O presidente Jair Bolsonaro, conforme escreveu o colunista Elio Gaspari, precisa urgentemente de um chanceler para evitar dar declarações prejudiciais para o Brasil. Um ministro das Relações Exteriores que o aconselhe a não cometer trapalhadas em política externa, a deixando menos ideológica. Há uma sucessão de gols contra cometidos por seu governo que poderiam ter sido impedidos se houvesse uma figura capacitada no comando do Itamaraty.
O último fiasco foi o envolvimento na política doméstica da Argentina. Qualquer diplomata sabe que não se deve interferir em eleições estrangeiras. Bolsonaro já cometeu este equívoco em Israel, quando visitou o país às vésperas da votação, servindo de cabo eleitoral de Benjamin Netanyahu, acusado de corrupção. A oposição israelense disse que se distanciaria do Brasil se chegasse ao poder. No fim, ninguém conseguiu formar um governo e haverá novas eleições. Se Bibi perder e possivelmente for preso, como ficará a sua relação com Israel? Seu chanceler deveria ter avisado.
O mesmo pode ocorrer no ano que vem, quando Donald Trump disputará a reeleição. E se um democrata for eleito? Sua imagem já está associada ao atual presidente americano. Seu filho, se for mesmo embaixador em Washington, se tornará completamente inútil na capital americana com sua inexperiência e dificuldade com a língua inglesa, além da sua bizarra foto com o boné do Make America Great Again, usado por trumpistas.
Voltemos para a Argentina. Não se sabe quem estará na Casa Rosada no ano que vem. Talvez Maurício Macri seja reeleito. Há uma probabilidade enorme, no entanto, de Alberto Fernández, com a sua vice Cristina Kirchner, ser o futuro presidente argentino. Segundo a consultoria de risco político Eurasia, a probabilidade é de 90%. Bolsonaro inevitavelmente terá de trabalhar com ele, caso seja eleito, por ser membro do Merco-sul em um momento de finalização do acordo com a União Europeia. Também se trata de um parceiro geopolítico e comercial fundamental para os brasileiros.
Um chanceler sério explicaria ao presidente brasileiro que Fernández pode ser pragmático. Não tentará entrar em atrito com Bolsonaro. Tem total consciência da importância brasileira.
Importante também frisar que, conforme escrevi aqui neste espaço, a imagem de Bolsonaro na Argentina é ruim. Seu apoio a Macri pode prejudicar o presidente argentino, ainda que marginalmente, como disse a repórter Janaína Figueiredo, do GLOBO, que por duas décadas foi correspondente em Buenos Aires. Um chanceler sério avisaria ao presidente não ser de bom tom defender torturadores e regimes militares para os argentinos.
Na Argentina, a ditadura militar matou entre 15 mil e 30 mil pessoas, sequestrou centenas de bebês, torturou milhares, travou e perdeu uma guerra contra os britânicos pelo controle das Ilhas Malvinas/Falklands e deixou como herança uma hiperinflação. Os comandantes militares foram julgados e presos por seus crimes.
Por último, politicamente, também não fica bem se associar a uma candidatura que corre o risco de perder. Indiretamente, Bolsonaro também pode ser visto como derrotado caso Macri perca em outubro, como parece ser a tendência, embora ainda reversível. (O Globo – 15/08/2019)