substituir funcionários em postos-chave no Rio por interesse pessoal e de seus filhos, tendem a agravar-se se essas corporações se sentirem cerceadas pelas novas regras da lei de abuso de autoridade.
Por exemplo, uma análise das associações representativas dessas corporações teme que, a partir da nova lei, surjam discussões sobre a possibilidade de se instaurar investigação com base em notícia anônima ou apócrifa, em notícia de jornal ou em informações de inteligência.
Alegam que isso é muito comum não só em casos de tráfico de drogas, mas de crimes de colarinho branco e corrupção. Fica o promotor ou procurador sujeito a responder a representações, investigações ou ações. Esse é um exemplo de crime novo trazido pela lei, que deveria ser uma infração administrativa.
A definição do prazo legal para o membro do Ministério Público avaliar uma investigação não gera consequências processuais pela lei atual e, por isso, em razão do volume de trabalho, é comum que o prazo seja ultrapassado.
O limite da investigação é o prazo da prescrição, e investigações são gerenciadas sempre tendo em conta a relevância ou a necessidade de evitar a prescrição. A nova lei sujeita o investigador, o acusador ou o juiz a ser processado pelo próprio réu que os queira intimidar.
Embora essa preocupação não tenha fundamento em tese, pois a nova lei reproduz o que já existe na atual, é um exemplo de reiteração desnecessária que visa a pressionar os procuradores.
Os procuradores e órgãos de investigação reclamam que vários tipos penais têm expressões genéricas, vagas ou imprecisas, o que daria abertura para que o investigado ou réu represente contra o policial, promotor/procurador ou juiz, que passará a ter que dividir seu tempo entre seu trabalho e responder a representações dos investigados e réus.
Os policiais consideram que o artigo 22, § 1°, os sujeita a riscos de modo impróprio, limitando sua mobilização. O texto legal diz que só haverá crime se forem extrapolados os limites determinados por decisão judicial, mas ela não pode ser tão rígida, na opinião das autoridades policiais, que coloque em risco a segurança da operação.
Os procuradores consideram que o artigo 34, que fala em “erro relevante”, é outra vez um tipo penal aberto, com termos vagos. Gera grande insegurança jurídica para os agentes públicos. Outro absurdo, na visão dos procuradores, está no artigo que diz que é crime deixar de corrigir uma decisão quando a parte demonstrar que a medida é excessiva.
Consideram essa norma contrária aos bloqueios de bens feitos em investigações contra pessoas poderosas economicamente. A parte sempre diz que é excessiva. O juiz ficará com medo porque se a parte recorrer, e o tribunal concordar com a parte, aquilo que seria uma simples revisão de decisão judicial passará a transformar a conduta do juiz em potencial crime, sujeito a representação, investigação ou ação penal promovida pelo investigado ou réu. (O Globo – 20/08/2019)